Pessoal, como de costume, estou postando a matéria publicada hoje na Seção de Direito do Consumidor na edição impressa do Correio Braziliense. Boa leitura!
Pegar dinheiro emprestado via crédito consignado virou mania entre os trabalhadores e aposentados brasileiros. Comparando o saldo disponibilizado nos últimos quatro anos, a modalidade cresceu 74,85% entre os servidores públicos e 113,8% entre os trabalhadores da iniciativa privada, de acordo com os dados do Banco Central. Os juros mais baixos do que os praticados no cheque especial, a possibilidade de pegar dinheiro emprestado mesmo com o nome sujo e o desconto das parcelas direto da folha de pagamento – o que dá a falsa sensação de que o consumidor não está pagando a dívida – contribuiu para a popularização do consignado.
Com mais pessoas tendo acesso a esta modalidade de crédito, cresce a quantidade de problemas e, consequentemente, a preocupação das associações de consumidores. A Proteste, por exemplo, recebeu reclamações de 14 estados diferentes sobre a dificuldade de clientes em pedirem liquidação antecipada da dívida, direito garantido pelo Código de Defesa do Consumidor. “Os bancos estão dificultando a vida dos consumidores, não fornecem informações, dificultam a negociação. Diante dessa situação, a Proteste enviou na semana passada um relatório para que o Ministério Público nos ajude”, afirmou Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste.
Para o professor de direito do consumidor da Universidade Católica de Brasília Emerson Mazullo, para evitar ciladas, o cliente deve ter o máximo de informações possíveis sobre o contrato assinado. Entre os itens importantes a serem checados no ato da contratação estão quais as taxas envolvidas na transação, qual o custo final a ser pago e os impostos. “É importante ficar atento se existe alguma cláusula de capitalização de juros, isto é, o direito da instituição financeira cobrar mais juros do que os praticados”.
Desde 2004, o crédito consignado passou a ser oferecido para aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Com o desconto direto na folha de pagamento, as instituições financeiras abaixaram os juros pela certeza do recebimento. E a modalidade, não só pegou, como expandiu-se. Atualmente, segundo norma do Banco Central, qualquer banco pode oferecer o consignado, independente da conta salário do funcionário estar ou não naquela instituição.
Para evitar abusos, o Ministério da Previdência elaborou instrução normativa sobre o assunto, limitando, por exemplo,o quanto o beneficiário pode comprometer do salário (veja infográfico). O consignado cresceu também entre os servidores públicos, que têm acesso a empréstimos desse tipo por causa de sua condição legal de estatutário. Entre os funcionários da iniciativa privada, o saldo disponível sempre foi menor porque ele pode ficar desempregado o que aumenta o risco do banco não receber a quantia emprestada.
Banco sob intervenção
A taxa média anual do consignado até setembro está em 23,8%, enquanto a do cheque especial, por exemplo, está a 147,62%. Essa diferença exorbitante na taxa de juros fez o bombeiro militar Igor Diego Thiago Santiago Aragão, 29 anos, apostar na modalidade para conseguir dinheiro e quitar as dívidas da construção de uma casa em Valparaíso.
Atualmente, o militar tem mais de 50% da renda comprometida com três consignados de instituições diferentes: BRB, Caixa e Banco Cruzeiro do Sul. A dor de cabeça veio com o Cruzeiro do Sul. Igor tinha uma dívida de R$ 5.800 que não conseguia pagar. No fim do ano passado, procurou o banco para renegociação. Pelo acordo, ele teria que pagar 26 parcelas de R$ 373, sendo R$ 290 descontados em folha e os outros R$ 83 pagos via boleto bancário.
O bombeiro pagou o valor de janeiro a julho, quando recebeu uma notificação do Banco Cruzeiro do Sul, anunciando que a dívida tinha sido reparcelada em 49 parcelas de R$ 289,31. “O valor ficou muito mais alto do que no início. Tentei falar com o 0800 do banco e me mandaram ir para Goiânia, na agência de lá. Quando cheguei, soube que o banco está sob intervenção do Banco Central. Enquanto a situação não é resolvida, essa quantia está sendo descontada. Vou ter que procurar a Justiça”, desabafa.
Procurado pelo Correio, o Banco Cruzeiro do Sul explicou que não se trata de um novo parcelamento, mas, sim, adequação do saldo devedor ao limite da margem disponível e ao número de parcelas necessárias para quitação do débito.
Educação financeira
Os juros mais baixos do consignado levaram a uma corrida por eles, principalmente em cidades com o perfil de Brasília, com alta porcentagem de servidores públicos e aposentados e ampla oferta de crédito. Para o professor do IBMEC e especialista em finanças pessoais Marcos Aguerri Pimenta de Souza, se o consignado for usado para quitar dívidas de juros mais altos, como o cheque especial, ele é uma boa saída. “O problema é que muitos consumidores pegam o empréstimo e quitam a dívida de juros mais caros. Mas não param de fazer novas dívidas nesse juro mais alto, como o do cartão de crédito. Isso vai virando uma bola de neve”, analisa. De acordo com Aguerri, para vida financeira saudável, o consumidor deve ter apenas 30% da renda comprometida com prestações. Os outros 50% devem ser reservados à despesas mensais como aluguel, água, luz e mensalidade escolar, outros 10% para a previdência e 10% para a poupança.
Com exceção da instrução do Ministério da Previdência Social para aposentados e pensionistas de que a prestação do empréstimo não pode ultrapassar a 30% do salário, nos outros casos não há um limite de comprometimento da renda. Até existe uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que estipula como limite da prestação de empréstimo consignado, apenas 30% da remuneração.
Apesar das restrições legais, os bancos continuam concedendo crédito e muitos brasileiros estão superendividados.Um projeto de lei está no Senado para fixar os limites do endividamento e dar responsabilidades às instituições financeiras que dão crédito irresponsável. “Se a lei for aprovada, o banco que conceder empréstimo, consignado ou não, para pessoas com mais de 30% da renda comprometida, não vai poder receber juros”, explica Leonardo Bessa, membro da comissão que elaborou o projeto de lei e promotor de justiça de defesa do consumidor do Ministério Público do DF. (veja quadro das mudanças)
ORIENTAÇÕES PARA QUEM PEGA EMPRÉSTIMO CONSIGNADO
– Contrato:
Deve ser claro e com linguagem acessível. Deve ter informações sobre o Custo Efetivo Total (CET) e outras eventuais cobranças, como os impostos e taxas. Observe também se não existe nenhuma cláusula sobre capitalização de juros – aqueles praticados além do previsto em caso de atraso.
– Informações:
As instituições devem informar previamente a quem vai pegar o empréstimo consignado, o valor total financiado, a taxa mensal e anual de juros, acréscimos remuneratórios, moratórios e tributários, o valor, número e periodicidade das prestações e a soma total a pagar por empréstimo. Ao assinar o contrato, o beneficiário deverá exigir sua via.
– Bancos:
O consumidor pode pegar o crédito consignado em qualquer instituição financeira. Não somente naquela onde o salário é recebido, conforme circular 3.522 do Banco Central. Dessa forma, ele pode escolher o banco que oferece a menor taxa de juros.
– Descontado errado:
Se o empregador descontar na folha de pagamento uma quantia diferente da acordada no banco, o consumidor deve entrar em contato com a instituição financeira e o setor de recursos humanos da empresa ou órgão público comunicando do ocorrido. Se nada for resolvido, o consumidor pode procurar as instituições de defesa e pedir o ressarcimento em dobro do que foi pago equivocadamente.
– Se o banco ficar sob intervenção:
Caso o banco entre em processo de intervenção, a orientação dos especialistas é que o consumidor procure o Banco Central (BC) para negociar o pagamento e avise também a empresa ou órgão público onde trabalha que suspenda o pagamento até que saia a orientação do BC.
– Aposentados e pensionistas do INSS
O Ministério da Previdência tem uma instrução normativa que regulamenta o empréstimo consignado. Entre algumas normas estão:
1. A margem consignável, que é o valor máximo da renda a ser comprometida, não pode ultrapassar 30% do valor da aposentadoria ou pensão recebida pelo beneficiário, dividida da seguinte forma: 20% da renda para empréstimos consignados e 10% exclusivamente para o cartão de crédito. O número máximo de parcelas é de 60 meses.
2. Para evitar irregularidades, não é possível para os bancos fazer operações com beneficiários de outros estados: os empréstimos deverão obrigatoriamente ser contratados no estado em que o aposentado ou pensionista reside e recebe o benefício.
3. É vedada a contratação de empréstimos por telefone e também a cobrança da Taxa de Abertura de Crédito (TAC) ou qualquer outra taxa ou impostos. Para o cartão de crédito é permitida a cobrança de uma taxa única de emissão no valor de R$ 15,00, com pagamento dividido em até três vezes. O banco não poderá celebrar contratos com prazo de carência, ou seja, prazo superior a 30 dias para o início dos descontos.
Projeto de lei no Senado:
PLS 283/2012: Combate ao superendividamento
1. As instituições bancárias terão que informar o custo total do empréstimo e a descrição do que o consumidor está pagando;
2. A publicidade deve informar a soma total a pagar com e sem financiamento;
3. Fica proibido: fazer referência a crédito sem juros, gratuito, sem acréscimo e com taxa zero;
4. O consumidor poderá desistir, em sete dias, da contratação de crédito consignado, sem necessidade de indicar o motivo;
5. Superendividamento é o comprometimento de mais de 30% da renda líquida mensal do consumidor com o pagamento de dívidas
6. Se ficar caracterizado que o banco estaba