Cosette Castro & Natalia Duarte
Brasília – Faltam dois dias para a posse dos novos conselheiros do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Idosas (CNDPI). A semana começa com bons desejos à nova gestão em um país em rápido processo de envelhecimento e com baixo orçamento para melhorar a qualidade de vida das pessoas 60+.
A cerimônia de posse poderá ser acompanhada na quarta, dia 20, a partir das 14h no Canal do Youtube CNDPI.
A convidada do Blog de hoje é Natália Duarte, professora da UnB e uma das Coordenadoras do Coletivo Filhas da Mãe. Ela relata aprendizagens e desafios como cuidadora familiar.
Natalia Duarte – “Em meio ao declínio que o Alzhimer provoca no meu pai, já com dificuldades para se alimentar autonomamente e de lembrar onde está e quem somos, sigo dizendo: É um privilégio ter meu paizinho, com Alzheimer avançado, ainda do meu lado. A doença avança, mas ele segue resistindo. Tem uma rotina de muito contato familiar e estimulação no Centro Dia Longeviver, fisio e fonoterapias, além de jogos de palavras e leituras.
Quando se trata da demência do pai ou da mãe, pessoas fundantes de quem somos, lidar com a contradição entre a realidade atual da pessoa e a referência de inteligência e bom senso da memória da criança que fomos é dramático.
Meu pai é a pessoa mais inteligente e articulada da minha memória. Não só da minha, mas da memória familiar. Menino pobre e abrigado desde os 11 anos, cedo se interessou pelos estudos. Foi influenciado pela mãe, Ermelinda, e por seu amigo de internato, José dos Santos. Ele admirava conversar com seu amigo porque ele sabia de atualidades, de Geografia, História e Economia.
Um dia perguntou: – Zé, como é que você sabe de tantas coisas?
– É que eu gosto de ler. Leio tudo que acho interessante e disponível.
José dos Santos trabalhava na oficina de reciclagem de papéis do internato. Sempre que aparecia jornal, revista ou livro pedia ao mestre para guardar. Depois devorava nas noites silenciosas.
Vendo o interesse do meu pai, Zé dos Santos passou a compartilhar os materiais de leituras. Ítalo também se tornou um leitor apaixonado. Somente aos 88 anos ele deixou de ler jornal e noticiário diariamente.
Quando meu pai começou a ter dificuldades em ler as palavras e os números meu irmão e eu quase entramos em desespero. Logo ele, economista pós-graduado na França. Um dia perguntava o que estava escrito, outro dia mostrava o celular e dizia não conseguir saber que horas estava mostrando… Meu pai, meu ídolo, estava desaprendendo a ler e a contar.
Não é fácil. Fala-se muito pouco da carga adicional de cuidar de um familiar com demência. Não há melhora. Ao contrário, o Alzheimer faz com que a pessoa doente desaprenda, de forma confusa, aquilo que antes era tão elementar.
Sou cuidadora familiar dos pais fazem “apenas” sete anos, mas fui cuidadora de dois filhos, sem me dar conta do trabalho de cuidado por duas décadas.
Também sou professora de sala de aula há 41 anos, sendo especialista em alfabetização. Junto com mais duas amigas da rede pública do Distrito Federal (DF), Martha Scárdua e Relcy Caribé, desenvolvemos “O Pulo do Gato” um kit com 40 jogos para alfabetização e letramento recomendado pelo Guia de Tecnologias Educacionais do MEC (link aqui).
Utilizando essa experiência comecei a jogar com meu pai os jogos pedagógicos de alfabetização. Retomei com ele cada letra do alfabeto, jogos da memória com figura/palavra, jogos de completar as palavras, pontuar e escrever. Também pedia para as cuidadoras jogarem com ele em complemento ao Dominó, jogo que Ítalo brinca todos os dias.
Não há reversão do cérebro danificado. Não é que meu pai tenha desaprendido e depois reaprendeu a ler letras e números. O que havia era inconstância de performance. Ou seja, hora sabe, hora não sabe. Isso é desesperador pra quem cuida.
Meu pai não reaprendeu a ler. Mas o exercício com as letras, sílabas e palavras, está mantendo recursos de memória que têm ancorado o pouco de cognição que ainda não foi destruído pelo Alzheimer. Meu pai segue lendo pouco e lidando pouco com números. Quando ele consegue, nós dois ficamos felizes.
Só me permito dar opinião sobre aprendizagens e cognição em pessoas idosas com demência porque ocupo esse lugar de fala. Sou uma pesquisadora da área e cuidadora familiar que, de repente, descobriu novas reflexões críticas sobre cognição, aprendizagens, esquemas de pensamento, zona de desenvolvimento proximal e memória.
Para quem tem pessoas idosas na família, sugiro observá-las cuidadosamente. Pode ser que a irritação e confusão não seja escolha ou mau humor. Mas os primeiros sinais de alerta para a necessidade de cuidados.
Há sete anos, se eu tivesse mais informações por meio de grupos como o Coletivo, a vida seria diferente. Também ajudam programas televisivos e informações nas redes digitais, escolas e universidades. Eu não teria adoecido e estaríamos mais perto de uma Sociedade do Cuidado.
A situação não passaria a ser fácil. No entanto, compartilhar aprendizagens, saberes e soluções para o dia a dia ajuda a enfrentar o tema da provisão de cuidados. Nesse sentido, o grupo de WhatsApp do Coletivo é fundamental. Funciona todos os dias do ano há 05 anos com troca de informações e acolhimento.”
Na terça-feira, dia 19, acontecerá a edição de agosto do Programa de Entrevistas online Terceiras Intenções. A jornalista Mônica Carvalho entrevista ao vivo, das 19 às 20h, Rosa Marcucci que vai falar sobre os desafios do Programa de Acompanhamento de Idosos (PAI) de São Paulo. Link Aqui.

