Cosette Castro
Brasília – Seis anos, sete meses e 17 dias. A Justiça é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas chega.
Esse foi o tempo que demorou para que os assassinos da vereadora Marielle Franco (PSOL/RJ) e do motorista Anderson Gomes fossem punidos pela justiça através de juri popular.
A frase da juíza Julia Glioche sobre a justiça vai ficar na memória da população brasileira. Ela não reduz a dor da família, mas traz reparação a um crime de violência política de gênero que teve ampla mobilização nacional e repercussão internacional. Foi mais uma violência contra as mulheres, desta vez uma política mulher, no país onde o número de feminicídios chegou a 1.463 casos em 2023.
Marielle Franco, a quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro nas eleições de 2017, era uma mulher negra, socióloga, ativista e lésbica, que cresceu na favela da Maré. Ela lutou contra as injustiças sociais e denunciou o abuso de autoridade policial contra moradores de comunidades carentes. Marielle lutou contra pessoas que acreditam estar acima da lei. Não estão.
Justiça seria Marielle e Anderson estarem vivos. Mas eles foram assassinados a tiros em plena luz do dia no centro do Rio de Janeiro. Ainda falta julgar os mandantes, os imãos Domingos e Chiquinho Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa, presos desde março de 2024. E falta coibir a violência policial praticada contra a população mais fragilizada, em especial a juventude negra em todo o país.
Foto Bernardo Guerreiro – Mídia Ninja
Entre 2021 e 2023, o Brasil registrou a morte violenta intencional de 15.101 crianças e adolescentes, com uma média de 13,5 mortes por dia no ano passado. Jovens negros representam o maior número de vítimas e a faixa entre os 15 a 19 anos é a mais atingida. Garotos somam 92,4% das mortes, contra 7,6% das meninas. E 83,6% dos jovens mortos são da raça negra, contra 16% da raça branca. Ou seja, as mortes estão relacionadas à violência racial no país.
Os dados são do Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, um estudo divulgado em agosto deste ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Marielle e seu Legado
A morte de Marielle Franco não foi em vão.
Ela deixou sementes entre mulheres de todas as idades, raças e regiões do país. Essas sementes crescem e dão frutos em defesa de um país sem desigualdade social e, principalmente, sem preconceitos de todos os tipos, entre eles o racismo e a misoginia. Como declarou a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, irmã de Marielle, o seu maior legado “é a prova de que mulheres, pessoas negras e faveladas, quando chegam nos seus postos, merecem permanecer vivas”.
Em 2024 a Lei nº 14.192/2021, que alterou o Código Eleitoral e tornou crime a violência política de gênero, completou três anos. A lei estabelece regras jurídicas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher nos espaços e nas atividades relacionadas ao exercício de seus direitos políticos. Além disso, o Disque 100 do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania é um canal de denúncia para todo tipo de violência e preconceito.
No Coletivo Filhas da Mãe consideramos que a justiça é essencial para garantir a democracia, para sair da Sociedade da Violência e para construir uma Sociedade do Cuidado para todas as idades.
PS: Em 2023 o Coletivo Filhas da Mãe recebeu o prêmio Marielle Franco de Direitos Humanos/ CLDF pelo trabalho realizado em defesa das pessoas que cuidam sem remuneração.