Cosette Castro & José Leme Galvão Jr.
Brasília – Na próxima segunda-feira, 25/11, completará um mês que o artista plástico, arquiteto e literato Elder Rocha Lima foi pintar nas estrelas. Para comentar sobre sua obra convidamos outro arquiteto e artista plástico, José Leme Galvão Jr. (Soneca).
José Leme Galvão Jr. – “O conjunto da obra de Elder carrega essências no âmbito objetivo e subjetivo. A obra permanece, mas há no artista outras essências, outro conjunto ao qual costumamos chamar “alma”. Há o que poderíamos chamar de tecido fino, uma tênue camada – o presente -, onde o futuro se torna o passado. Sequer constitui um espaço.
Nada é mais perfeitamente laminado e entranhado e nesse lugar constituímos a infinitesimal matéria em que consiste a vida. Somos lâminas anfractuosas, quebradas, sombras perfeitas que habitam o eterno limiar entre o passado e o futuro. Mas a dádiva da memória permite viver voltados para o passado e pretender que exista um futuro.
Sempre no presente investigo: Será Elder desenhista, artista-arquiteto, paisagista, impressionista, expressionista? Mais do que tudo, Elder é um humanista. Como aprendiz procurei ler seu instrumental arquitetônico, logo depois das ficções de fonte vividas. E, por fim, das superfícies, tintas, penas e pincéis. E, além da obra, os modos de descrever e legar visões de mundo. O que (me) importa é a consequência da obra: um enorme mosaico luminoso e transparente. Um olhar bom, ético, estético, belo em uma estrutura de renascimentos pessoais. E a estrutura que a sustenta tem muitos componentes do fazer artístico, da pessoa, portanto.
Aponto alguns: gratidão, apreço e lealdade à beleza da paisagem, visível na natureza e dos rostos, composta em planos lisos e rugas, nas ilusões de movimentos fluidos, conjunto fractal e universal. Se trata da paisagem planaltina, sertaneja (e sertanejos) cerratense. Ou seja, dos que nascem ou vivem no cerrado. A que fundou sua pessoa, de antes apenas menino-gente para integrar-se socialmente à humanidade, para além dos regaços materno e paterno. Ele passou por vários ritos, daqueles da infância às descobertas sensuais, geométricas, das perdas advindas das conquistas e todo o aparato consabido.
Há também dedicação à estética, aos tons e espessuras das cores, aos espaços que se vê em voos de pássaro, de dentro para fora das janelas. Ou as próprias janelas, às expressões dos rostos e rimas humanas, nossas combinações limitadas nos fazem semelhantes, rimantes. É coirmã da ética e o exercício cada vez mais apurado de ambas traz qualidades que se pode sentir na obra e, claro, na pessoa. Presenciar obras assim contém sensações de autenticidade, de potência representativa, do vigor que nos acompanha desde as artes rupestres. Aqui só me ocorre o mistério da vontade que crispa a nuca dos artistas.
Afeição aos retornos por ser grato e não desistir do existir cultural, no movimento pendular natural entre o viver concentrado-ensimesmado e difuso-aberto. “O que a vida quer da gente é coragem”. Rendo-me ao brilho sertanejo de Riobaldo/Guimarães Rosa entre as peripécias da vida, mas sem perder o rumo. Há esse retorno destinado à reinaugurações do cerrado, dos lugares vívidos, paisagens mais comemoradas que relembradas. Aqui só me ocorrem os mistérios movidos a nostalgia.
Apuro lenhoso com sabor a pequi, esse entremeado filtrante de cascas, capins, folhas obscuras, ramos incertos, flores sucintas, azuis impositivos, luzes tardias, traços restantes. Esboço cru encruado, verões pojados, nímias secas setembrinas, voo fugaz da perdiz, lodo escuro, terra fértil e austera, paredes enraizadas, lugares aos quais foi pedida licença de viver e resistir. A estrutura da obra se assenta exatamente como o cerrado mareal, aqui e ali circunscrito em ruas e estradas antigas ou dissimuladas no consentimento aos humanos naturais. Aqui só me ocorrem as veredas de buritis, nada mais espetacular na escala cerratense.
O artista/escritor/arquiteto é uma combinação do novo homem urbano de Goiás dos anos 50 com o que se fez modernista e voltou ao berço. O olhar moderno intelectual, maiormente arquitetônico, quase sempre rigoroso e austero, ao reviver o cerrado declinou de retificar as coisas tortas da vida e da natureza que filtrou em sua arte. Pode ser que seja sabedoria de meninos.
Agora vem a falta, a lacuna, a tristeza proporcional à grandeza. Humanos tem lirismo inato. Algumas vezes evoluem permanentemente alertas aos sonhos, onde há um tipo de solidão que vem de criança, sem se isolar, mas desolar-se. Acredito que pela eterna perda das possibilidades do futuro filtrado pelo presente. Nesse viver há um caminhar real, prazeroso e tenso, que nos concede ventura e aventura, mas exige ética e suas filhas estética, moral, generosidade, civilidade e que resulta em flores e frutos de gratidão.
O Elder obreiro e mestre levava em seu bornal o pathé ou percepção natural para reproduzir com realismo os lugares e as pessoas que eram todos e todas. Não havia desvios na ficção cheia de identidades vistas e ouvidas, sendo todas e nenhuma em particular.
Com ele a gente passa por dentro de largas veredas e delas quase tudo vê, mesmo que a trilha deixada seja do mesmo tamanho das pisadas, dos quadris, dos talos quebrados e dos quatis. Os caminhos do cerrado no mais das vezes são trilhos dispersos, mas em rumo determinado, igual fio cardado. Assim ao cerratense apresentam-se chances, possibilidades, que se pode ou não agarrar e sustentar nos caminhos e descaminhos da vida. É admirável e somos gratos.
PS: Este texto foi editado, pois o original é muito maior que o espaço do Blog.
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