O Quarto ao Lado de Todos Nós

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Cosette Castro

Brasília – Em tempos de negação constante da morte, o filme O Quarto ao Lado, de Pedro Almodovar, é um delicado convite para encarar de frente a finitude.

O cineasta espanhol ficou conhecido por seus filmes passionais, dramáticos, que contêm um humor próprio em meio a violências e segredos familiares. Em sua maturidade, ele apresenta ao mundo mais uma obra de arte.

Almodovar presenteia as audiências com uma ode à vida com dignidade, à amizade e ao amor fraterno em meio a morte.

O filme é a primeira obra do diretor, roteirista e ator rodada nos Estados Unidos. Mais especificamente em Nova Iorque. Embora seja protagonizado por Julianne Moore (Ingrid) e Tilda Swinton (Martha) e conte com a presença de um desencantado John Turturro (Damian), o filme está rodeado pela presença de atores espanhóis.

Aos 75 anos, Almodovar mostra um filme mais comedido, como o tema exige, e ao mesmo tempo, impecável. Não há uma cena, diálogo ou música a mais na obra de 1h e 47 minutos. Ao mesmo tempo possui profundidade dramática e a força da atuação de duas atrizes impecáveis.

O diretor arrebata as audiências com deliciosas cenas de Nova Iorque e com as cores e tons do inverno, a estação da introspecção e do recolhimento. Apesar de se tratar de um tema que gera debates, Almodovar é conciso. Em nenhum momento resvala. Não há excessos.

Baseado no livro O que Você Está Enfrentando da respeitada escritora estadunidense Sigrid Nunez, o filme vai além da reflexão sobre a morte individual. Aponta também para a morte da natureza e da vida como a conhecemos em consequencia da crise climática.

Há outras camadas no filme. Indiretamente Almodovar nos lembra da morte do sonho de paz e amor no país mais bélico do mundo.

O diretor leva às audiências literalmente de volta a Woodstock, no estado de Nova Iorque, onde, em 1969, aconteceu o mais emblemático festival de música dos Estados Unidos. E o faz sem uma única referência ao tema.

O festival, que mudou os rumos da música mundial, reuniu mais de 400 mil pessoas durante quatro dias. Em tempos de guerra do Vietnan, elas celebraram a tolerância, o amor e a solidariedade em um país que estimula diariamente o individualismo, a competição e a meritocracia.

O filme por sua vez reforça a importância das relações de amizade no decorrer da vida. Trata de relações difíceis entre mães e filhas sem colocar panos quentes. E mostra a importância de contar com pessoas amigas em nossos momentos mais desafiadores, inclusive na morte. Do lado de quem fica, descortina a força da amorosidade ultrapassando medos e dúvidas.

Aparentemente o tema da obra é a eutanásia. No entanto, seria uma lástima relegar o filme apenas à discussão ético-religiosa ou jurídica. A obra de Almodovar fala fundo sobre a vida e sobre a finitude. E, sobretudo sobre o direito à dignidade em todas as fases da vida, inclusive no momento da morte.

O diretor espanhol nos mostra a vida em meio a morte anunciada. E o faz com delicadezas, como o colorido das roupas de Martha, uma jornalista que passou a vida em meio a morte,  fazendo coberturas de guerra. Uma mulher que decide como lidar com a sua própria guerra vivendo da melhor maneira possível os últimos momentos.

PS: Esse não é um tema fácil para quem cuida de um familiar com  doença sem cura, com as demências,  síndrome neurodegenerativa progressiva que tira do paciente o bem mais precioso: a memória. Ainda assim, merece ser assistido.

PS 2: Sim, o filme pode causar desconforto. Mas a personagem de Julianne Moore representa todas pessoas que amam a vida e sentem medo frente a um tema tão difícil e pouco falado.

Cosette Castro

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