Nem Tudo que Reluz é Ouro

Publicado em ENEM 2025

Cosette Castro

Brasília – Depois de receber a notícia sobre o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) 2025, o domingo ficou mais alegre. O mesmo não aconteceu na segunda-feira, dia 11, pela manhã, pois nem tudo que reluz é ouro.

Com 4,8 milhões de inscritos, a redação é uma forma ampla e rápida de aproximar estudantes do tema envelhecimento e ainda contribui para tirar as pessoas idosas da invisibilidade.

Acompanhei e curti os comentários no WhatsApp, postagens no Instagram e Facebook. E agradeço as mensagens que recebi nas redes sociais digitais e no privado. Todo mundo entusiasmado. E com razão.

Sair do apagamento que as pessoas com 60 anos ou mais passam diariamente renova as esperanças em um país sem idadismo, um dos nomes do preconceito por idade. E oferece esperança de construir um Plano Nacional para o Envelhecimento com metas e orçamento que inclua o diálogo e a convivência com diferentes gerações.

Também comemoraram as pessoas que se interessam pelo tema, os movimentos sociais, instituições que atuam na área do envelhecimento, quem pesquisa sobre o tema ou trabalha com esse público. E seus familiares.

Em um país com 33 milhões de pessoas idosas (IBGE, 2024), é preciso um trabalho gigantesco para mudar o imaginário social de que ainda “somos um país jovem”. É preciso chamar atenção para a rápida mudança demográfica que o Brasil vem passando, pois já temos mais pessoas 60+ do que pessoas entre 15 e 24 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A redação do ENEM tem esse poder multiplicador. O tema vai crescendo em diferentes lugares. Seja nas redes sociais, dentro de casa, na família, entre jovens, professoras e professores e outros espaços sociais. E permanece durante dias, semanas. Um efeito chamado cauda longa usado na área dos negócios e das tecnologias da informação e comunicação.

Foi uma boa estratégia de multiplicação da informação, similar a que ocorreu em 2024 sobre a valorização da herança africana no Brasil. E, principalmente, em 2023 sobre os desafios da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pelas mulheres.

A partir de 2023,  o tema dos cuidados foi se tornando cada vez mais próximo da população, em especial das mulheres que cuidam sem remuneração. Sem informação, elas muitas vezes nem notam que o cuidado familiar e doméstico são trabalhos gratuitos que sobrecarregam física e emocionalmente.

Nesse sentido, estão de parabéns o governo federal através do Ministro da Educação, Camilo Santana,  o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e sua Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas Idosas.

No entanto, qual foi a surpresa nesta segunda-feira pela manhã ao ler as questões da redação. O enunciado da primeira pergunta já começa com um equívoco. Utiliza “Estatuto do Idoso” como se ainda estivesse no tempo em que ele foi criado, há 20 anos.  Desde 2023, o nome do Estatuto  foi atualizado para a linguagem neutra: Estatuto da Pessoa Idosa, levando em conta os diferentes tipos de envelhecimento no Brasil.

O equívoco segue longo das demais perguntas ao nomear pessoas idosas como simplesmente idosos. Com isso, repete um idadismo institucional e social ao apagar as mulheres idosas que representam 56% das pessoas 60+.

Ainda no primeiro parágrafo o texto informa que no Brasil uma pessoa é considerada idosa aos 60 anos, mas que, para parâmetros internacionais, utiliza dados de pessoas a partir de 65 anos ou mais.  E a partir daí, os textos e gráficos de estímulo à redação passam a utilizar dados que valem para comparações internacionais. Não para a realidade da população  brasileira.

Com isso, os textos impulsionadores do ENEM deixaram de contar algo essencial para as 4,8 milhões de pessoas inscritas: no Brasil  uma pessoa é considerada pessoa idosa a partir dos 60 anos porque este é um país com desigualdades sociais. E, apesar dos dados sobre longevidade, nas periferias as pessoas vivem em média 50 anos, como ocorre na maior cidade do país (Mapa da Desigualdade de São Paulo, (2024).

A realidade brasileira é diferente dos países desenvolvidos onde uma pessoa é considerada idosa aos 65 anos. Nesses países há sistemas de garantia estruturados e financiados que exigem menos do que extenuantes jornadas 6×1, salários precários, imobilidade urbana e falta de universalização de políticas públicas.  Esses critérios internacionais sobre idade foram criados pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2022) e servem de parâmetro para as políticas públicas de cada país.

Quais as consequências de informar às pessoas que participam do ENEM, para demais grupos sociais e para a mídia brasileira, apenas dados que valem internacionalmente, deixando de lado informações que incluem toda população idosa?

A consequência mais grave é invisibilizar oficialmente 10 milhões de pessoas idosas na faixa dos 60-64 anos, segundo o IBGE (2022). Algo como tirar do mapa do Brasil a cidade do Rio de Janeiro e Brasília juntas.

Da para imaginar a população do Rio de Janeiro e Brasília deixarem de existir para pesquisas, no orçamento do governo federal, na saúde, na assistência social, previdência e demais políticas públicas de inclusão?

Em termos pedagógicos, confunde estudantes, professores, familiares e demais grupos sociais que estão tendo pela primeira vez uma aproximação com o tema do envelhecimento no Brasil. E inverte a lógica da desigualdade. Parece, só parece, que somos um país desenvolvido e inclusivo. Só que não.

Ainda temos muito a caminhar para construir uma Sociedade do Cuidado que contemple todas as idades, inclusive em termos de indicadores.

 

 

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