A quantidade de reclamações registradas no Procon do Distrito Federal diminui de maneira sistemática nos últimos cinco anos. Em 2015, foram 87.386 atendimentos – 40% a menos do que em 2014. E o ano da Copa do Mundo já vinha de um decréscimo de 25% em relação ao ano anterior. Especialistas, consumidores e o próprio órgão apontam motivos diversos para a queda, mas não têm uma conclusão. De um lado, algumas associações de consumidores atribuem à crise econômica ou à melhor relação cliente e empresa; do outro, o Procon credita à mudança em procedimentos de triagem. Entre os consumidores, há relatos de que o órgão não tem conseguido responder as demandas à contento, o que pode ter afastado o seu público do órgão.
Além da queda expressiva de queixas, o que preocupa os especialistas é o fato de setores tradicionais em reclamações continuarem no topo. É o caso da telefonia, bancos e varejo. Praticamente todos figuram-se entre os 10 assuntos mais reclamados há mais de uma década. Embora a quantidade venha caindo, praticamente não existe rotatividade de segmentos, o que significa pouco avanço na qualidade. “O consumidor deixou de acreditar que pode ter um serviço melhor por causa desses setores resistentes, como telefonia e bancos. O consumidor acaba ficando desapontado e até fica desestimulado a procurar o Procon”, afirma Maria Inês Dolci, coordenadora da Proteste Associação de Consumidores.
Na análise de Amanda Flávio de Oliveira, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) ainda é precipitado concluir um motivo certo para a queda nos atendimentos no Procon-DF. Na comparação entre 2011 e 2015, a queda chega a 64%. Para ela, uma das explicações é a crise no consumo brasileiro. “As pessoas podem estar comprando menos e, dessa forma, tendo menos conflitos de consumo. Mas é preciso aguardar a evolução para ter uma conclusão”, afirma. Ela não descarta a hipótese de melhoria nos serviços e nos produtos oferecidos para o consumidor.
Maria Inês Dolci não atribui à crise econômica à queda dos atendimentos. Para ela, em períodos de crise, as tensões entre empresa e cliente costumam aumentar. “Nessas épocas o consumidor precisa estar bem informado porque são taxas que aparecem, juros altos… Condições ruins para o consumidor resguardadas pela questão da crise”, afirma. Maria Inês analisa como problemática a queda nos atendimentos. Para ela, pode ser um descrédito do consumidor de que os problemas entre ele e o fornecedor não serão resolvidos e é melhor “deixar pra lá” do que resolver a questão. “O consumidor acaba ficando desapontado, têm problemas, mas acaba não recorrendo aos Procons. Isso é preocupante”.
Na opinião de Paulo Márcio Sampaio, diretor-geral do Procon-DF, a queda nos atendimentos está relacionada à melhor triagem das demandas. Segundo ele, antes, o órgão catalogava todos os assuntos e muitos não estavam relacionados a consumo. “Essa queda reflete melhoria na qualidade do atendimento. É um bom sinal. Os Procons era tratados como pronto-socorro, com demandas de todas as naturezas e tudo era registrado. Até reclamação de qualidade do asfalto e de atraso no atendimento do Samu chegavam. Agora a gente não cataloga porque não é relação de consumo”, explica.
A marcação de atendimento no Procon é um dos fatores apontados pelos consumidores como desestímulo do uso do serviço do orgão. Neste ano, os postos do Procon passaram a fazer o atendimento agendado e a marcação pode demorar até 30 dias. Os consumidores que desejam um serviço mais ágil, devem se dirigir ao Procon central, localizado no Venâncio 2000. O motorista Valdemir Medeiros, 33 anos, é um exemplo. Ele comprou um carro no mês de dezembro e se arrependeu da compra, porém, a concessionária não aceitou o fim do contrato, mesmo não tendo entregado o veículo ainda. Morador de Samambaia, ele procurou um posto perto de casa para ser atendido e recebeu a informação de que teria que marcar uma data de retorno ou se dirigir até a unidade central. “Como estava com pressa de resolver a questão, fui no Venâncio”, contou. Paulo Márcio, do Procon, explica que o agendamento ocorre nos Postos do Na Hora que não são competência do Procon e que a marcação fica a critério do consumidor.
O desafio dos setores regulados
Os segmentos de telefonia, banco e varejo continuam na lista das 10 principais reclamações. Essa persistência conflituosa preocupa associações de consumidores como o Brasilcon e a Proteste, assim como o Procon-DF. Para Amanda Flávio, da Brasilcon, falta uma postura mais efetiva das agências reguladoras para melhorar o serviço. “As agências não têm como função proteger o consumidor, mas o mercado. Mas se o mercado está bem regulado, naturalmente, há um decréscimo de reclamação de consumidor. O que está faltando é profissionalização das agências e uma regulação mais bem feita”, defende. “Os serviços regulados são complexos e pouco transparentes. Isso gera o conflito, ainda mais em um contexto de órgãos reguladores fracos”, complementa Maria Inês.
Irene Almeida Mesquita sabe bem o que é ter problema com telefonia. Em 2013, ela optou por aumentar a velocidade da internet móvel. Após três dias da contratação do novo plano, a velocidade continuou a mesma e, com isso, ela resolveu cancelar o serviço. “Eles disseram que eu deveria pagar uma multa de R$324 por rompimento de contrato de fidelidade, que priorizava a permanência de, pelo menos, um ano”, contou. Para tentar resolver a questão, Irene abriu um processo no Procon.
A postura pouco efetiva das empresas em resolver velhos problemas também preocupa os especialistas. “O Serviço de Atendimento ao Consumidor aparece como a terceira reclamação. É uma evidência que as empresas não estão sabendo aproveitar esse canal de diálogo com o cliente”, explica Amanda Flávio. Para Maria Inês Dolci é inadimissível que questões como cobrança abusiva e dificuldade de troca de produto com defeito ainda sejam uma realidade no Brasil. “São problemas que se arrastam e com soluções que não vem a contento”.
A consumidora Gesllane Nunes Azevedo, 27 anos, sabe bem o que é dor de cabeço por falta de diálogo com a loja e fabricante. Ela comprou uma máquina de lavar em abril de 2014, no valor de R$ 2,9 mil, com a garantia estendida. Gesllane conta que bastou apenas uma semana em funcionamento para a máquina pifar. “Mesmo tendo pago a garantia estendida os vendedores afirmaram que esse problema não era mais da loja, e sim da assistência”, contou. Gesllane relatou que após entrar em contato com assistência técnica, o produto foi recolhido e devolvido ainda apresentando falhas inúmeras vezes. E que tentou entrar em contato até com o próprio fabricante, mas nada foi resolvido.
Segundo Paulo Márcio, para tentar melhorar a situação desses serviços, o Procon intensificou a fiscalização e procurou os fornecedores oferecendo palestras sobre o Código de Defesa do Consumidor. Em 2015, as multas aplicadas geraram R$ 4 milhões.
Balanço Procon-DF:
Quantidade de atendimentos:
2012 197.873
2013 192.212
2014 145.638
2015 87.386
Áreas mais reclamadas:
1º Produtos 21.411
2º Serviços privados 19.936
3º Assuntos financeiros 16.032
4º Serviços essenciais 15.173
5º Saúde 2.648
6º Habitação 1.050
7º Alimentos 519
Segmentos mais reclamados:
1º Telefonia celular 9.332
2º TV Por assinatura 8.788
3º Cartão de crédito 4.379
4º Telefonia fixa 3.847
5º Telefone 3.840
6º Banco comercial 3.495
7º Outros contratos 2.068
8º Financeira 1.782
9º Estabelecimento comercial (supermercado, loja, padaria, locadora, frutaria, etc.) 1.621
10º Escola ( Pré, 1º, 2º grau e superior ) 1.588
Principais reclamações:
1º Cobrança indevida/abusiva 18.681
2º Produto com vício 6.194
3º SAC – Resolução de demandas (ausência de resposta, excesso de prazo, não suspensão imediata da cobrança) 4.716
4º Não entrega/demora na entrega do produto 3.178
5º Serviço não fornecido (entrega/instalação/não cumprimento da oferta/contrato) 2.650
6º Contrato – Rescisão/alteração unilateral 2.554
7º Dúvida sobre cobrança/valor/reajuste/contrato/orçamento. 2.272
8º Garantia (abrangência, cobertura, etc.) 2.212
Defeito/risco à saúde e segurança 2.203
Contrato (não cumprimento, alteração, transferencia, irregularidade, rescisão, etc.) 2.114
*Dados de 2015 até 17/12