Os canais de comunicação entre clientes e empresas estão cada dia mais diversos, vão desde as redes sociais, passando pelo atendimento telefônico até o bate-papo online com um funcionário. Com tantas opções, o natural seria que a solução de eventuais problemas nas relações de consumo ficasse cada dia mais fácil. Porém, não é essa a realidade encontrada por muitos consumidores. Às vezes, pequenas questões se transformam em grandes dores de cabeça pela dificuldade de comunicação cliente-empresa. O resultado está no crescimento da procura por órgãos de defesa. Somente em 2014, o Procon do Distrito Federal registrou 145.638 atendimentos. Em todo o Brasil, foram 2.490.769 queixas.
Muitos especialistas e consumidores defendem que o excesso de canais não presenciais e a diminuição dos espaços de atendimento ao público criaram um movimento contrário de acesso às empresas e algumas delas estão cada dia mais distantes dos clientes. Realidade difícil de ser compreendida pelos consumidores que comemoram hoje o Dia Mundial do Consumidor, símbolo das lutas das entidades civis pelo direito consumerista.
Serviços simples como cancelamento do serviço, troca de pacote, distrato e até mesmo a obtenção de um direito garantido por lei viram um tormento para o consumidor na saga de falar com a empresa. São inúmeros protocolos, atendentes que não sabem resolver o problema e até mesmo ligações que caem todo minuto. Alguns segmentos, como o de telefonia, não fazem mais atendimento presencial em todas as lojas, o cliente pode até ir ao estabelecimento, mas vai receber a resposta de que aquele conflito só pode ser resolvido por telefone ou pela internet. Nos bancos, não é diferente. Em certas instituições, o gerente informa que ele não tem acesso à ferramenta de atendimento na agência e que o cliente terá que resolver o problema pela internet.
“A gente sempre orienta o consumidor a entrar em contato primeiro com a empresa para evitar os processos administrativos do Procon e a judicialização. Porém, o que percebemos é que o pós-vendas no Brasil está cada dia pior e com empresas sem interesse de investir nessa etapa do consumo. As empresas jogam o atendimento cada dia mais para os sites e centrais telefônicas, que podem ter equipe reduzida e menos qualificada”, afirma Claudia Almeida, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Além do Código de Defesa do Consumidor (CDC) que baliza o acesso à informação, a troca em caso de defeito e outros direitos, o Brasil conta também com a Lei do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) e, recentemente, o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor e de Serviços de Telecomunicações (RGC) normatizou com mais clareza como deve ser o atendimento ao cliente para as operadoras de telefonia. Entretanto, mesmo os marcos regulatórios não inibem as práticas abusivas. “As empresas insistem em não investir no atendimento ao cliente e eu não entendo o porquê. É a imagem delas que está em jogo. Acredito que a pouca concorrência em alguns segmentos, como telefonia e banco, por exemplo, que faz com que elas não se comprometam”, defende Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste Associação de Consumidores.
Na análise de Rosana Grinberg, presidente do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor, é lamentável que após 25 anos de CDC e com muitos instrumentos de proteção colocados à disposição do consumidor, os fornecedores ainda insistam em não respeitar os clientes. “O consumidor ainda tem muitas dificuldades de solucionar as questões, das mais simples as mais complexas. Essa relação tinha que estar mais amadurecida no Brasil”.
Para o presidente da Associação Brasileira das Relações Empresa Cliente (Abrarec), Vitor Morais de Andrade, os conflitos na relação consumidor-fornecedor existem, mas ele discorda que haja aumento nos problemas e distanciamento da empresa em relação ao consumidor. Ele afirma que a amostra dos Procons são de casos não resolvidos, por isso, a impressão de que as empresas não conseguem dialogar com os clientes. “Não quero minimizar o quantitativo, mas o que a gente observa nas empresas são índices de atendimento positivo maiores do que os problemas”, informa. Vitor explica que, para as companhias, nenhuma reclamação em órgãos de defesa e em agências reguladoras é bem-vinda. “É um relacionamento a menos, além disso, custa caro atender por esses canais administrativos, fora que é ruim para a sua preseervação no mercado. Por isso, a ideia das empresas de que o consumidor tem que entrar em contato com a empresa da forma mais confortável para ele”, justifica.
Para saber mais:
O Dia Mundial dos Direitos do Consumidor foi comemorado, pela primeira vez, em 15 de março de 1983. Essa data foi escolhida em razão do famoso discurso feito, em 15 de março de 1962, pelo então presidente dos EUA, John Kennedy. Em seu discurso, Kennedy salientou que todo consumidor tem direito, essencialmente, à segurança, à informação, à escolha e de ser ouvido. Isto provocou debates em vários países e estudos sobre a matéria, sendo, por isso, considerado um marco na defesa dos direitos dos consumidores.