Leis no papel, consumidor na mão

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Bom dia pessoal,

Segue a matéria publicada hoje na edição impressa do Correio Braziliense sobre as leis de proteção ao consumidor que existem, mas não funcionam.

Experimente contar no relógio quanto tempo você demorou para ser atendido em um banco. Depois analise quantas vezes você comprou um produto condicionado a outro. Por fim, ligue no telefone do Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) e tente solucionar o seu problema. Certamente você não será atendido em 20 minutos no banco, terá feito uma compra casada e o SAC não resolveu a sua pendência. Para todas essas situações há leis específicas de proteção que, em muitos casos, não são cumpridas pelas empresas. Dessa forma, as regras acabam ficando no papel e o consumidor na mão.

O Correio listou oito regras, entre leis e resoluções, que não pegaram no Brasil. Quatro delas são resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A portabilidade dos planos de saúde sem carência é um exemplo. Apesar de a agência permitir ao usuário a troca de operadora, consumidores têm encontrado dificuldades para sair do plano atual e entrar em outro novo sem cumprir os prazos de carência de atendimento.

Outro exemplo é o agendamento de consultas. Por mais que a ANS já tenha suspendido a venda dos planos de saúde das operadoras que não cumprem os prazos de três a 21 dias para marcação de consultas, as empresas continuam não conseguindo cumprir a exigência legal. A venda de medicamento fracionado, onde o consumidor compraria apenas a quantidade de remédio receitado pelo médico  também nunca ocorreu. A medida previa o fim do desperdício e da supermedicação.

A lei da filas nos bancos também é constantemente desrespeitada. Ela é uma autorregulação da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) que define o tempo máximo que um cliente pode ficar em uma fila. Porém, os 20 minutos em dias normais e 30 para dias de pico – como véspera de feriado e os dez primeiros dias do mês –  não são cumpridos e nada ocorre.

Outras regras desrespeitadas com frequência pelas empresas são do próprio CDC, mesmo após 22 anos de vigência da lei.  É o caso  do direito de arrependimento para compras realizadas pela internet. Muitas empresas ignoram o prazo de sete dias que o consumidor tem para desistir da compra e devolver a mercadoria, mesmo que ela não tenha nenhum defeito. Algumas chegam a fixar em 48 horas o prazo para devolução, o que é ilegal.

A venda casada é outro problema comum, apesar de proibida pelo CDC, empresas, principalmente de eletroeletrônicos e de telefonia continuam fazendo. Foi o que ocorreu com a bancária Suely Rosa de Jesus. Ela comprou uma geladeira, um fogão e uma máquina de lavar. Na ocasião, o vendedor ofereceu a garantia estendida, o que ela negou. Depois, Suely negociou um desconto pelo pagamento à vista. Quando olhou a nota fiscal, percebeu que o vendedor tinha cobrado o valor sem o desconto e que a garantia estendida estava paga. “Me senti enganada. Quando fui reclamar ainda fui mal tratada, principalmente porque sou mulher. Eu tenho os meus direitos e ainda tive que brigar para garantí-los”, reclama.

Já Cleoman Porto, 58 anos, passou pelo dilema da cobrança indevida e da ineficiência do SAC das empresas. Há quatro meses ele se sente com as mãos atadas porque a empresa de TV por assinatura está cobrando na conta o serviço de um gravador digital e um ponto adicional de TV que nunca foram pedidos ou instalados. O que configura cobrança indevida, que é proibido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), mas muitas empresas continuam fazendo. Apesar de saber que é ilegal pagar por um serviço que não está sendo prestado, o professor continua quitando a fatura temendo que seu nome seja negativado.

Ao tentar resolver o problema pelo SAC, Cleoman não obteve resolução e ainda foi maltratado pelo atendente. “Ele me disse que o meu caso era mais um de milhões para serem resolvidos”. Sem resolver o problema do consumidor e não atendendo com cordialidade a solicitação, a empresa desrespeita o decreto nº 6523/2008 conhecido como a Lei do SAC. Cleoman ainda solicitou o contrato e as gravações, porém, nunca recebeu. “É difícil saber que existe a lei, mas que ninguém respeita. Aí você precisa entrar na Justiça para ver os seus direitos serem garantidos, o que é muito demorado. Toda essa situação desilude o consumidor de brigar por seus direitos”, lamenta Cleoman.

              

Falta fiscalização

Um dos principais desafios das associações de consumidores do Brasil é conseguir que as leis de proteção saiam do papel e façam parte do dia a dia dos consumidores. Para isso, Rosana Grinberg, presidente do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor, defende fiscalização mais intensa de órgãos como os Procons municipais e estaduais e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). Segundo ela, as reincindências de erros das empresas deveriam ser mais severas, para evitar que elas se acomodem em sempre desrespeitar a lei.

Rosana explica que a demora nos processos de punição das empresas infratoras tanto na Justiça quanto nas instâncias administrativas, como o Procon, por exemplo, leva à descrença do consumidor de que a lei funciona. Por isso, ele acaba não reclamando e a lei fica como uma letra morta. “Me sinto impotente. Dirijo uma entidade de defesa do consumidor e como eu não tenho poder fiscalizatório, punitivo, nada funciona. A saída é denunciar na Justiça quem está descumprindo. Mas a verdade é que o caminho da Justiça é doloroso, demorado e nem sempre é eficaz”, analisa.

Para o professor da Fundação Getúlio Vargas e ex-diretor do Departamento Nacional de Defesa do Consumidor, Ricardo Morishita, as leis de proteção são recentes e precisam de tempo para serem absorvidas pela sociedade. “É um processo natural de adaptação. A nossa democracia é muito recente, a defesa do consumidor só tem 20 anos. Os Procons e a Senacon tem feito o trabalho deles”. Para Morishita, com o tempo, o próprio consumidor vai excluindo as empresas que desrespeitam as leis e, por isso, as que ficarem, terão que se adaptar e fornecer melhor serviço e cumprir a lei.


Leis no papel, consumidor na mão:

>> Cobrança indevida // Artigo 42 Código de Defesa do Consumidor

Empresas brasileiras apresentam dificuldade em assumir que fizeram uma cobrança indevida. Quando assumem, não pagam em dobro com juros e correção monetária, conforme orienta o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor.  Telefonia e cartão de crédito são os segmentos mais problemáticos.

>> Desistência da compra on-line // Artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor

Muitos sites não orientam o seu cliente que ele tem direito de arrependimento e pode desistir da compra até sete dias depois do recebimento da mercadoria. Algumas lojas virtuais chegam a colocar em sua política de compra que o consumidor tem apenas 48 horas para devolução. O que desrespeita o Código de Defesa do Consumidor.

>> Dificuldade de cancelar um serviço // Artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor

Várias empresas, em especial as de telecomunicações – telefonia, internet e TV por assinatura – dificultam a vida do cliente quando ele pede o desligamento do serviço. O cancelamento do contrato é opção do consumidor e deve ser respeitado, não dificultado.

>> Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) // Decreto nº 6.523/2008

Encontrar uma empresa que consiga resolver um problema pelo SAC é raro. Isso é reflexo da dificuldade que as empresas têm de cumprir todas as determinações do decreto nº 6.523/2008, que obriga 11 segmentos a oferecer o serviço. As companhias não conseguem atender todos os clientes em um minuto, os atendentes não têm habilidades técnicas para resolver a maioria dos problemas e a ligação cai. Além disso, as companhias não colocam já no menu eletrônico inicial as opções de contato com o atendente, reclamação e cancelamento. O SAC tem que ser gratuito, algumas empresas cobram preço de ligação local.

>> Portabilidade do plano de saúde // Resolução normativa ANS nº 186/2009

Mudar de plano de saúde sem carência não é uma tarefa fácil no Brasil. E nem com uma resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar a situação melhorou. As operadoras dificultam ao máximo a saída dos clientes e as que os aceitam, resistem em eliminar o período de carência para a maioria dos procedimentos.

>> Agendamento de consultas // Resolução normativa ANS  nº 259/2011

A ANS estabelece de 3 a 21 dias para que as operadoras de planos de saúde agendem as consultas médicas. Porém, mesmo com a resolução e com a suspensão das vendas aplicada pela ANS, as operadoras não conseguem respeitar os prazos legais.

>> Medicamento fracionado // Resolução ANS nº 80/2006

A resolução libera que o farmacêutico venda apenas a quantidade prevista na receita médica, o que diminuiria o desperdício e evitaria a automedicação. Porém, as farmácias brasileiras não aderiram à resolução.

>> Tempo de espera na fila //  Federação Brasileira de Bancos e leis municipais e estaduais

De acordo com a Febraban, o tempo de 20 minutos para espera em fila de banco ou 30 em dias especiais – como véspera de feriado, os 10 primeiros e o último dia do mês – é um desafio das instituições bancárias brasileiras.

Flávia Maia

Publica por
Flávia Maia

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