Comércio virtual ignora novas regras

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A nova regra do comércio virtual trouxe a esperança de que o ambiente on-line estaria mais seguro, mas muitos sites ainda não se adequaram às mudanças. Um mês depois de o Decreto nº 7.962 entrar em vigor, a norma não pegou. O Correio monitorou 15 lojas virtuais e encontrou falhas básicas em pelo menos cinco. A exigência de informações da empresa na página principal — Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e endereço — foi desconsiderada. Os canais de contato com o consumidor também são problemas recorrentes no setor.

A falta de interesse das lojas virtuais em se enquadrarem na regra também está evidente em uma pesquisa divulgada essa semana pelo Instituto Ibero-Brasileiro de Relacionamento com o Cliente (IBRC). A entidade constatou que 70% das empresas avaliadas não cumprem a lei à risca. Foram analisados 30 estabelecimentos de vendas on-line, que concentram um terço do volume de negócios do e-commerce no Brasil. “Infelizmente, o decreto não pegou. O que parece, é que os sites ignoraram a regulamentação”, alerta Alexandre Diogo, presidente do IBRC.

No monitoramento feito pelo Correio, a percepção foi similar a do IBRC, e boa parte dos sites estão alheios à legislação. Alguns, como o Morangão, o Compray e o Compra do dia, ignoraram as novas regras. Outros, como o Privalia e o Westwing respeitam boa parte das normas, mas ainda faltam detalhes. Na escolha dos sites, a reportagem optou por aqueles que investem pesado em seduzir o consumidor, seja em anúncios em redes sociais ou na televisão.

Entre os principais problemas detectados, destaca-se o canal de comunicação do cliente com a empresa virtual. Na maioria das páginas principais, não constam números de telefone para atendimento, e-mail, chat ou fale conosco. Com isso, o internauta sente dificuldade para reclamar ou sugerir melhorias. A lei determina que a loja deve ter um Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), porém não especifica o meio e dá cinco dias para a resposta.

A regra não é clara o suficiente e dá margem para diversas interpretações. A Privalia, loja virtual especializada em roupas e acessórios, por exemplo, exige que o internauta se cadastre com e-mail e senha antes de ter acesso ao “Fale Conosco” da empresa. O site Morangão, que vende maquiagens e cosméticos, oferece um e-mail para atendimento, mas o consumidor precisa procurar em meio a vários links. Além disso, quando o cliente envia a mensagem eletrônica, tem de ter paciência para aguardar a resposta. O Correio enviou uma solicitação para vários sites e até o fechamento desta edição não tinha recebido retorno.

O telefone para contato não é obrigatório, mas é um meio importante de contato com o consumidor. Entre os 15 sites analisados, nove têm número para contato, mas apenas um é grátis. Em três, são cobradas tarifas locais e, em cinco, quem não mora em São Paulo tem de pagar taxa para ligação interurbana.

Especialistas advertem que quem perde com essa barreira é o próprio comerciante. “Grande parte das queixas surge, porque o atendimento foi malfeito. Estudos mostram que 90% dos clientes procuram o SAC primeiro para resolver o problema e, só então, vão reclamar”, explica Albert Deweik, diretor de Vendas da Neo Assist, empresa especializada em canais de atendimento ao consumidor. “O lojista do e-commerce não pode ignorar nenhum canal, ele tem que estar onde o cliente está, nas redes sociais, no telefone, em chats e no e-mail”, completa.

Dificuldades

A vice-presidente da Associação Brasileira do Comércio Eletrônico (ABComm), Solange Oliveira, afirmou, entretanto, que a lei deixa de lado as dificuldades dos empresários. “Com a obrigatoriedade de um canal de comunicação, os estabelecimentos têm que contratar pessoal para responder ao consumidor. Isso exige tempo e gastos extras. Por isso, a dificuldade de cumprir a lei no prazo”, justifica. Ela observa ainda que o direito de arrependimento ficou todo nas costas do empresário. “No comércio virtual, existe uma cadeia que envolve o lojista, a operadora de cartão de crédito e transportadora. Quando o cliente se arrepende e não quer a mercadoria, o site tem que arcar com tudo.”

O direito de arrependimento é outra grande dificuldade encontrada no setor. De acordo com a pesquisa da IBRC, apenas 38% dos sites têm informações ostensivas sobre o item e, na maioria deles, é necessário mais de dois cliques para acessar o conteúdo. O publicitário Rafael Carneiro, 35 anos, morador do Sudoeste, comprou uma televisão pela internet no início deste ano, que veio com defeito e sem algumas peças. Ao acionar o direito de devolução, entretanto, ele teve de esperar dois meses para reaver o dinheiro.

“Eles pediram, em primeiro lugar, que eu escolhesse outro produto, porque eles não tinham mais daquele no estoque. A outra televisão que me interessava custava mais caro e resolvi insistir no reembolso. Enquanto negociava, eles me propuseram pagar em três vezes. Todo o processo demorou muito”, lembra Carneiro. O Correio entrou em contato com as cinco empresas que representaram os piores desempenhos e apenas a Privalia respondeu que o consumidor tem de se cadastrar, para ter informações sobre a empresa porque se trata de um clube de compras.

O decreto estabelece que os sites de compra coletiva devem expor quantos compradores são necessários para que a promoção seja validada. No entanto, muitos deles sequer deixam claro na página principal que se trata de uma aquisição em grupo. É o caso do Compray. O consumidor só descobre como é feita a compra quando clica no link “Como Funciona”. No ícone, a empresa esclarece que a oferta só será ativada se atingir o número mínimo de clientes. O site não esclarece o número de pessoas que têm de participar. O Compra do dia também apresenta o problema.

Cumprimento exige fiscalização

Especialistas apontam que uma dificuldade com as leis de proteção ao consumidor é fazer com que elas saiam do papel e passem a ser cumpridas. A Lei do Serviço de Atendimento ao Consumidor, por exemplo, foi publicada em 2008 e ainda não pegou. Para Maria Inês Dolci, coordenadora Institucional da Associação de Consumidores Proteste, os clientes precisam procurar os Procons locais e registrar queixas contra os sites que não cumprirem a nova lei. “Para uma lei pegar é preciso ter fiscalização e, nesse sentido é muito importante que o consumidor colabore. Denuncie”, defende.

Vinícius Pecin, especialista em e-commerce, orienta que os consumidores deixem de comprar em sites que não cumpram a lei. Essa é uma forma de obrigar a adequação e de afugentar pessoas más intencionadas no comércio virtual. “Faça uma lista de requisitos que o site tem que ter para você comprar. Olhe na internet a fama desse site, veja se ele tem selo de segurança, CNPJ, endereço físico, observe quais são as formas de pagamento disponíveis, veja se ele tem telefone de contato, ligue para ver se funciona”, sugere. De acordo com a lei, fornecedores que não cumprirem o decreto estão sujeitos à multa, apreensão e inutilização do produto, cassação do registro do produto no órgão competente e até proibição de fabricação do produto.

Para saber mais

O que mudou

A empresa deve fornecer ao comprador nome empresarial, CNPJ, endereço e outras sobre o estabelecimento virtual, prazo de entrega e seguro, além das modalidades de pagamento — forma e prazo para entrega. É necessário também mostrar um resumo do contrato antes de qualquer compra, confirmar o recebimento da aceitação do produto ou serviço e divulgar o SAC em meio eletrônico para resolver demandas. A empresa precisa dar informação clara e meios adequados e eficazes para a realização do direito de arrependimento, que pode ser efetuado em sete dias. No caso de páginas de compras coletivas, a quantidade mínima de consumidores para efetivar o contrato e o prazo de utilização da oferta tem de ser divulgada.

Como evitar problemas

» É importante verificar a idoneidade das empresas. Na internet, há mecanismos de reclamação que podem ser pesquisados e o próprio Procon tem disponível uma lista dos estabelecimentos mais criticados

» Também é interessante conversar com conhecidos e ver se conhecem o site e se tiveram algum problema na compra

» Navegue pelo site para entender como ele funciona e, antes de fazer qualquer compra, verifique os Termos e Condições Gerais e a Política de Privacidade

» Após cadastro prévio, verifique se o ambiente de compra é protegido (https; contém cadeado na página e informações no rodapé da página que certifiquem que seus dados estão protegidos)

» Na primeira compra, prefira itens de valor mais baixo. Caso ocorra algum problema, o prejuízo será menor do que se pagou por um produto de valor vultoso

» Copie as telas das etapas de compra (print screen) e salve-as em arquivos de imagem. Caso ocorra algum problema, terá prova de que realizou a compra no site

» Guarde e-mails de confirmação e de prazo de entrega enviados pelo site. Verifique se enviam código de rastreio da mercadoria

» No ato do recebimento, verifique se o produto efetivamente é o que foi comprado — modelo, marca e demais características, como cor. Se for possível, teste o item.

» A partir da entrega efetiva da mercadoria, o consumidor tem sete dias para se arrepender da compra e fazer a devolução do produto, recebendo o valor pago devidamente atualizado.

Confira a lista de sites monitoradas pelo Correio


Matéria de Flávia Maia e Larissa Garcia. Colaborou Clara Campoli

Flávia Maia

Publica por
Flávia Maia

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