De cada dez pessoas que procuram um Juizado Especial no Brasil, nove pretendem resolver um problema relacionado a consumo. A alta demanda tem abarrotado os juizados, que foram criados para tornar o atendimento de pequenas causas mais ágil. Para aliviar a pressão sobre o Judiciário e dar mais velocidade à solução de conflitos de consumo, tramita na Câmara dos Deputados, o projeto de lei nº 5.196, de autoria do Poder Executivo, que tem por objetivo fortalecer a autonomia dos 283 Procons espalhados pelo país.
Um dos principais focos do projeto é conseguir resolver o problema individualizado do consumidor. Hoje, o cliente prejudicado procura o Procon, mas nem sempre consegue ter a sua situação resolvida. Embora a taxa de resolutividade seja alta – 80%- , parte dos lesados ainda precisa recorrer à Justiça. Isso porque o Procon atua como um órgão intermediador. Ele entra em contato com a empresa, expõe a questão do consumidor e procura uma negociação. Mas o Procon não pode obrigar o fornecedor a fechar um acordo. Assim como não compete ao órgão fiscalizar o cumprimento do que foi firmado. “Se o consumidor não consegue resolver a demanda dele no Procon, o próprio órgão acaba encaminhando para o Judiciário”, explica Juliana Pereira, responsável pela Secretaria Nacional do Consumidor, órgão vinculado ao Ministério da Justiça.
Com a reclamação do consumidor, o Procon aplica uma multa administrativa para a empresa por desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor. “A empresa pode até ser multada por causa do problema do consumidor, mas se a questão dele não for resolvida, não serve para o cliente que procurou o Procon”, afirma Gisela Simona, presidente da Associação Nacional de Procons. “Muita gente diz que as pessoas vão para o Judiciário porque querem indenização. Isso não é verdade. O consumidor quer resolver o seu problema. Dados do nosso sistema mostram que dos 10 consumidores que procuraram os Procons brasileiros, nove tentaram resolver o problema com a empresa”, justifica a secretária Juliana Pereira.
Se aprovada a nova legislação, uma das mudanças mais substanciais será a possibilidade de o Procon aplicar medidas corretivas. A prática já foi adotada em outros países como o México e Polônia, por exemplo. Com isso, o órgão vai determinar sanções às empresas e elas terão que obedecer. Por exemplo, a advogada Josefa Irany Gonçalves de Oliveira, 58 anos, esteve no Procon na última sexta-feira por causa de uma oferta enganosa de um site de compras. A loja virtual fez uma oferta de um computador e, depois que ela comprou e já estava descontado no cartão de crédito, o site informou que errou na oferta e que estornaria o valor, o que não ocorreu.
Josefa levou os documentos ao Procon provando a situação, o órgão registrou e o próximo passo é tentar um acordo. Se a lei em debate estivesse vigente, o Procon poderia determinar que a empresa estornasse o dinheiro sob pena de multa diária. “O Procon é um órgão muito importante, mas ele precisa ser fortalecido para as empresas respeitarem mais o Código de Defesa do Consumidor. Isso vai contribuir também para desafogar a Justiça”, acredita a advogada. “Hoje o Procon não tem o que no mundo jurídico se chama obrigação de fazer, a nova lei vai dar este poder”, comenta Juliana Pereira.
Agilidade
Caso a empresa não cumpra a determinação do Procon e o cliente lesado precise recorrer ao Judiciário, o que foi acordado na instância administrativa vai valer como título executivo extrajudicial. “Significa que o consumidor não terá mais que discutir o mérito na Justiça. O Procon já mostrou que existiu um problema de consumo. Na Justiça, com uma única audiência, o juiz vai determinar que seja executado direto o que foi acordado no Procon, isso abrevia o processo”, explica Ricardo Morishita, professor de direito do consumidor da Fundação Getulio Vargas e ex-diretor do Departamento Nacional de Defesa do Consumidor.
Hoje, Judiciário e Procon trabalham de forma independente. Se um consumidor recorre à Justiça, ele precisa provar novamente o problema ocorrido com a empresa. “Quando não resolve no Procon, muitos consumidores desistem de seguir adiante contra o fornecedor, como ir para Justiça, por exemplo, e as empresas apostam nisso. Por isso, muitas vezes, não cumprem o acordado. É isso que queremos mudar”, defende Juliana Pereira. O projeto não descarta a possibilidade de defesa das empresas e o questionamento das decisões dos Procons, tanto na esfera administrativa, quanto judicial.
Embora a proposta do Executivo afete diretamente a iniciativa privada brasileira, apenas as associações e órgãos ligados ao direito do consumidor têm se pronunciado sobre o assunto. O Correio entrou em contato com as federações e sindicatos dos três setores com mais reclamações pelo Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec): as operadoras de planos de saúde, os bancos e as empresas de telefonia. Tanto a Federação Nacional de Saúde Suplementar, quanto a Federação Nacional do Bancos e o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia, responderam que não se pronunciariam por se tratar de um projeto de lei ainda não aprovado.
Enquanto isso, as entidades civis de proteção fazem coro para que a proposta passe logo pelo Legislativo. “Tudo aquilo que é feito em benefício do consumidor é positivo. O Procon é o órgão mais próximo da população. Se ele ficar mais forte, o cidadão também fica mais forte”, ressalta Rosana Grinberg, presidente do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor. Para ela, os itens mais importantes da proposta são as multas diárias e a negociação do Procon valer na Justiça. “Vamos agilizar os processos e tirar a sobrecarga do Judiciário. Além disso, as multas diárias vão assustar os maus fornecedores, que, só mudam quando mexe no bolso”.
Para a coordenadora institucional da Proteste Associação de Consumidores, Maria Inês Dolci, se aprovada, a nova legislação vai fazer muita diferença. “Da forma como está, a gente vê as empresas postergando o pagamento das multas, levando para o Judiciário, além disso, continuam sem resolver o problema do consumidor. Os Procons atuando de forma mais severa pode melhorar essa situação”. Para o diretor-geral do Procon do Distrito Federal, Tódi Moreno, a proposta vem em boa hora, mas traz mais responsabilidade. “Quando autuamos uma empresa, tomamos todos os cuidados e certificamos do problema. Com a possibilidade de medida corretiva, multa diária e título extrajudicial, isso será aumentado”.
Trâmite
A proposta foi apresentada pela presidente Dilma Rousseff em março deste ano. No segundo semestre, seguiu para a Câmara dos Deputados e, somente em 2014, deve ser apreciado pelo Senado. Até o fechamento desta edição, o projeto estava com o deputado Chico Lopes, do PCdoB do Ceará, que pediu vistas.
O que muda com o Projeto de Lei nº 5.196/2013
1) Medidas corretivas
O Procon terá poder para obrigar as empresas a cumprirem o acordo firmado com o consumidor. Em caso de descumprimento, será cobrada multa diária.
2) Multa diária:
Caso o Procon determine uma medida corretiva e a empresa não cumpra, o órgão vai aplicar uma multa diária. Por exemplo, o Procon pede para uma empresa substituir um produto e ela não o faz no prazo estipulado, assim, o fornecedor fica obrigado a pagar uma multa por dia até cumprir a determinação.
3) Título executivo extrajudicial:
O acordo intermediado pelo Procon entre o cliente e a empresa terá valor extrajudicial. Dessa forma, se o consumidor precisar recorrer à Justiça para que a empresa cumpra o acordo, já vai direto para a execução do documento assinado no Procon. O cliente não terá que provar, de novo, que teve problemas na relação de consumo.
>> Como funciona
1) Sem obrigação de fazer:
Quando o consumidor procura o Procon, o órgão intermedia um acordo entre o cliente e a empresa para a solução do conflito. Porém, o Procon não tem como punir a empresa que não cumpre o acordo. Além disso, o Procon não pode obrigar a empresa a fazer a negociação. Nas duas situações, o consumidor precisa procurar o Judiciário.
2) Multas:
O Procon pode multar e até fechar uma empresa se ela contrariar o Código de Defesa do Consumidor. Porém, ele não pode obrigar a empresa a pagar a multa. Muitas empresas protelam o pagamento dessa multa indo para a Justiça.
3) Medida administrativa:
Procon e Judiciário trabalham separados. As medidas administrativas aplicadas pelo Procon contra a empresa não valem para o Judiciário. Assim, se a empresa não cumprir o acordo feito no Procon, quando o consumidor for para o Judiciário terá que começar o processo do zero, provando o problema na relação de consumo.
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