Banco Central edita resolução de microcrédito para deficientes

Compartilhe

Possuir um imóvel adaptado, com rampas, elevadores, portais maiores e barras nos banheiros é o desejo de deficientes físicos e familiares. Porém, o preço da acessibilidade ainda é salgado. Por isso, o Banco Central do Brasil publicou a resolução 4.310/2014 que determina o microcrédito de até R$ 30 mil para a reforma de residências a juros bem abaixo do mercado, até 2% ao mês. Para acessar o empréstimo, a pessoa deve ter renda mensal igual ou inferior a 10 salários mínimos (máximo de R$ 7,24 mil) e comprovar que o dinheiro será usado na adaptação do imóvel.

Embora as associações e os deficientes tenham comemorado o novo crédito, ainda há receio se o dinheiro realmente vai entrar na conta. Existe uma desconfiança de que os benefícios para os deficientes vêm junto de muita dificuldade e burocracia, como, por exemplo, o desconto para o comprar carro, que exige, mais de 16 documentos. O pé atrás se dá também por causa da dificuldade de acesso de outros microcréditos específicos para o grupo, como o de aquisição de cadeiras de rodas.

O técnico de tecnologia da informação, Marcelo Bezerra, 29 anos, conta que tentou durante quatro meses o crédito para comprar uma cadeira de rodas de R$ 4,5 mil nos bancos no Distrito Federal. “Mas os bancos daqui pediam uma nota fiscal da cadeira. Como eu poderia ter uma nota se eu não comprei a cadeira ainda e quero o dinheiro para isso?”, questiona Marcelo. Ele conta que não servia orçamento, nem o pedido, somente o documento fiscal. “Só consegui comprar a cadeira com o juro baixo em uma feira de tecnologia para deficientes em São Paulo porque o estande da cadeira ficava ao lado do banco”, conta. “Por isso, acho que nem vou tentar o crédito para a reforma”, lamenta.

Além das dificuldades encontradas em outros benefícios para deficientes, a resolução do Banco Central para reforma da casa deixa algumas dúvidas para quem vai contratar o crédito. “Não fica claro, por exemplo, se o deficiente precisa ser proprietário do imóvel. Diz-se apenas mutuários com registro no cartório. Se a resolução só valer para proprietários, diminui muito a eficácia da norma, porque dos 30 milhões de deficientes existentes, 25 milhões vivem de um Benefício de Prestação Continuada (BPC) que paga um salário mínimo, fica difícil um deficiente comprar uma casa própria”, argumenta Yure Gagarin Soares de Melo, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal.

A norma pede um registro do imóvel em cartório e não deixa claro se vale para o familiar de um deficiente. “A maioria dos deficientes mora de aluguel, ou na casa dos pais, se o deficiente tem que ser proprietário para ter o crédito, dificulta”, afirma Maria de Fátima Amaral, presidente da Associação dos Deficientes de Brasília (ADB). Segundo informações do Ministério da Fazenda, a resolução não obriga que o deficiente seja proprietário do imóvel, mas também não proíbe os bancos de fazerem essa exigência como garantia. O Banco do Brasil, por exemplo, exige que o imóvel esteja no nome do beneficiário que receberá o projeto arquitetônico de acessibilidade.

Se o banco exigir que o imóvel esteja no nome do deficiente, surge outra questão que é o valor que o banco vai liberar para o cliente. Segundo Maria de Fátima Amaral, da ADB, boa parte dos deficientes recebe apenas um salário mínimo de renda e, com essa renda mensal, os valores que os bancos disponibilizam são baixos.

O técnico administrativo Francisco Abrantes Teixeira, 34 anos, por exemplo, ainda não pediu o microcrédito para a adaptação da casa, porque está tendo problemas em conseguir uma quantia bem menor para comprar uma cadeira de rodas, R$ 4,7 mil. Isso porque ele tem um empréstimo de uma cadeira de rodas esportiva, no valor de R$ 6 mil, usada nas competições de rugby que ele participa. “Se pudesse ser no nome da minha mulher, eu poderia ter o dinheiro da cadeira. O excesso de burocracia atrapalha a vantagem do juro e do prazo muito bom. Por isso, fico com receio de tentar o crédito para a adaptação da casa. O desconto do carro mesmo, eu desisti por causa da complicação”, lamenta.

Francisco contou que para conseguir a cadeira esportiva, de R$ 15 mil, o banco exigiu uma nota fiscal. “Eu só pude adquirir o bem porque tinha uma conhecida que fez a nota acreditando que o banco ia conceder o empréstimo e eu ia comprar dela. Mas só consegue quem tem conhecidos”.

Projeto arquitetônico

Outra questão que as associações de deficientes acreditam que podem dificultar o acesso ao crédito é a exigência de um projeto elaborado por um arquiteto registrado no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) que deve ser apresentado para o banco. O projeto deve atender aos parâmetros previstos nas normas técnicas de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). “Fica complicado contratar um arquiteto. É caro um projeto desses”, calcula Flávio Luís da Silva, diretor financeiro da Associação Brasiliense de Deficientes Visuais. “O que podemos fazer são parcerias. A quadra 16 no Riacho Fundo II foi destinada para deficientes visuais. Na época, o banco exigia o projeto de arquiteto para liberar o financiamento. Aí a nossa associação fez uma parceria com a Universidade de Brasília”, complementa Flávio.

Segundo Daniela Demartini, chefe de obras colegiadas do CAU, o trabalho do arquiteto pode ser pago depois, quando o deficiente já estiver com o dinheiro na conta. Ela explica que apenas o Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) é suficiente para o banco. Nesse RRT, o profissional precisa mensurar a quantidade de materiais e mão de obra necessária. “O empréstimo é dividido em três partes, uma delas, que pode ser de até R$ 5 mil é para pagar o projeto arquitetônico, as outras duas partes são, até R$ 10 mil para material de construção e até R$ 15 mil para mão de obra”.

Após a liberação dos créditos, os imóveis poderão passar por vistorias para comprovar a aplicação regular do crédito, e as instituições financeiras poderão estipular um teto de financiamento caso a quantia pedida esteja acima dos valores médios financiados.

O que diz a lei:

A resolução nº 4.310 de 10 de fevereiro de 2014 incrementa a resolução nº 4.050 que regulamenta as operações de crédito para aquisição de bens e serviços de tecnologia assistiva destinados a pessoas com deficiência, bem como sobre as condições para a contratação dos financiamentos passíveis de subvenção econômica. Uma portaria assinada pelos ministros da Fazenda, da Ciência, Tecnologia e Inovação e o chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, considerou serviços de tecnologia assistiva passíveis de financiamento: os serviços de manutenção, reparo e revisão dos produtos (como cadeiras de rodas, cadeira elevadora para domicílios, cadeira de rodas anfíbia, cadeira de roda escaladora, coletes ortopédicos, cama hospitalar, entre outros), adaptação de imóvel e serviços de avaliação, indicação e acompanhamento de produtos.

Para saber mais:

O crédito acessibilidade faz parte das ações do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem Limite, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Segundo a pasta, já foram liberados mais de R$ 86 milhões para a aquisição de produtos para deficientes em todo o país. No total, mais de 15 mil itens já foram financiados por meio do programa.

>> Quem tem direito:

Pessoas com renda mensal ou inferior a 10 salários mínimos, desde que o crédito seja comprovadamente destinado à adaptação do imóvel residencial

>> Vantagens:

1. Taxas de juros máximas de 2% ao mês

2. Valor máximo do financiamento: R$ 30 mil

3. Prazo mínimo da operação: 120 dias

4. TAC não pode ser superior a 2% do crédito concedido

>> Como proceder:

1. O interessado deve levar até o banco um projeto arquitetônico assinado por um profissional registrado no Conselho de Arquitetura e Urbanismo

2. No projeto, o arquiteto deve especificar a quantidade de materiais e de mão de obra necessária para a execução de projeto

>> Condições:

1. O imóvel deve ser registrado em cartório

2. Somente será financiada a aquisição de materiais e de mão de obra que estejam vinculados ao projeto arquitetônico

3. O banco pode estabelecer teto de valor de referência para bens e serviços quando verificar distorções injustificadas entre os valores médios para um mesmo bem ou serviço.

4. Quando autorizado pelo proprietário, o banco pode realizar vistoria no imóvel adaptado para fins de comprovação da aplicação regular do crédito.

Flávia Maia

Publica por
Flávia Maia

Posts recentes

  • Consumidor

Verbas do Procon o colocam no centro da atenção política

A autarquia, antes direcionada a parceiros políticos de menor expressão, tornou-se estratégica na conquista de…

6 anos atrás
  • Consumidor

Leitor reclama do serviço prestado pelos Correios; empresa afirma que faz monitoramento

O leitor Jadyr Soares Pimentel, 75 anos, morador do Guará II, entrou em contato com…

6 anos atrás
  • Consumidor

Veja como o comércio vai funcionar durante os jogos do Brasil da Copa do Mundo

A Federação do Comércio, Bens e Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio) divulgou nesta…

6 anos atrás
  • Consumidor

Consumidor reclama das ligações insistentes

O leitor Luis Adriano Salimon, 23 anos,  morador da Asa Sul, entrou em contato com…

6 anos atrás
  • Consumidor

Planos de saúde: falta de cobertura é a principal queixa dos beneficiários

Mais de 30 planos de saúde estão com venda suspensa, em decorrência do grande número…

6 anos atrás
  • Consumidor

Brasiliense pagou R$ 1,20 de ICMS na gasolina, mostra relatório do GDF

Secretaria de Fazenda vai colocar no ar um sistema que permite ao contribuinte saber a…

6 anos atrás