A Vida, as Mulheres e o Pós-Carnaval

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Cosette Castro

Brasília- Apesar do Blog ser escrito em nome do Coletivo, o texto de hoje inclui uma dimensão pessoal. E dois convites.

Nasci no dia 08 de março, dia internacional da mulher. Embora tenha nascido às 10h da manhã, não foi um dia fácil. Cheguei brigando para ficar viva.

Resisti a pergunta que os médicos faziam na época: “é para salvar a mãe ou o bebê?” Apesar do desafio, ainda assim estou aqui.

O médico salvou mãe e filha em um país onde o coeficiente de mortalidade infantil era de 60,2 óbitos por mil nascidos vivos em 1961. Bem acima da média mundial. Em 2023 esse coeficiente era de12,5 óbitos (IBGE, 2023).

Nasci um ano antes da Lei nº 4.212/1962 que permitiu que mulheres casadas não precisassem mais da autorização do marido para trabalhar e para viajar (ir e voltar). Elas também passaram a ter direito a ter conta no banco, à herança e a chance de pedir a guarda dos filhos em casos de separação.

Nada caiu do céu. Atrás das Leis e de cada direito conquistado estavam os movimentos de mulheres e suas reivindicações.

Em 1962, a pílula anticoncepcional chegou ao Brasil. Minha mãe, como muitas outras mulheres, fez parte da primeira geração que pode decidir sobre ter (ou não) mais filhos. Foi assim que me tornei filha única. Ela pode escolher. Queria estudar e trabalhar.

Foi nos anos 60 as que as primeiras manifestações das mulheres por direitos passam a acontecer no dia 08 de março. Mas foi apenas em 1975 que a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu a data mundialmente.

Enquanto isso, passei por todas as reformas educacionais implementadas pela ditadura civil militar (1964- 1986). Tiraram filosofia, latim, grego e tudo mais que estimulasse compreender o mundo com mais profundidade.

Nem imaginava que livros foram tirados das salas de aula e das bibliotecas. Que jornais foram censurados. Ou que pessoas desapareciam da noite pro dia. Foi preciso chegar a universidade para conhecer o Brasil.

Na escola pública, professores e professoras corriam risco ao falar enquanto nós hasteávamos a bandeira, cantávamos o hino nacional e o hino do Rio Grande do Sul. Também decoramos “esse é um país que vai pra frente, ô, ô, ô, ô, ô”.

Desde aquela época, muito antes de conhecer a importância do 08 de março (8M) adorava o carnaval. Era alegria, liberdade e brincadeira na rua. Gostava muito mais do que os bailes de salão.

Na minha família, adultos e crianças também saíam fantasiados para rua. Nós, crianças, com restrição de horário. No máximo até 20h. Havia magia no ar e, no meu mundo infantil, as guerras eram apenas de confete, serpentina ou de pistolas de água.

Nem imaginava que havia associações carnavalescas e bailes só para brancos. Nem que o racismo estrutural era escandalosamente “naturalizado”. Esses temas não eram falados perto de crianças, nem das empregadas, negras ou pardas.

Foi preciso muitos anos de luta do movimento negro e do movimento de mulheres para que o racismo virasse crime. Isso aconteceu há 36 anos através da Lei 7716/1989. Já as Delegacias Especializadas na Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa, por Orientação Sexual, por Idade ou por Deficiência (Decrin) são ainda mais recentes. No DF, foram criadas em 2016.

Foram necessárias gerações de mulheres antes de nós irem às ruas enfrentando todo tipo de preconceitos. Inclusive tornar o feminismo quase um palavrão.

Ainda assim, elas sairam pelo direto a estudar (1827), pelo acesso às universidades (1879), pelo direito a votar (1932), pelo direito de ir e vir e pelo direito a trabalhar e ter conta bancária (1962) e pelo direito a usar cheque (1974).

E, principalmente, pelo direito a sermos consideradas iguais aos homens, o que ocorreu a partir da Constituição de 1988. Há apenas 37 anos.

Ainda há muito o que fazer. Seguimos lutando pelo fim da violência doméstica e contra o feminicídio. E, principalmente, pelo direito à vida em segurança e com qualidade de vida. Mas os dados ainda são aterrorizantes.    (Veja aqui)

Vivemos em um país onde, em 2024, aconteceram 11 mil partos decorrentes de violência sexual contra meninas menores de 14 anos. Onde mais de 70% dos familiares que deveriam proteger são os agressores sexuais. E são parte daqueles que não permitem o aborto legal, previsto em lei.

Vou completar 64 anos e sou grata por estar viva. Mas vivo em país etarista que fecha os olhos para o envelhecimento populacional e segue cultuando a eterna juventude.

Um país que ainda hojé é repleto de desigualdades, inclusive salarial entre homens e mulheres proibida em 2024, e de múltiplas violências. Como a sobrecarga física e emocional das mulheres que cuidam familiares sem remuneração, sem férias ou horário pra descansar.

Quem nunca escutou frases como “ela não trabalha. SÓ fica em casa”. Ou “Ela não trabalha. SÓ cuida”?

Por isso, hoje temos dois convites:
1) Sábado, dia 08/03 – Marcha das Mulheres 2025
Concentração: 13h na Torre de TV, em Brasília
Saída: 15h. Vamos levar a bandeira do Coletivo por uma Sociedade do Cuidado

2) Domingo, dia 09/03 – Pós-Carnaval 2025 do Bloco Filhas da Mãe junto com o Bloco do Rivotrio e o Coletivo dos Blocos da Saúde Mental DF
Concentração: a partir das 10h, no Mimo Bar ( Quadra comercial 205 Norte)
Saída para cortejo: a partir das 13h.

Pelo direito ao riso, a brincadeira e a ocupar a cidade.

Cosette Castro

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