Contratar o serviço de certas empresas no Brasil pode ser comparado a um casamento mal-sucedido. No começo são várias promessas e prevalece a boa relação. Porém, se há algum problema, deixar o relacionamento torna-se uma tarefa árdua, assim como um divórcio litigioso. Quando o consumidor anuncia que pretende cancelar o serviço, as empresas tendem a criar mecanismos para prendê-lo. Um dos mais conhecidos é a dificuldade de chegar até a pessoa responsável pelo cancelamento, são tantos atendentes e músicas de espera que fica difícil não perder a paciência. Depois, são vários questionamentos do motivo da desistência. Por fim, a estratégia é oferecer um serviço melhor do que o anterior ou preços promocionais.
Se o cliente resiste às investidas da empresa e mesmo assim resolve romper o contrato, isso não significa que seja o fim do relacionamento. O consumidor pode ter que lidar ainda com faturas indesejadas, taxas e multas adicionais, nem sempre legais. Foi o que ocorreu com o vigilante Renato Marques Pereira Viana, 39 anos, ele tinha um contrato de televisão por assinatura com a SKY. Cliente desde 2007, tentou romper o contrato com a operadora várias vezes, mas acabou desistindo por causa da burocracia. Em setembro do ano passado, Renato resolveu cancelar o serviço de vez. “Me passaram para vários atendentes, me fizeram propostas como das outras vezes, mas eu estava disposto a cancelar”, contou.
No dia seguinte, a operadora buscou os equipamentos e parecia que a relação entre Renato e a SKY estava finalmente terminada. Entretanto, um mês depois, uma fatura da SKY apareceu na caixa postal da caixa de Renato. Eram cobranças diversas, de taxas a canais extras. “Fiquei indignado. Por que eles estavam cobrando por um serviço que eu não tinha mais nem o aparelho? Liguei na empresa para reclamar e nada deles retirarem a fatura errada”, afirma. Após dias tentando, Renato entrou em contato com a Coluna Grita do Consumidor e só então conseguiu resolver o problema. Ao Blog do Consumidor, a SKY informou que pediu desculpas ao cliente e que providenciou o cancelamento da assinatura, sem débitos pendentes.
O segmento de telecomunicações é um dos mais difíceis de conseguir o rompimento de contrato, por isso, lidera a lista do Procon do Distrito Federal de reclamações envolvendo cancelamento e cobranças indevidas, em 2013, foram 11.792 queixas (veja inforgráfico). “O regulamento da telefonia proíbe a retenção de clientes. Inclusive, determina que a portabilidade seja feita em 24h. Mas a gente sabe que, na prática, as operadoras dificultam, colocam vários atendentes, não dão número de protocolo e a ligação cai no meio do atendimento”, comenta Marta Aur, assessora técnica do Procon de São Paulo.
Para tentar resolver essa situação, no fim do ano passado, o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Rezende, informou que o cancelamento para serviços de telefonia, como TV por assinatura, celular pós pago e telefonia fixa, será feito automaticamente, sem ter que passar por um atendente, apenas digitando teclas no telefone. O rompimento também poderá ser feito pela internet. A expectativa era de que as novas regras começassem a valer este ano. Mas, por enquanto, o processo está na agência para análise do Conselho Diretor.
Informação
A telefonia não é o único setor cuja desistência é sinônimo de dor de cabeça para o consumidor. Integram esta lista bancos, operadoras de planos de saúde, seguros e serviços turísticos. A dificuldade de comunicação é apontada pelos consumidores como um dos principais entraves. O dentista Jonas Cruz de Lima, 50 anos, por exemplo, cancelou uma linha da Oi Telefonia Fixa no Rio de Janeiro e se mudou para o Distrito Federal. No mês seguinte, o valor da conta cancelada foi debitado automaticamente. “Tentei contato com a operadora e não conseguia porque ela não tinha atendimento nacional. Como eu estava no DF ninguém podia resolver o meu problema. Foi complicado. Um desrespeito”, comenta o dentista. A Oi informou que a linha já foi cancelada.
“Pela lei brasileira, a comunicação entre o cliente e a empresa deve estar em primeiro lugar. No caso dos setores regulados, como telefonia, banco e aviação civil, ainda tem o decreto do Serviço de Atendimento ao Consumidor que deveria facilitar o acesso do consumidor ao fornecedor e em caso de cancelamento, deveria ser processado na hora”, explica Veridiana Alimonti, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Para as associações e órgãos de defesa, o cumprimento do direito à informação das empresas para com o consumidor é essencial para evitar problemas futuros. “É muito importante ler o contrato e ver quais são as cláusulas de rescisão, se tem multa, como ela é calculada”, explica Rosana Grinberg, presidente do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor. Nos contratos de adesão, em que o consumidor não pode mudar as cláusulas contratuais, a especialista recomenda que o consumidor guarde o contrato para se defender de futuros abusos, como cobrança de multa indevidas e taxas ilegais. “Se os itens do documento forem abusivos, o cliente tem razão, ele é a parte frágil da relação de consumo, pode procurar os órgãos de defesa”, informa Rosana. É importante lembrar que além da multa, pode ficar uma cobrança residual. O que o consumidor não pode é pegar pelo serviço depois que ele cancelou.
A cobrança de multas é legal, desde que o consumidor esteja avisado e que conste em contrato. No entendimento das associações de defesa, as multas não podem ultrapassar a 10% do valor do contrato. O que não ocorre no mercado, é possível encontrar valores acima de 50%. “O Idec entende que a multa compensatória não pode ser superior a 10% porque se não tem vantagem excessiva do fornecedor frente ao consumidor”, justifica Veridiana, advogada do Idec. Marta Aur, do Procon de São Paulo, lembra que a regra da multa não vale para segmentos como pacotes de turismo, aviação e cursos. “Nesses setores, o fornecedor pode ter prejuízo porque tem uma data, por isso ele pode cobrar uma multa maior, tem que ver caso por caso”.
As associações de defesa argumentam ainda que se o consumidor cancelar o serviço por má prestação dele, ele fica isento de pagar a multa, mesmo se houver fidelização. “Lembrando que a fidelização na telefonia só é válida se o consumidor ganhar algum benefício, seja um aparelho celular, um abatimento na conta”, informa Veridiana do Idec.
O QUE DIZ A LEI
O direito de cancelar um serviço está previsto no artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor. Mas várias empresas, em especial as de telecomunicações – telefonia, internet e TV por assinatura – dificultam a vida do cliente quando ele pede o desligamento do serviço. O cancelamento do contrato é opção do consumidor e deve ser respeitado, não dificultado. O decreto do Serviço de Atendimento ao Consumidor 6523/2008 também assegurou que o pedido de cancelamento do consumidor via telefone ou internet deve ser processado na hora e a partir da solicitação, as cobranças devem ser suspensas. O decreto vale para 11 segmentos: telefonia fixa, móvel, TV por assinatura, bancos, financeiras, planos de saúde, seguradoras, transporte terrestre, aéreo, cartão de crédito e eletricidade.
CANCELAMENTO
Saiba como agir na hora de cancelar um serviço. Muitas empresas dificultam o rompimento do contrato e cobram valores abusivos
31.116Quantidade de consumidores que reclamaram em 2013 contra cancelamentos e cobranças indevidas
Segmentos mais difíceis de cancelar
– Telecomunicações – banda larga, celular, telefone fixo- Seguros de carros e da casa- Planos de saúde- Viagem – pacotes e passagens aéreas- Instituições financeiras
Entraves para o cancelamento
– Insistência dos atendentes para não cancelar o serviço- Oferecimento de outros serviços e promoções- O consumidor tem que passar por vários atendentes até chegar ao certo para cancelar- Os valores das multas- Taxas e residuais- Surgimento de cobranças indevidas
Como agir
– Antes de contratar o serviço, verifique no contrato quais são as condições de cancelamento- Se o consumidor cancelar porque o serviço oferecido é ruim, ele não precisa pagar valores referentes a multas e rescisões. Para provar a má qualidade do serviço, o consumidor precisa recolher provas. Por exemplo, no caso de banda larga, ele pode anexar os relatórios de medição da internet provando que o mínimo exigido pela Anatel não foi cumprido. – As multas devem ser razoáveis. No entendimento das associações de consumidores, o valor não deve ultrapassar a 10% do valor do serviço. – As empresas podem exigir cobrança residual, mas não podem cobrar valores referentes a depois do cancelamento – Fique de olho em taxas abusivas, elas não precisam ser pagas.- No caso de seguro e plano de saúde, a recomendação das associações de consumidores é que o cliente faça o cancelamento por escrito. Os procedimentos são importantes para que o consumidor possua uma prova de que o cancelamento foi solicitado. – Se vier cobrança indevida, o consumidor deve procurar a empresa e, se ela não resolver, o cliente pode procurar o Procon.
Segmentos campeões de reclamações em cancelamentos e cobranças indevidas em 2013
1º Telefonia: 11.7922° Assuntos Financeiros: 9.625 (nesse item entra banco e seguros) 3° Serviços Privados: 7.562 (nesse item entra plano de saúde e agências de viagem)4° Serviços Essenciais: 798 (nesse item entra água, luz, transporte público)5° Produtos: 741
*Fonte dos números: Procon-DF
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