Entrevista Juliana Pereira, secretária nacional do consumidor

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Íntegra da entrevista com a Secretária do Consumidor

Criada há seis meses, a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça tem o desafio de criar políticas para um público cada dia mais complexo, exigente e multifacetado. Que exige de telefonia móvel de qualidade, informações corretas nos rótulos de produtos transgênicos e que quer consumir de forma sustentável, diminuindo os impactos na natureza. Além disso, a nova secretaria tem a obrigação de proteger 40 milhões de novos consumidores que entraram no mercado de consumo e estão tendo os primeiros acessos a bens e serviços, como o crédito e as tentações do varejo.


À frente desses desafios está a paulista de Franca, Juliana Pereira da Silva. Ela já era diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) quando recebeu o convite para liderar a pasta. Apesar de ser a principal cotada para o cargo, a nomeação de Juliana só ocorreu depois de quase dois meses da publicação no Diário Oficial da criação da secretaria. O que gerou dúvidas se pasta iria para frente ou não.


Em entrevista ao Correio, a secretária relata a importância institucional da Senacon. Para ela, como secretaria de estado, a advocacia do consumidor discute agora com o “alto escalão, no patamar de igual para igual”. Além disso, ela pondera a atuação das agências reguladoras e diz que somente este ano “umas duas passaram a dar respostas aos consumidores”.
Juliana promete ainda usar o poder de polícia da Senacon para autuar e multar as empresas que desrespeitam o Código de Defesa do Consumidor. E ressalta que a defesa do consumidor não é somente o respeito a um direito individual, como também o instrumento de desenvolvimento de um país. Pois uma nação desenvolvida é aquela que têm produtos e serviços de qualidade ao cidadão.

Perfil da secretária:

Juliana Pereira da Silva

Secretária Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça

O marco da relação da paulista Juliana Pereira da Silva com a defesa do consumidor dá-se quando ela assume o cargo de coordenadora do Procon Municipal de Franca em São Paulo. Em 2003, ela vem para Brasília trabalhar no Ministério da Justiça como assessora especial da Secretaria de Direito Econômico. Mais tarde, assumiu como coordenadora geral do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) e depois, foi nomeada diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, cargo que ficou de novembro de 2010 a julho de 2012, quando assumiu a Senacon. Juliana é graduada em direito, pós-graduada em contratos e responsabilidade civil e docente do curso de pós-graduação. É presidente do Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos. Membro da Associação Americana de Direito Internacional Privado, do Conselho Nacional de Educação Financeira e do Comitê Consultivo do Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação.

1) A Secretaria já existe há seis meses. Qual é a principal diferença institucional da criação dessa secretaria. Ela tem mais força para multar? O consumidor pode se sentir mais protegido?

Esse é um ano especial no Brasil porque houve uma ampliação institucional da defesa do consumidor. Quando uma política pública galga status de secretaria de estado, ela está sendo elevada como política pública. Ter um orçamento voltado para essas políticas públicas é um ganho. Tem o outro lado tão importante quanto que é você estar à mesa discutindo os temas que interessam para os consumidores. Sendo uma secretaria de estado, você discute com o alto escalão do outro órgão regulador. O que a secretaria faz lá? Advoga a causa dos consumidores, no patamar de igual para igual. Se tiver um projeto de lei que interessa os consumidores no Congresso, a Senacon vai estar lá.

2) É como se o segmento dos consumidores ganhasse uma representação mais significativa… É isso que pode ser levado para o dia a dia do consumidor?

Às vezes é difícil transformar isso no dia a dia das pessoas. Elas acham que a defesa do consumidor é a fila do Procon. Por isso, perguntam: “Ah, vocês vão ampliar o atendimento no DF?”. Quem amplia atendimento é o governador do estado do DF. O Procon local é responsabilidade do órgão executivo legal. Uma secretaria não é o Procon. O Procon é um órgão importantíssimo de atendimento à população. A secretaria não é a Defensoria Pública, que faz a assessoria judiciária. Não é o Ministério Público que trabalha os interesses difusos e coletivos e a secretaria também não é a sociedade civil. Entretanto ela trabalha junto com todos eles. A Senacon está no no apoio dessa rede, capacitando toda ela. Além disso, nós temos a base de dados, a escola nacional, o material didático.


3) A Secretaria vai trabalhar no diálogo com esses agentes.

É. Ainda é pouco conhecido no Brasil toda essa estrutura. E os temas vão além do bom funcionamento dos Procons. Por exemplo, a gente quer discutir com as entidades de defesa civil sobre a rotulagem dos transgênicos. O que isso tem a ver com o Procon? Nada. Mas tem a ver com o consumidor, porque ele tem direito a ter informação clara sobre o que ele está comprando. Aqui discutimos temas que vão desde o aspecto normativo que interessa o consumidor, de rotulação, de normatização, de qualidade, de segurança, que às vezes, no dia a dia do consumidor está meio longe dele. Tem um Procon federal? Não tem. Tem uma secretaria que coordena as políticas.

4) Desde que a secretaria foi instituída, como tem sido o diálogo com as empresas?

É importante que o mercado se posicione e se alie ao consumidor para que a gente tenha menos conflitos, mais soluções. O diálogo dessa secretaria com esse mercado é nesse patamar. Porque nós entendemos que o respeito ao consumidor é a manutenção da garantia individual. E é também a busca por produtos e serviços seguros e de qualidade. E isso é instrumento de desenvolvimento, porque um país é feito de várias camadas. E uma camada importante é ter produtos e serviços de qualidade.Nós somos um órgão que temos poder de polícia, e como polícia nós vamos reprimir os abusos. De outro lado, nós queremos que o mercado se posicione para que o respeito ao consumidor seja uma missão institucional do mercado, não somente uma exigência.


5) Atualmente nós temos 274 cidades com Procons. No universo de mais de 5 mil municípios não é pouco?

Se fizermos uma conta rápida, a gente vai dizer que tem muito município que não tem Procon. Mas lá não tem empresa de telefonia? Não tem banco? Não tem supermercado? Não tem varejo? Então o direito do consumidor vale pra tudo e o mercado tem que apresentar o diálogo com eles. Por isso, a Senacon precisa usar o seu poder de polícia e de negociação com os setores do mercado para melhorar as relações com o consumidor de todos os lugares.


6) Até porque nós temos uma classe nova consumidora, os 40 milhões de brasileiros que compõem a nova classe média brasileira e que precisam ser protegidos para não virarem vítimas de abusos por falta de informação. Esse tipo de política acaba beneficiando esse grupo. Existe alguma política para a classe C?

Existe. A sociedade brasileira atual tem o dado da inclusão. Nós temos hoje, felizmente, a ampliação de renda que criou um ambiente de maior consumo. Isso é um dado positivo. Só que o Código de Defesa do Consumidor desde 1990 estabeleceu valores, princípios para proteger o consumidor. Porque ele pode não ter escolaridade alta, pode não ter intimidade com a complexidade do mercado de consumo. Por isso, eu tenho um código que diz esse consumidor é vulnerável, a ele, tudo, toda a proteção. Ele não participa da elaboração do contrato, não contesta. Chega no banco e diz: “eu quero mudar o contrato do meu cartão de crédito porque eu não estou a favor dessa cláusula. O gerente vai falar que você está maluca. De qual espaçonave você desceu? Agora, com os novos consumidores é a hora mais do que nunca de fazer valer a lei. Principalmente em alguns temas específicos como a transparência financeira, que aflige muito esses novos consumidores que estão sendo bancarizados, estão tendo acesso a cartão de crédito e que não havia familiaridade com esse tipo de serviço.

7) A gente vê essa austeridade do Código de Defesa, quando as instituições financeiras brigaram para sair do CDC para serem normatizadas pelo Banco Central.

Historicamente esse foi um desfavor que as instituições financeiras prestaram aos consumidores brasileiros. Da mesma maneira que eles entraram com a ação direta de inconstitucionalidade, tão logo tenha sido julgado, passados alguns anos, alguns bancos reconhecem que isso só serviu para atrasar todo o diálogo e ninguém ganhou com essa ADI. Foi um prejuízo para todo o processo…

8) E hoje é um dos setores com alta porcentagem de reclamações… Precisa se adequar em linguagem, atendimento. Principalmente para os novos bancarizados.

Estamos vivendo a novidade do crédito e da inclusão financeira. Alguns anos atrás, só tinha cartão de crédito, quem tinha saldo médio em banco. Saldo médio hoje cheira a naftalina. Hoje você não precisa nem ter conta em banco para ter cartão de crédito. A universalização do crédito é um fenômeno novo e tem gerado uma preocupação para os órgãos de defesa do consumidor porque não interessa a ninguém, nem ao mercado, nem ao Estado e muito menos ao consumidor que essa coisa positiva que é o acesso ao crédito se transforme no superen; o banco, porque não vai receber. Por isso, todas as atenções estão voltadas para esse tema. Uma coisa tão positiva como a universalização do acesso ao crédito não pode se transformar em uma dor de cabeça.

9) A senhora acredita que outros setores deram passos mais importantes nesse diálogo com o consumidor?

Olha é difícil falar em melhor setor. Primeiro porque os setores da economia que têm impacto sobre os consumidores, são diferentes. A gente fala de transporte aéreo, plano de saúde, assuntos financeiros, telefonia… Os problemas também são diferentes. Por exemplo, a telefonia móvel está completamente universalizada. Tem lugares no Brasil que a penetração é duas habilitações por consumidor. Tem gente que tem dois, três chips. O que a gente pode concluir? A população tem acesso. A discussão com as operadoras e com a Anatel é: e a qualidade? E a chamada que cai? E os pacotes que prometem e não cumprem. Por isso é tão difícil generalizar o setor da economia. Cada um tem a sua velocidade.

10) Além do desafio de melhorar a prestação de serviços, ainda tem o desafio do consumo sustentável, consumo consciente.

Isso é uma coisa que me preocupa profundamente. Nós temos um consumidor muito feliz que vai ter smartphone, tablet, que está trocando a estrutura de eletroeletrônicos linha branca na sua casa. Isso é positivo. Há que se ter também um olhar de pós venda e quando isso não funciona direito. Quem resolve? E se não for de qualidade vai pro lixo. E a política de consumo sustentável? Como eu incluo o consumidor como aliado de todo esse processo de consumo consciente, principalmente de eletrônicos, que usa bateria, usa pilhas. O apelo para a questão do meio ambiente é forte. Pensa quanto tempo demora um aparelho desse para se desfazer na natureza?

11) Os assuntos relacionados ao consumidor se diversificaram e ficaram mais complexos.

A agenda do consumidor está muito mais ampliada. Se há 22 anos atrás, quando a lei foi editada, a preocupação era tirar mercadoria vencida do supermercado, a lata amassada, era ver se o contrato era entregue… Você tinha preocupações preliminares, hoje não, é absolutamente mais complexo. Desde o tema da inclusão financeira, sustentabilidade do consumo, o tema da sociedade da informação. Nós temos o comércio eletrônico. Vamos falar disso há 22 anos atrás? Nem o celular era popular, era uma coisa grande, uma bolsa. A sociedade de consumo mudou muito, a complexidade dos temas também.


12) Os setores mais demandados, como telefonia, aviação civil, planos de saúde são regulados e tem agências. Como funciona esse trabalho conjunto com as agências reguladoras? Afinal, este ano elas tomaram medidas drásticas quanto ao desrespeito aos consumidores.

Sem parecer crítica, eu acho que as agências reguladoras começaram a dar uma resposta aos consumidores. É o começo. Porque a defesa do consumidor desde o processo de privatização tem cobrado uma postura mais comprometida com a proteção dos consumidores. 2012 foi um ano que pelo menos uma ou duas agências se apresentaram de uma maneira mais clara. A nossa relação é de respeito, entendemos o papel da agência. Não é um órgão de defesa do consumidor, é um órgão regulador de um serviço. O que a gente espera é que os nossos dados do Sindec ajudem na resolução de conflitos. Você concorda comigo, se tem muito conflito é porque tem muito problema. Se tem muito conflito ou precisa melhorar a norma reguladora, ou precisa apertar a fiscalização. A parceria com as agências e da gente fornecer os dados que temos, porque são os Procons que estão o tempo inteiro dialogando com os consumidores.

13) Há quem defenda que as empresas estão dando mais atenção às reclamações das redes sociais do que as vindas dos Procons. O que a senhora pensa a respeito disso? As redes sociais podem enfraquecer a procura aos órgãos oficiais? É um canal?

Eu sou favorável que o consumidor não se cale. O consumidor é um agente de transformação. Então os espaços que ele pode manifestar o seu descontentamento com o atendimento, a qualidade, de um serviço ou produto, ele usa. Nós temos que distinguir que, no canal institucional, aquela reclamação tem repercussão. Por exemplo, chegou no Procon, lança no Sindec. Depois isso vêm para Brasília, isso eventualmente vai para o relatório de telecom, relatório do Banco Central, etc. Então a repercussão no institucional é diferente. Eu não posso falar para você que tem o mesmo tratamento de uma reclamação de uma rede social e de uma reclamação que está no Procon. Eu sou favorável que o consumidor se manifeste. Sabe uma coisa que seria espetacular no Brasil? Boicote. O consumidor trocar de marca, ir para a rede social, para a rua dizendo: “essa marca não me ouve”. Isso porque? Porque gera competitividade. As redes sociais ajudam nisso.


14) Parece que as empresas resolvem mais rápido quando as pessoas reclamam nas redes sociais.

Eu não concordo muito. O índice de resolutividade nos Procons beira a 90%. Na rede social, você está você está vendo a resolução, por isso, a sensação de que foi mais rápido. O que está acontecendo no Procon do DF, de SP, você não está vendo. Por isso eu acho difícil comparar melancia com mamão. O que é público, como uma rede social, está todo mundo acompanhando. Nos não temos nenhum estudo que comprove. Segundo porque são naturezas diferentes.


15) Não acha que os Procons precisam se modernizar, ir para a internet?

Nós estamos trabalhando para que o Procon seja cada dia mais virtual. Essa é uma meta que temos para 2013. Vai ficar cada dia mais difícil ir pessoalmente e isso desestimula a queixa. Para fazer toda essa mudança a gente precisa da ajuda dos estados, dos municípios. Não é só uma decisão do Ministério da Justiça.