Sobre Gente Entre  Enchentes

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Cosette Castro & Daniela Stein

Brasília – Há seis meses, no final de abril, as instituições que trabalham com clima anunciaram o risco de enchentes no Rio Grande do Sul.

Os alertas não foram suficientes para que a Prefeitura de Porto Alegre e o governo do Estado tomassem medidas a tempo para proteger a população. Sequer a Defesa Civil foi organizada e acionada a tempo.

Em maio, o Brasil assistiu estarrecido a maior enchente do Estado, considerada um dos piores desastres climáticos do país. As enchentes atingiram mais de 2, 4 milhões de pessoas, quase 500 mil precisaram deixar suas casas e houve 183 mortes.

As consequências de curto, médio e longo prazo para toda população seguem presentes e se manifestam de forma física e emocional. A cada chuva e temporal, volta o medo. Um medo que se tornou coletivo.

Nesta edição convidamos Daniela Stein, gerontóloga e educadora física gaúcha para dar seu depoimento sobre o tema.

Daniela Stein – “Fui convidada para escrever sobre a enchente histórica que abateu o Rio Grande do Sul há quase seis meses. Fiquei dias pensando sobre o tema e voltei no tempo.

Há 10 anos, em 2014, tivemos na grande Porto Alegre, cidades extremamente afetadas e inundadas em vários pontos, entre elas Canoas, Novo Hamburgo, Alvorada e toda ilha dos Marinheiros e da Pintada.

Na época, observando a realidade e o desamparo das pessoas, meu marido e eu montamos um mutirão. Com outros parceiros, organizamos a logística e durante dois meses fomos, de carro, ajudar quem tinha perdido tudo. Foi uma aventura solidária, mas não podíamos ficar parados, olhando a situação de pessoas que, sem condições, abandonavam suas casas. Elas conseguiam sair só de barco, quando havia. E nem sempre a ajuda chegava em suas casas.

A tragédia sempre dá sinais. Sempre. O descaso oficial, as perdas, o desespero das pessoas já eram uma previa anunciada do que aconteceria em 2016 e, infelizmente, da catástrofe que o Brasil todo assistiu em 2024.

Com as medidas para desastres naturais deixadas de lado, foram as pessoas anônimas, através de personagens como Scooby, Guegos e Pablos, que reagiram rapidamente. Foram elas e eles, e também os movimentos sociais, que fizeram o que deveria ser feito (e não foi) pela população que mais precisava. Fomos nós, população, que solidariamente buscamos agir e solucionar rapidamente.

Precisamos falar e escrever sobre uma sociedade que necessita acordar enquanto civilização, que também é responsável pela proteção do meio ambiente, o mesmo que também nos protege.

Não devemos normalizar as catástrofes e assistir de casa como se fosse um reality show. É dramático. Não é o Show da Vida.

O que assistimos foram vidas que perderam tudo sendo violentadas mais uma vez, agora pela ausência de agilidade, de ações que se perdiam pela burocracia. Vimos a população que foi afetada, de A a Z, massacrada durante e após as enchentes.

Nossas reservas, em toda a sua condição, foram testadas em limites nunca vividos. Essas reservas incluem questões pessoais, físicas, emocionais, financeiras. E também coletiva, sobre os limites do que podíamos fazer.

Quanto mais vai ser preciso para reverter a tragédia anunciada e transformar as enchentes em símbolo de gente que não aceita inundar sua dignidade para ter direitos de verdade?

A tragédia poderia ser evitada? Sim. E a maioria dos especialistas também dizem que sim.

Em nível pessoal e coletivo ainda sofremos as consequências.  E nem estou me referindo ao meio ambiente ou às questões econômicas.  Me refiro às pessoas. O estresse e as perdas são intangíveis.

É constrangedor ver a dor da nossa gente e sentir impotência, sabendo que ainda há muito a ser feito e saber as consequências das enchentes que serão sentidas a médio prazo.

Mas sigo resiliente e acredito em nossa brava gente. Avante RS… Avante.”

No Coletivo Filhas da Mãe ouvimos relatos, acompanhamos as informações da mídia e dos especialistas. Eles apontam que a tragedia ambiental poderia ter sido evitada. Não foi e as consequências são visíveis.

A cada chuva forte  em Porto Alegre vários bairros ainda ficam alagados. Já as demais cidades  gaúchas estão se recuperando aos poucos com a ajuda de 98,7 bilhões a ações emergenciais e recursos para reconstrução de infraestrutura e de apoio à população e empresários enviadas pelo governo Lula.

No nível individual, no entanto, é preciso reforçar a saúde mental da população. É preciso cuidado coletivo. Muitas pessoas seguem precisando de acolhimento, pois apresentam sinais de estresse pós-traumático. Tem gente que não dorme depois de ouvir barulho de sirene, de helicóptero. Tem quem ainda tenha crises de choro. Outras pessoas, independente da idade, começam a tremer com barulho de trovões ou ameaça de chuva. Até quando?

Cosette Castro

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