Cosette Castro
Brasília – Está se aproximando mais um dia das mães. É um domingo que, apesar dos festejos, pode ser complexo para muitas pessoas.
Nem sempre é fácil pensar em comemoração quando se tem uma mãe com demência e ela não lembra mais da gente.
Na última fase da demência, por exemplo, muitas de nós cuidamos de uma mãe praticamente sem memória. Ainda assim, nos agarramos aos resquícios. Aos segundos de lucidez que se esvaem rapidamente.
São esses segundos que nos garantem que, em algum lugar, ainda existimos para elas.
Sim, queremos continuar existindo para nossas mães, assim como elas seguem existindo dentro de nós. Existir para elas é uma forma de existir para o mundo. E também uma forma de nos sentirmos amadas.
É um desafio diário ver a pessoa que nos deu a vida definhar e viver em um mundo que vai desmoronando. Muitas vezes é difícil entender que todas as referências e lembranças compartilhadas vão deixando de existir.
Tampouco é fácil o período logo depois que a mãe, que quase nem lembrava de nós, morre. Em geral ficamos com grandes vazios e algumas possíveis revelações sobre nós mesmas.
Há o luto misturado com culpa de “não ter feito mais”. Como se fosse possível exigir ainda mais de nós mesmas.
Há uma raiva escondida que revela frustração e impotência.
Há um pensamento mágico aliado ao desejo de que o amor filial seja suficiente para salvar nossa mãe. Não é. Isso expõe nossa fragilidade, além de nos colocar frente a frente com a própria finitude.
Há a tristeza da orfandade, independente da idade biológica de cada uma de nós. Frente à morte, não chora apenas a mulher adulta ou idosa, mas também a criança que vive em nós.
Por outro lado, existe também um sentimento de alívio, nem sempre reconhecido, pelo descanso da mãe doente. E pelo nosso próprio descanso.
No meu caso, hoje já não há um corpo como referência. Somente algumas fotos. E, às vezes, uns vídeos. Nem sempre são de boas lembranças. Mas são as lembranças possíveis.
No domingo é dia de comemorar também nossa ancestralidade e todas as mulheres que vieram antes. Foram elas que tornaram nossa vida possível.
E se você é mãe, o domingo é dia de comemorar a vida, o hoje e o futuro. Mesmo em situações dramáticas, como as enchentes no Rio Grande do Sul. Porque, apesar das perdas, ainda há vida.
Mais Sobre o Dia das Mães
Esta semana li dois textos sobre o dia das mães que me emocionaram de diferentes maneiras.
Eles são absolutamente diferentes, mas têm uma coisa em comum: falam sobre cuidado e sobre maternagem.
A pessoa que materna não precisa ser uma mãe biológica, mas é aquela que cuida e acolhe, mesmo de longe. É aquela que nos dá segurança para crescer, aceitar quem somos e que ajuda a seguir em frente em distintas etapas da vida.
Como nos lembra a psicanalista Vera Iaconelli no texto “ Dia das Guardiãs do Cuidado“, existe uma distorção na expressão “mãe só tem uma”. Podemos ter várias mães do decorrer da vida.
A maternagem pode ser uma escolha afetiva, como lembra Diego Felix Miguel, gerontólogo, no texto “Para as Filhas da Madonna”, onde conta a importância de Madonna para a população LGBTQIAP+.
Podemos ser mãe para outras pessoas. E nem sempre sabemos que fomos agraciadas com essa maternagem, como ocorre na relação entre alunas e professoras, entre chefias acolhedoras e subordinadas ou mesmo com grandes artistas, como Madonna.
Em meio a tudo isso, Iaconelli recorda que fomos criadas em uma ética do cuidado dentro de uma sociedade que despreza o cuidado. Apesar do paradoxo, ela nos convida a transmitir a centralidade do cuidado também para os homens.
Não é por acaso que o Coletivo Filhas da Mãe propõe uma Sociedade do Cuidado com corresponsabilidade em múltiplas dimensões, incluindo os homens.
SOS RS
Em meio à tragédia gaúcha, o Brasil se tornou um mar solidário que se estende de Norte a Sul, de Leste a Oeste.
É um orgulho ser brasileira e acompanhar o espírito comunitário crescendo, apesar da circulação de fake news e tentativas de golpes digitais.
Este também é um momento importante para pensar e debater sobre o tipo de meio ambiente que queremos viver. E pensar qual legado ambiental queremos deixar para as próximas gerações. Não podemos mais deixar para depois. O silêncio também é uma resposta.