A crise hídrica do Distrito Federal entra em mais um capítulo decisivo na tentativa de contenção de consumo. Com a inclusão das regiões abastecidas pelo sistema Santa Maria/Torto no racionamento diário, já são 2,4 milhões de pessoas convivendo com a falta de água nas torneiras. Dessa forma, o rodízio atinge mais de 80% da população. Fora as outras medidas implantadas, como a tarifa extra para gastos acima de 10 mil litros mensais e a redução de pressão nos canos. Sem a recuperação dos níveis dos reservatórios como o esperado, as perspectivas são pouco animadoras. Especialistas, a Agência Reguladora de Águas (Adasa) e a Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) são unânimes em afirmar que é preciso poupar o que ainda tem de água para o período da seca, que se inicia, em, no máximo, três meses.
Com seis meses de estado de escassez hídrica, o Distrito Federal conseguiu reduzir o consumo de água em 21,69%, o que corresponde ao gasto diário de 724 mil pessoas, segundo dados da Caesb. Embora os números indiquem que as medidas de contenção tenham dado resultado, ainda são insuficientes e chegaram tarde, uma vez que os reservatórios não conseguem se recuperar na velocidade necessária para passar pelo próximo período de estiagem. Para que a Caesb consiga cumprir as metas das últimas resoluções da Adasa, é preciso economizar pelo menos uma vez mais o que já foi reduzido. Isso contando apenas a área urbana, sem levar em conta as reduções feitas na parte agrícola do DF.
Para os especialistas, as medidas de contenção deveriam ter sido implementadas antes para evitar o colapso hídrico que se aproxima e o sacrifício cada vez maior no dia a dia da população. Entretanto, as políticas acabaram esbarrando na inexperiência com a situação e na esperança de que as chuvas viriam com o mesmo comportamento dos anos anteriores. O que não ocorreu. Em nome da segurança hídrica, a Caesb e a Adasa não descartam a hipótese de estender o racionamento para dois dias por semana em cada uma das 26 regiões já afetadas pelo rodízio.
“A tendência é apertar cada vez mais, inclusive com dois dias de racionamento”, acredita Marta Eliana, promotora de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (Prodema) do Ministério Público do DF (MPDFT). “Estou muito preocupada. Fui a uma reunião em que a Defesa Civil trabalha com simulações de um desastre hídrico, com Brasília sendo atendida por caminhões-pipa. Por isso, agora é economizar o máximo. Cada gota conta”, complementa. Para ela, embora as chuvas tenham diminuído, a principal causa do problema atual é a falta de gestão e de investimentos em sequentes administrações distritais.
Crítico da velocidade das ações do governo local para conter a crise hídrica, Henrique Leite Chaves, professor de manejo de bacias hidrográficas da Universidade de Brasília, acredita que agora é momento de pensar adiante e esquecer os erros estratégicos do passado. “Estamos caminhando na direção certa. Defendíamos o rodízio no sistema Santa Maria/Torto e ele foi implementado. Pedíamos o plano de abastecimento emergencial no Lago Paranoá e o foi feito. Vamos olhar pra frente porque a situação é grave e requer atenção”. Embora o Ministério da Integração Nacional não tenha sinalizado a liberação da verba de R$ 50 milhões, a Caesb pediu a licença ambiental para a obra de captação emergencial no Lago Paranoá.
O diretor-presidente da Adasa, Paulo Salles, acredita que a economia realizada é fruto das ações implementadas. Para ele, é a primeira vez que o DF passa por essa situação, o que justifica o cuidado nas ações. Assim como a Adasa e a Caesb esperavam que o comportamento das chuvas fosse melhor do que vem ocorrendo. “É claro que nós não estamos satisfeitos com a situação. Mas achamos que as medidas são acertadas. A Adasa não pode só olhar para o reservatório, encher na marra. Se fosse assim, a gente trancava tudo: cinco dias de racionamento, agricultura sem água. Temos que pensar no todo”.
A economia de água tem chegado aos lares brasilienses. O consumo médio está em 153 litros por dia por habitante. Embora continue um dos mais altos do país, caiu. Em 2015, era de 190 litros. São estratégias como a do motorista Marcelo Augusto da Silva Gibson, 43 anos. Na casa dele no Jardim Botânico os banhos são cronometrados, as lavagens de roupa uma vez por semana e há uso de piscina inflável para recolher água das chuvas e lavar a varanda. O motorista vive com outros oito integrantes da família e conta que desde o início da crise hídrica não pagou taxa extra. “Estamos fazendo o possível para economizar. Minhas duas filhas [de 9 e 11 anos] estão tomando banho juntas. No início, elas não gostavam, mas agora já entendem”.
Carnaval sem água
As medidas tomadas para conter o consumo no Rio Descoberto começam a surtir efeitos. Em seis meses, o consumo reduziu 25% – o suficiente para abastecer 500 mil pessoas diariamente. Entretanto, o nível continua preocupante, atualmente, ele está em 38% enquanto na mesma época do ano passado, registrava 85%. O Santa Maria/Torto economizou o suficiente para abastecer mais de 200 mil pessoas, mas a recuperação desse sistema está mais lenta. Assim, embora o reservatório tenha mantido índices maiores de volume durante a crise, ele está com dificuldades de recuperação. Por isso, se tornou o foco das ações e, com o racionamento, espera-se diminuição de mais 12% no consumo.
Hoje, Lago Norte, Varjão e condomínios do Jardim Botânico serão os primeiros abastecidos pelo Santa Maria/Torto a sofrerem com o corte. Amanhã será a vez da Asa Norte e Noroeste. Na Asa Norte, os foliões são a principal preocupação. Pelo menos cinco blocos estão agendados no mesmo dia do racionamento: Pacotão, Calango Careca, Bloco Espírita Celta e Ventoinha na Tesourinha.
Quem não tem caixa d’água está preocupado com os prejuízos. A cabeleireira Bianca Cruz, 38, vai fechar o salão no Varjão. O estabelecimento recebe água direto da rua. Para ela, não tem como estocar água, pois não sabe a quantidade necessária para um dia de trabalho. “O número de atendimento varia muito dependendo do dia. Não tem como atender sem água, como vai lavar o cabelo das clientes, fazer unha, limpar as coisas?”, questiona.
Colaboraram Priscilla Miranda, estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte e Gabriella Bertoni, especial para o Correio
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