08 de Março e a Sociedade do Cuidado

Publicado em mulheres

Cosette Castro & Natalia Duarte

Brasília – Hoje é 08 de março, Dia Internacional da Mulher. Uma data muito especial.

Enquanto me recupero  dos sintomas de Covid-19 e permaneço em isolamento, compartilho o Blog com Natalia Duarte. Ela é professora da UnB e uma das Coordenadoras do Coletivo Filhas da Mãe.

Somos um coletivo feito de mulheres cuidadoras familiares e temos muito a falar sobre cuidados e sobre mulheres. Consideramos mulheres todas as pessoas que assim se identificam. Ou seja, acolhemos todos os corpos e desejos, sem discriminar ninguém.

O Coletivo Filhas da Mãe apoia cuidadoras familiares de pessoas com demência. Consideramos o direito ao cuidado, a  cuidar e ao autocuidado como direitos humanos, independente da idade.

Somos uma rede de apoio que surgiu em dezembro de 2019 para tirar as mulheres cuidadoras da invisibilidade. E para garantir que ninguém solta a mão de ninguém.

Estamos aqui para denunciar, acolher e enfrentar  a sobrecarga física e emocional que acomete todas as famílias de pessoas com demências, em especial as mulheres.

Independentemente de quem cuidam, são elas que cuidam desde crianças de irmãs e irmãos mais novos para que 55% das mulheres chefes de família  no Brasil possam ir trabalhar. Elas também cuidam pessoas mais novas ou mais velhas na adolescência e na juventude quando deveriam ser cuidadas.

Mulheres seguem cuidando na vida adulta. E mesmo após os 60, 70 e  até 80 anos.  De duas e até três gerações. E, às vezes, acreditam que a “vida é assim mesmo. Nascemos para cuidar”. Não é!

Estimulamos a corresponsabilidade  dos homens na atividade do cuidado familiar, como manda a Constituição Federal. E a corresponsabilidade do Estado. Um  Estado que  historicamente se omitiu no cuidado coletivo e das pessoas mais fragilizadas.

Atuamos em várias frentes, com ênfase no cuidado e no estímulo ao  autocuidado.

Acreditamos que informação é um direito humano. E trabalhamos com mobilização, participação social e promoção de atividades culturais, sociais e formativas.

Hoje, vamos celebrar com informações o dia e os direitos das mulheres.

Segundo pesquisa da Desigualdades da OXFAM (2024), o trabalho  invisível de cuidado e não pago às mulheres subsidiou a economia mundial em pelo menos 10,8 trilhões de dólares anuais – valor superior a soma da riqueza das 10 maiores corporações mundiais.

Ou seja, cada vez que uma mulher cuida gratuitamente de alguém ou realiza atividades domésticas, a economia e o Estado economizam com o seu trabalho. Deixam de cumprir a sua função de realizar o cuidado coletivo da população.

Falar de cuidado é falar de vida e de cuidadoras de todas as idades, presas em um trabalho silencioso. Uma atividade sem remuneração que perpassa todas as gerações de mulheres. É falar de violências e das condições para o cuidado.

Ao contrário do que o mundo dos homens nos ensinou, a ideia de cuidado gratuito como algo inerente ao feminino  é fruto de muita violência, não de uma escolha pessoal.

Mesmo no berço europeu de nossa sociedade, o cuidado era coletivo e compartilhado entre as pessoas nas diferentes fases da vida.

Torná-lo responsabilidade exclusiva da mulher foi obra de muita violência e apagamento durante séculos.

Basta lembrar da caça às bruxas que tirou as mulheres das atividades de trabalho remunerado na Idade Média e séculos seguintes, para trancafiá-las dentro de casa. Isso ocorreu nos países europeus e também nos países colonizados, como  o Brasil.  Práticas genocidas e repletas de violências, como as que ocorrem contra as mulheres negras e indígenas, ocorrem até hoje. E violam ainda mais os direitos das mulheres.

O mercado de trabalho para as mulheres repete as diferenças.

É caracterizado por salários menores que os homens para o mesmo cargo, por “brincadeiras”, assédio e abuso sistemáticos.

Como passam a vida responsáveis pelo cuidado familiar e doméstico, muitas mulheres precisam recorrer ao  trabalho informal, temporário e  sem direitos sociais. Essa fragilidade alimenta a violência de gênero.

Para além do cuidado familiar,  na base dessa pirâmide do mercado de trabalho,  estão outras mulheres invisíveis: as cuidadoras profissionais, que até hoje não tiveram a sua profissão reconhecida.

Vivemos em uma Sociedade da Violência que começa com as ameaças em casa e muitas vezes chega ao feminicídio. Os números mostram que o Brasil é um país perigoso para as mulheres.

Por isso é tão importante o Dia Internacional da Mulher. É mais um passo para construir uma Sociedade do Cuidado inclusiva, respeitando as diferenças.

Por isso é tão pedagógica a presença de mulheres em espaços públicos, de gestão e liderança. Somos exemplo para as futuras gerações.

Por isso é essencial falar e escrever sobre  cuidado. E por isso precisamos apoiar as mulheres que reivindicam direitos, políticas públicas e mudanças.

As cuidadoras familiares, que trabalham gratuitamente dia após dia, representam 82% da atividade de cuidado no Brasil. Como já escrevemos antes,  há um exército de mulheres espalhadas pelo Brasil que constituem mão de obra sem remuneração. Precisamos mudar essa realidade. O 08 de Março é um primeiro passo para a transformação.

Em tempos de reconstrução de direitos sociais, nós, do Coletivo Filhas da Mãe, estamos aqui para lembrar da importância da construção de políticas de cuidado, da valorização das cuidadoras e de seus direitos.

Mesmo cuidando, seguimos lutando. Há muito que sabemos que nenhum direito cai do céu.

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