Quando uma empresa detecta alguma falha em uma peça ou em um produto colocado no mercado, ela deve convocar os consumidores que compraram o bem para fazer a reparação imediata. Principalmente se o defeito colocar em risco a segurança e a saúde do cliente. A obrigação está descrita no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o fornecedor que não cumpre a regra está passível de multa de até R$ 6 milhões. O que tem acontecido é que as empresas chamam para o recall, porém, quando o consumidor chega às autorizadas, não encontra a peça para repor, ou então, o serviço demora e o bem fica retido até o conserto. Esse tipo de situação é mais comum com montadoras de veículos automotores, responsáveis por 80% dos recalls brasileiros.
O geógrafo Wilson Martins de Carvalho Júnior, 35 anos, conhece de perto a dor de cabeça de ter o veículo convocado para recall e de não conseguir realizar o reparo por falta de peças. Ele conta que estava folheando uma revista especializada em motos quando viu a convocação dos proprietários da Yamaha XVS 950cc Midnight Star para a substituição do cubo traseiro. O campanha de serviço foi divulgada no dia 20 de julho deste ano. No início de agosto, Wilson procurou a primeira concessionária para fazer o reparo. Foi a primeira negativa. A loja alegou que ainda não tinha recebido a peça para a substituição. A previsão era a de que o cubo chegaria no início de setembro.
Wilson esperou a data anunciada pela autorizada e retornou. Foi a segunda negativa. O geógrafo tentou, então, outras concessionárias do Distrito Federal e todas responderam que não tinham a peça do recall e, portanto, a substituição não poderia ser realizada. “Se passaram quatro meses desde que a Yamaha convocou para o recall e nada foi resolvido. Continuo andando com a moto, mas fico inseguro. No comunicado, a empresa diz que a roda pode travar. Imagina se eu estou na moto e essa moto para?”, questiona Wilson.
Após as negativas das concessionárias locais, Wilson procurou o Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) e a Ouvidoria da empresa e recebeu duas respostas semelhantes: a reclamação estava processada e, assim que a peça chegasse à concessionária ele seria comunicado. “Eu ligo nas concessionárias toda semana, fico parecendo o chato. Mas no comunicado a empresa anuncia que se o consumidor continuar rodando, os danos podem se agravar. Fico preocupado porque eu preciso da moto”, reclama.
Via nota, a Yamaha lamenta o ocorrido e pede para que consumidor contate a concessionária para “reagendar o serviço anunciado no comunicado”.
Falso recall
Segundo as associações de defesa, os consumidores precisam ficar atentos para não serem vítimas de falsos recall. Algumas empresas chamam o recall, porém, não fornecem as peças ou atrasam a substituição. “Temos aí uma situação em que a empresa chama pro recall, não o faz de verdade, mas, com o chamamento público, ela pode se defender de problemas futuros alegando que o consumidor não compareceu”, explica Daniel Mendes Santana, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Caso o consumidor perceba que o recall não está ocorrendo conforme o previsto no comunicado da empresa, ele deve denunciar a prática para o Procon local. Diante da denúncia, o órgão pode fiscalizar a prática da empresa e até multá-la, caso precise. “Quando uma empresa faz o chamamento de recall, ela tem que ter a peça em quantidade suficiente e chegando em todo o lugar do Brasil. Por mais que o CDC determine reparação imediata, muitas decisões judiciais têm entendido que a empresa pode se preparar e fazer estoque antes de chamar o consumidor, desde que não ofereça riscos ao consumidor”, explica Márcio Marccuti, diretor de fiscalização do Procon de São Paulo.
No entendimento da Associação de Consumidores Proteste, após a convocação do recall, a empresa deve ter 30 dias para trocar o produto ou a peça defeituosa. “Em caso de falha na prestação do serviço, que é o que ocorre quando uma empresa não faz o recall corretamente, o fornecedor tem um mês para resolver o problema, isso porque ele está colocando em risco a vida e a coletividade”, defende Tatiana Viola de Queiroz, advogada da Proteste.
Se a empresa não conseguir cumprir o recall, o consumidor prejudicado pode pedir indenização. “O artigo 12 do CDC determina que o fornecedor responda pelos defeitos e reparação do produto colocado no mercado. Por exemplo, se a campanha for de veículos automotores, o consumidor pode pedir outro veículo ou um táxi. Ele só não pode ficar no prejuízo”, alerta Daniel, do Idec.
Passo a passo para o recall
1. A empresa descobre alguma falha no produto que já está no mercado.2. Assim que o problema for constatado, a empresa deve comunicar os órgãos de proteção ao consumidor, como a Secretaria Nacional do Consumidor, vinculada ao Ministério da Justiça e os Procons locais. 3. Pelo Código de Defesa do Consumidor, a empresa é obrigada a chamar o recall para reparar o dano ou trocar a peça defeituosa.4. Se a empresa não tiver a peça defeituosa ou demorar para agendar o serviço, o consumidor deve denunciar aos órgãos de defesa do consumidor. 5. Se provado que a omissão da empresa em relação ao recall, o Procon pode multá-la em até R$ 6 milhões.
O que é recall
A palavra recall, de origem inglesa, é utilizada no Brasil para indicar o procedimento, previsto em lei, de chamar de volta os consumidores em razão de defeitos verificados em produtos ou serviços colocados no mercado, evitando, assim, a ocorrência de acidentes de consumo. O chamamento (recall), ou Aviso de Risco, tem por objetivo proteger e preservar a vida, saúde, integridade e segurança do consumidor, bem como evitar prejuízos materiais e morais.
O que diz a lei
O recall está previsto no artigo 10 do Código de Defesa do Consumidor. A lei determina que a empresa “não poderá colocar no mercado produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde e segurança”. Caso a empresa coloque um produto no mercado e depois perceba que ele pode colocar a saúde do consumidor em risco, ela deve comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores por meio de anúncios publicitários. Esses anúncios devem ser veiculados na imprensa, rádio e televisão. União, estados, municípios e o Distrito Federal deverão também informar os consumidores sobre o recall. Em agosto de 2011, o Ministério da Justiça divulgou uma portaria determinando quais as informações a empresa deveria colocar no chamamento de recall, como a descrição do defeito detectado e dos riscos e a quantidade de produtos e serviços sujeitos ao defeito, assim como a quantidade de consumidores que será atingido pelo chamamento.
Para saber mais
Desde março de 2011 está em vigor uma portaria do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) que obriga as montadoras a enviar relatórios com a quantidade de atendimentos realizados. A informação recebida é processada pelo Denatran e incluída no sistema do Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam). Se passar um ano do início da campanha de recall e o proprietário do veículo não fizer a troca da peça, a informação de que o recall não foi feito naquele carro ficará registrada no Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo. O documento é substituído a cada ano, após o pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Dessa forma, um futuro comprador do carro usado saberá que o automóvel que está adquirindo passou por recall e se ele foi feito ou não pelo antigo proprietário. Caso o veículo seja posteriormente levado para reparo, a informação sobre o recall será atualizada na documentação. Lembrando que o consumidor deve receber um documento que comprove o comparecimento ao recall, com detalhes do conserto e dados do atendimento.
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