O Brasil e a Herança Africana

Publicado em Herança Africana

Cosette Castro

Brasília – Este foi um fim de semana especial. Começou o novembro negro que culmina no Dia da Consciência Negra, dia 20.

A data se tornou feriado em todo o Brasil em dezembro do ano passado, sancionado pelo presidente Lula.

Até então apenas seis estados do país comemoravam o feriado do dia da consciencia negra e a homenagem a Zumbi dos Palmares, símbolo de resistência contra a escravização da população negra, morto em 20/11. O Quilombo dos Palmares, localizado na Serra da Barriga, em Alagoas,  resistiu às tropas coloniais por 95 anos.

E no domingo, dia 03, a redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) foi sobre os “Desafios para a Valorização da Herança Africana no Brasil”. Mais de 4,3 milhões de pessoas refletiram e escreveram sobre a herança africana.

Logo após o anúncio do tema, a notícia se espalhou pelo país gerando conversas e debates. Trata-se de um passo a mais para enfrentar o racismo estrutural, para valorizar e tirar da invisibilidade a herança africana na formação brasileira.

Embora muitas pessoas sequer se deem conta, ela está presente no vocabulário, na alimentação, na música, na dança, no vestuário, nas diferentes manifestações religiosas, nas festas do país, na pesquisa e na intelectualidade brasileira.

O que seria do país sem o samba, o chorinho, o maxixe, o maracatu, o congo e o coco? E sem o carnaval que mobiliza e leva às ruas milhões de pessoas de Norte a Sul?

Ou sem instrumentos como o atabaque, o berimbau, o reco-reco, o agogô ou o afoxé que enriquecem a variedade musical do país?

O que seria de nós sem artistas como Chiquinha Gonzaga, Cartola, Pixinguinha, Elza Soares, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Paulinho da Viola,  Liniker, Ellen Oléria, Seu Jorge, Emicida, Os Racionais, Martinha do Coco, entre muitos outras e outros?

O que seria dos brasileiros e as brasileiras sem a feijoada, elaborada com pedaços de carne que os brancos não comiam, sem o cuscuz, o acarajé, o vatapá, a cocada, a canjica ou o azeite de dendê?

Ou da moda brasileira sem a herança africana nas cores, bordados, estampa e acessórios? (Imagino um país muito sem graça e alegria).

O que seria do português, sem palavras como caçula, moleque, fubá, quitanda, samba, dengo, cafuné ou farofa? É também uma boa oportunidade de conhecer o Pretuguês. O termo foi cunhado pela pesquisadora Lelia González, uma das principais intelectuais negras do país, para se referir à influência que os idiomas africanos têm no Português falado no Brasil.

O que seria de nós sem escritoras incríveis como Maria Firmina dos Reis (século XIX), Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo,  Elisa Lucindo, Ana Maria Gonçalves, Cristiane Sobral, Jarrid Arraes ou Djamila Ribeiro, entre muitas outras? Ou escritores como  Machado de Assis, Cruz e Souza (século XIX) , Joel Rufino dos Santos, Paulo Lins, Abdias do Nascimento, Jeferson Tenório?

O que seria do Brasil sem a potência intelectual de Antonieta de Barros, Beatriz Nascimento,  Suely Carneiro, Luiza Bairros, Maria de Lourdes Vale do Nascimento, Virgínia Bicudo, Luiza Mahin, Antonieta de Barros, Tereza Santos, entre outras?

O que seria de nós sem a diversidade religiosa proporcionada pela umbanda e pelo candomblé? Sem as festas em todo o país em homenagem a Yemanjá, Oxum ou Xangô? Sem essa visão de espiritualidade diretamente relacionada  à natureza?

Vivemos em um país onde 54% da população é negra, com importância histórica em todas as lutas que garantiram a democracia e as conquistas constitucionais em busca da igualdade social, racial e de gênero.

A herança africana é parte estrutural da formação do Brasil, mesmo que muitos prefiram seguir olhando apenas para fora, para as influências europeias e estadunidense, essencialmente brancas e colonialistas. Ao fechar os olhos para a população negra, reforçam a Sociedade da Violência que convive placidamente com a desigualdade social, racial, de gênero e de idade.

Políticas públicas e ações afirmativas são necessárias para garantir o fim do racismo. Entre elas a educação sobre  diversidade e a aplicação da lei do ensino de História da Cultura Afrobrasileira e Indígena em todas as escolas. A lei cotas, por sua vez, está ampliando a participação negra em todos os setores. Oportunidades iguais são essenciais, porque as desigualdades atingem, majoritariamente, a população negra, em especial as mulheres.

Da nossa parte, é possível contribuir praticando diariamente o antirracismo para construir uma Sociedade do Cuidado.

 

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