A crise financeira que afeta a economia do Brasil atinge em especial as micro e pequenas empresas. Os pedidos de recuperação judicial dobraram na comparação do primeiro semestre de 2016 para o mesmo período de 2015 – saltaram de 323 para 657. Em contrapartida, as falências nesse grupo caíram 26%. Os dados são da Serasa Experian. Na opinião de especialistas, os números da recuperação judicial podem ser analisados sob perspectiva além da crise: eles podem indicar confiança no empresariado de que há cenário de melhora econômica, como demonstram ainda profissionalismo e conhecimento dos empreendedores brasileiros, não só de procurar a Justiça, como entender que há mecanismos simplificados de recuperação para negócios de menor porte.
Segundo informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), os processos envolvendo falências e recuperações judiciais cresceram 30,8% entre o primeiro semestre de 2015 e 2016. Em uma busca rápida pelas ações ajuizadas na página eletrônica do tribunal é possível encontrar empresas de todos os gêneros – de agroindústrias, a companhias de engenharia e lojas de tapetes – procurando o auxílio da Justiça para se reestabelecer.
Um dos mecanismos que têm sido acessado pelos empresários é a recuperação judicial especial. Embora ela exista desde 2005, passou a ser mais procurada nos últimos anos. Destinada às micro e pequenas empresas, principal universo de empresas do DF, o procedimento para a recuperação é mais ágil e barato do que a chamada recuperação judicial ordinária, usada por grande corporações, como a Oi, Parmalat e Varig. Nessa modalidade especial, o valor da remuneração do administrador judicial é menor: até 2% do valor da dívida envolvida. Além disso, o Plano de Recuperação Judicial tem um modelo pré-estabelecido por lei e aos credores não é permitida assembleia para mudar o plano, a eles cabe apenas aceitá-lo ou não.
O advogado especializado em compliance e governança corporativa e professor do Centro Universitário de Brasília (Uniceub) Henrique Arake acredita que a recuperação judicial especial ainda é pouco usada pelos empresários, mas que a procura por essa modalidade vem crescendo. “As empresas fecham sem sequer pedir recuperação judicial ou falência, simplesmente fecham. Às vezes, por desconhecimento. De repente, a empresa tem muitas dívidas, mas tem muito a receber, é só um descontrole de caixa, que uma recuperação judicial pode ajudar”, defende.
Ao ingressar com recuperação judicial especial, a execução das dívidas de qualquer natureza é suspensa por 180 dias. Nessa modalidade, o empresário deve apresentar em 60 dias o plano de recuperação. Se não for apresentado, a falência é decretada automaticamente. “A lei de 2005 passou a ver a empresa como uma instituição social, geradora de empregos e tributos, por isso, está preocupada com a preservação e deve ser usada pelos micro e pequenos também”, completa o advogado Daniel Fernandes, que atua como administrador judicial de empresas que pedem recuperação judicial.
Na análise de Antônio Valdir de Oliveira, superintendente do Sebrae no Distrito Federal, não é possível medir a crise pelos números do Serasa, até porque são centenas em um universo de milhares de empresas. Ele lembra que, no caso de micro e pequenas empresas, a informalidade pesa mais. “O empresário fecha as portas e o estado não tem notícia”. Valdir acredita que o aumento da recuperação judicial associado com queda na falência aponta para um profissionalismo nos pequenos negócios. “Vejo como positivo o fato de o empresário estar acreditando no seu negócio e querer investir nele, mesmo com dificuldades. Para isso, ele prefere usar os mecanismos que a lei traz do que simplesmente fechar as portas e partir para outros rumos”, argumenta.
Aprendizado com as falências
Luiz Augusto da Silva, 56 anos, é pequeno empresário há 35 anos. Em toda a sua jornada empreendedora faliu quatro vezes, sem nunca pedir apoio judicial. “Na realidade, o pequeno empresário faz tudo sozinho, negocia com fornecedores, com os trabalhadores. A Justiça é cara e acaba ficando um pouco distante, o empresário tem medo”. Luiz comenta que o problema das falências que enfrentou se deu por dívidas com fornecedores. Para ele, o atraso em admitir que o negócio não ia bem foi o que mais prejudicou e o fez perder tempo na recuperação. “O raciocínio era o de que não podia mostrar que o negócio nõa ia bem, porque isso afastava fornecedores e clientes. Até pra praia eu fui, sem puder”.
Atualmente Luiz tem uma loja de semi-jóias em um shopping em Taguatinga, ele conta que, durante as falências foi aprendendo o que deveria melhorar em seu negócio. Fez curso de marketing, foi a feiras internacionais, fez cursos de banho de joias, procurou o Sebrae. “Sem a ciência da gestão, não adianta. É como dirigir um caminhão, sem ater autorização. O mundo dos negócios tem muitas regras, muitos obstáculos. Me entreguei de corpo e alma”, ensina.
Para saber mais:
Como funciona a recuperação judicial?
O empresário com problemas para quitar dívidas com trabalhadores e fornecedores pode pedir ajuda à Justiça para enfrentar os desafios. Ele entra com pedido judicial de recuperação. O juiz analisa se, diante a situação exposta, cabe ou não a intervenção judicial. Se sim, o magistrado nomeia um administrador judicial para acompanhar o caso e suspende a execução das dívidas por 180 dias. Além disso, o empresário tem 60 dias para apresentar o Plano de Recuperação Judicial, se não apresentar, ele será indicado à falência. O plano será executado e acompanhado pela Justiça;
Entenda a diferença entre recuperação judicial ordinária e especial:
Ordinária: Mais comum às médias e grandes empresas. O plano de recuperação é apresentado em 60 dias. Se os credores não o aprovarem em assembleia geral ou se a empresa recuperanda o descumprí-lo, o juiz decreta a falência. O administrador judicial recebe 5% do montante do valor da dívida.
Especial: Mais comum às micro e pequenas empresas. O plano de recuperação é apresentado em 60 dias. Nesta modalidade, não tem assembleia geral para aprovação e negociações no plano. Ou os credores aceitam ou a falência é decretada. A falência pode ser decretada se a empresa não cumprir o acordo. O administrador judicial recebe 2% do montante do valor da dívida.
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