As armadilhas dos contratos de imóveis comprados na planta

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No intuito de adquirir um imóvel a preço mais acessível, muitos consumidores optam por comprá-lo ainda na planta. Mas o sonho da casa própria pode se transformar em dor de cabeça se o cliente não estiver atento ao contrato que ele assina. Boa parte desses documentos são do tipo adesão – confeccionados pela própria empresa e sem possibilidade de mudanças pelo consumidor -, o que abre brecha para claúsulas abusivas. A quantidade de páginas do documento somado à linguagem complicada também contribuem para que o consumidor se torne vítima de itens arbitrários e que até desrespeitam a legislação brasileira.

Sem alternativa, o consumidor acaba optando por assinar o contrato para não perder o negócio. O problema é que depois da assinatura começa a dor de cabeça. Prova disso é que as reclamações no Procon-DF não param de crescer. Na comparação entre 2011 e 2012, as queixas contra construtoras cresceram 39,2%, pulando de 690 para 961 em todo o Distrito Federal. Somente nos primeiros 40 dias de 2013, 108 reclamações já foram registradas.

As questões relacionadas a contratos foram as campeãs de queixas nos últimos dois anos no Procon e, pelo o que indica os números de 2013, elas deve continuar no pódio: dos 108 atendimentos, 37 foram relativos a contrato. De 2011 para 2012 o não cumprimento de contrato e proposta subiu 52,4% nas estatísticas de reclamações. De acordo com o presidente do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec), Geraldo Tardin, apesar das reclamações, as empresas insistem em continuar elaborando contratos com abusividade. “Quando chega na Justiça, o consumidor ganha a ação com facilidade, mesmo assim, os documentos continuam vindo com problemas”, ressalta.

Entre os itens irregulares que as construtoras insistem em manter em contrato e que o consumidor deve ficar atento é a porcentagem de rescisão. Muitas empresas colocam multas abusivas para quem desistir do negócio. Algumas chegam a vincular o valor da multa com o imóvel, não com a quantia paga, em caso de compra parcelada. A Justiça tem entendido que essa prática é ilegal porque fere o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a lei determina que são nulas as cláusulas contratuais que subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga.

A cobrança de taxas como o Serviço de Intermediação Imobiliária (SATI) não pode ocorrer. Assim como o pagamento do despachante imobiliário e do corretor. Serviços como o de corretagem devem ser pagos se o cliente contratou o serviço do corretor, caso contrário, a construtora não pode exigir o pagamento desse profissional. “Quando o consumidor vai comprar um imóvel na planta, geralmente ele compra de um estande de vendas que a construtora dispõe, ele não contratou um corretor, ele é funcionário da empresa”, alerta Sueny Almeida de Medeiros, especialista em direito do consumidor e sócia do escritório Veloso de Melo Advogados.

Olho vivo nos contratos

Para evitar que os consumidores passem por constrangimentos e precisem procurar a Justiça para terem os seus direitos assegurados, a orientação de especialistas é a checagem de alguns itens específicos do contrato. Se o cliente encontrar abusividade e a empresa não mudar o documento, o melhor é desistir do negócio para evitar dor de cabeça futura. Entre as cláusulas que o consumidor deve ficar mais atento é a que discrimina a quantidade de parcelas e os valores estipulados. A multa por atraso de pagamento por parte do consumidor e de demora na entrega da obra do lado da construtora, deve estar bem especificada. “Na maioria das vezes, a gente enxerga um desequilíbrio contratual, se o consumidor atrasa, ele tem que pagar com a multa legal de 2%, mas se a empresa não entrega o apartamento quando deveria paga apenas 0,4%”, questiona Tardin.

O período de entrega do imóvel deve estar bem disposto no contrato, assim como, a multa estipulada em caso de atraso. A maioria dos contratos prevê que a construtora tem 180 dias além do previsto para entregar o imóvel. Para associações de consumidores como o Ibedec, essa cláusula é abusiva. Mas a advogada Sueny explica que o Judiciário tem aceitado esse item contratual quando o consumidor questiona a norma na Justiça. O que ela orienta é que o consumidor fique atento ao que a construtora oferece em compensação se a obra demorar além dos 180 dias. “Muita gente tem entrado na Justiça porque as construtoras oferecem em contrato um valor em caso de atraso e nunca cumprem”, explica.

Foi o que ocorreu com o analista de licitações André Ramos, 33 anos. Antes de comprar um apartamento na planta da construtora MRV, ele pesquisou a reputação da empresa e o índice de atrasos nas obras. Mesmo com o cuidado, ele não conseguiu se livrar de um contrato mal-feito e do atraso na obra de um prédio em Águas Claras. A entrega prevista para abril de 2010 se prorrogou até agosto de 2011. Apesar de o contrato contemplar multa em caso de atraso por parte da construtora, ele nunca recebeu o dinheiro.

             

Outro problema encontrado estava relacionado a hipoteca do imóvel. O apartamento estava hipotecado pela construtora a um banco que financiou a obra. Quando André foi pedir o financiamento habitacional, soube que não poderia fazê-lo porque a unidade estava hipotecada. “Não lembro do contrato mencionar essa hipoteca. Enquanto a construtora não resolveu esse problema, não consegui me mudar”, explica André. “A empresa até pode hipotecar o apartamento e vendê-lo depois, mas na entrega das chaves, essa hipoteca não pode mais existir”, explica Sueny.

Por meio de nota, a MRV Engenharia negou o atraso na entrega do imóvel por parte da construtora.“Conforme previsto em contrato de financiamento firmado com o proprietário, a entrega do apartamento só é realizada após a assinatura do referido contrato de financiamento, o que, neste caso, aconteceu em julho de 2011. As chaves foram entregues ao cliente em agosto do mesmo ano.

Na planta, é mais em conta

Segundo estimativa do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi), o preço dos imóveis na planta pode ficar de 20% a 30% mais barato quando comparado aos imóveis já prontos. Esse abatimento, no entanto, geralmente é concedido de 6 a 12 meses após o empreendimento ser lançado. De acordo com o Secovi esta variação no preço tem explicação: quem compra um imóvel na planta começa a pagar prestações corrigidas pela variação do Índice Nacional de Construção Civil (INCC), que geralmente é mais baixo que o índice de inflação cheio.


Para saber mais:

Uma consumidora ganhou este ano em primeira instância no Tribunal de Justiça do Distrito Federal o direito de recalcular os valores da cláusula de rescisão do contrato de compra de um apartamento. A cliente adquiriu  um empreendimento da construtora Emarki no Residencial Park Sul, pela qual comprometeu-se à pagar R$ 880 mil. Ela já havia pago R$ 200 mil quando pediu a rescisão do contrato. A construtora reteve então R$ 62 mil de multa, o equivalente a 7% do valor total do contrato, alegando que o cálculo da multa incidiu sobre o valor total do imóvel, não  sobre o que foi pago. A consumidora recorreu à Justiça e obteve vitória. No entendimento da desembargadora Simone Lucindo a construtora violou o Código de Defesa do Consumidor “que estabelece que são nulas de pleno direito cláusulas contratuais que subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga”, escreveu na sentença. Ainda cabe recurso a essa decisão.

Reclamações contra as construtoras no DF:

2011: 690

2012: 961 (Aumento de 39,2% de um ano para outro)

2013: 108 atendimentos

Itens mais reclamados:

                                                                      2011    2012    2013

1º Não cumprimento de contrato e proposta:     246    375    37

2º Cobrança de taxa indevida                           62    96    9

3º Cobrança de multa acima do permitido          22    8    1

4º Defeitos na construção                                30    53    0

5º Não entrega do contrato                              10    32    2

6º Não entrega da escritura                              5    17    2

*Dados: Procon-DF   


Fique de olho

Ao assinar um contrato de compra de imóvel com uma construtora, preste atenção em alguns itens em especial:

1. Observe o prazo de entrega da obra e o período de tolerância de atraso estipulado em contrato. Geralmente as construtoras preveem até 180 dias além da data prevista para entrega. Para as associações de consumidores, esse prazo é irregular. Mas a Justiça tem aceitado esse período a mais previsto em documento.

2. Veja qual o valor da multa por atraso na entrega do imóvel e a data que a construtora deve começar a pagar.

3. Cheque bem os valores das parcelas e dos sinais. Verifique também os reajustes e os possíveis balões – quantias altas que o consumidor precisa pagar além da parcela.

4. Verifique como funciona a cláusula de rescisão. Observe se ela está avaliada de acordo com o valor do imóvel ou com a quantia paga em caso de parcelamento.

5. Fique de olho nas taxas extras como o Sati (Serviço de Intermediação Imobiliária). O cliente também não é obrigado a pagar despachante e corretor. A obrigação só ocorre se o próprio consumidor contrata esses serviços.

6. Não assine nenhuma procuração dando poderes para a construtora.

7. Veja se o contrato fala alguma coisa sobre a hipoteca do apartamento. Muitas vezes, as construtoras pedem empréstimo às instituições financeiras e o apartamento fica hipotecado. A construtora precisa quitar a dívida antes de entregar as chaves.

8. O condomínio deve ser pago a partir da entrega das chaves. As unidades não vendidas também devem dividir as despesas. A construtora ou a imobiliária devem arcar com os valores dos apartamentos.