Indústria de alimentos deve adequar os rótulos para alérgicos a partir de julho

Publicado em Consumidor, Sem categoria

Por Thiago Soares

Crédito: Jhonatan Vieira/Esp.CB/D.A. Press
Crédito: Jhonatan Vieira/Esp.CB/D.A. Press

A falta de informações sobre as substâncias contidas em alimentos industrializados pode ter consequências sérias. Por isso, consumidores lutam para que o prazo estabelecido para empresas informarem de forma clara a presença de produtos que causam alergias não seja estendido. A regra entra em vigor em julho e define que ingredientes de alergênicos, como soja, leite e nozes, estejam especificas nos rótulos, de acordo com a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), aprovada em junho do ano passado. Mesmo com os 12 meses recebidos para adaptações, o setor industrial pressiona por uma nova data. Preocupadas, as principais associações de consumidores do país enviaram ofício pedindo à Anvisa que não prorrogue o prazo. Questionada, a agência garante que não há proposição tramitando para dar suporte a essa prorrogação.

Dados da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia revelam que a prevalência das alergias alimentares afeta entre 6 e 8% das crianças e cerca de 2% da população adulta. A Resolução de Diretoria Colegiada (RDC 26/2015) estabelece que os rótulos deverão informar a existência de trigo (centeio, cevada, aveia e suas estirpes hibridizadas); crustáceos; ovos; peixes; amendoim; soja; leite de todos os mamíferos; amêndoa; avelã; castanha de caju; castanha do Pará; macadâmia; nozes; pecã; pistaches; pinoli; castanhas, além de látex natural. Segundo estudos internacionais, 90% das alergias são provenientes dessas oito substâncias. No rótulo, as informações devem estar da seguinte forma: em letras maiúsculas e em negrito, em uma cor que contraste com a do fundo.

A empresária Tatiana Araújo, 28 anos, espera que o prazo seja atendido pelas empresas. Além dela, os dois filhos, Alexandre e Samuel, 3 e 1 ano, respectivamente, possuem alergia à proteína do leite de vaca. O mais velho também sofre com rejeição à soja e a corantes. Nos casos de alguns produtos que ainda não têm a identificação, a mãe precisa ligar nos Sistema de Atendimento ao Consumidor (SAC) das indústrias para saber os elementos presentes, porém nem sempre a informação é confiável. “Uma vez, eu liguei para a empresa e disseram que o produto não apresentava a substâncias. Só que, depois, mudaram a linha de produção e passaram a usar o óleo de soja. Comprei sem saber e o meu filho passou mal. Se os dados estivessem na embalagem, isso não aconteceria”, conta. “O desencontro de informações do SAC é constante. Não são todos que funcionam. Para quem vai no supermercado em um domingo, por exemplo, fica impossível”, acrescenta.

Há 16 anos

 

Crédito: Arquivo Pessoal
Crédito: Arquivo Pessoal

As discussões sobre a obrigatoriedade de informar o conteúdo das substâncias vêm desde 2000. O assunto ganhou destaque em fevereiro de 2014, quando alérgicos de todo o Brasil mobilizaram as redes sociais com a campanha #poenorotulo. A mobilização ganhou o apoio de famosos, como Matheus Solano, e a fanpage da campanha hoje tem mais de 117 mil curtidas. A advogada e coordenadora do movimento, Cecília Cury, acredita que a data estimada foi necessário para as empresas se adaptarem. “As grandes indústrias estão pedindo um prazo maior para fazerem o que já fazem em outros países. A luta não é de agora é de muito tempo. Foram realizadas consultas, audiências, e o prazo foi suficiente para mapear a cadeia dos produtos. Estamos falando do direito que o consumidor tem de saber o que consome e também de saúde pública”, argumenta.

“A ideia é que as pessoas consigam ir ao mercado e escolher o produto somente olhando o rótulo, sem precisa ligar para o SAC que não funciona 24 horas”, detalha Cecília. Na sexta-feira, os representantes da #poenorotulo estiveram reunidos com técnicos da Anvisa, para solicitar que o prazo não seja estendido. A coordenadora do movimento ressaltou também que os rótulos devem conter informações sobre contaminação cruzada. O processo advém da transferência de traços ou partículas do alérgeno de um alimento para outro, diretamente ou indiretamente. Ela pode ocorrer na área de manipulação de alimentos, mas também durante o plantio, colheita, armazenamento, beneficiamento, industrialização e no transporte desse produto. “Tudo isso deve estar claro no rótulo”, completa.

Garantia

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) enviou uma carta à Anvisa cobrando a manutenção do prazo para a adequação dos fabricantes. A nutricionista e pesquisadora da instituição, Ana Paula Bortoletto, ressalta que a data estipulada é suficiente, uma vez que algumas empresas já circulam produtos no mercado com o informe de substâncias alergênicas. “Estender o prazo de adequação significaria aumentar sensivelmente o risco de reações de consumidores alérgicos, que poderiam se confundir na comparação entre os rótulos com e sem a informação correta”, alerta.
A coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Maria Inês Dolci, ressaltou que a informação na embalagem é fundamental para evitar danos à saúde. Segundo ela, a garantia de acesso a alimentos seguros é o principal obstáculo encontrado por quem tem alergia alimentar. “É um risco grande a rotulagem deixar de informar sobre as substâncias. Hoje, as pessoas chegam ao pronto-socorro sem saber o casou a alergia. Ingerir algo que causa alergia pode gerar consequências danosas”, argumenta.

Em fase de adequação

A Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) respondeu que, para se adequarem à norma, as empresas têm implementado o esforço a fim de mapear a cadeia produtiva do alimento, desde os fornecedores de insumos até o produtor final. O objetivo é identificar a presença, intencional ou incidental, das fontes alergênicas citadas na lei. “Com a segurança dessas informações, os alimentos podem ser rotulados de acordo com o que prevê a norma. No entanto, o prazo (…) para o envio das informações é exatamente o mesmo para todos os agentes da cadeia, ou seja, tanto o fornecedor de matérias-primas quanto a indústria têm a mesma data final de adequação. Assim, se os fornecedores só informarem sobre os componentes alergênicos no último dia do prazo, a indústria não conseguirá mudar o rótulo em tempo hábil. Ainda assim, grande parte das empresas associadas à Abia já está cumprindo a norma”, justificou, em nota.

Segundo dados da Abia, cerca de 65% do portfólio das empresas associadas já estão adequadas à resolução. A Anvisa garante que não há propostas de prorrogação do prazo para adequação da rotulagem. Por meio de nota enviada pela assessoria de imprensa, a órgão respondeu que vem recebendo pedidos de representantes de diferentes segmentos da sociedade relativos à alteração da data. Porém, o órgão informou que ainda avalia as solicitações.