Cosette Castro
Brasília – Tenho um cachorro da raça Yorkshire com quem converso muito. Pipo é o que se pode chamar de um bom companheiro de quatro patas.
Saio com ele duas vezes ao dia. Não por muito tempo, pois ele é um mini Yorkshire e cansa rápido. Já descartei a idéia de levá-lo nas caminhadas diárias mais longas porque ele não da conta de andar 05 quilômetros. Depois de uns 10, 15 minutos empaca e já quer ir para o colo. Mas essas duas saídas diárias me ajudam a olhar ao redor, as árvores e o bairro e parar para conversar com vizinhos e vizinhas, com ou sem cachorros.
Da minha parte, converso seriamente com Pipo sobre sua relação com as fêmeas.
O relacionamento com elas em geral é breve e conflituoso. Começa bem. Cheiradas para lá e pra cá. Rabinhos abanando. Às vezes há até promessa de namoro, mas Pipo logo rosna para a cachorrinha, mesmo para as Yorkshires, medias ou minis. E até late. Tiro ele depressa antes que tenha denúncia de violência canina.
Já chega o que a maior parte dos homens fazem com as mulheres. Falando mais alto, gritando e impedindo que as mulheres se manifestem em igualdade de direitos. Muitas vezes somos chamadas de loucas, histéricas, mal amadas. Diferentes nomes de desqualificar a nossa fala.
Enquanto caminhamos tento explicar ao Pipo sobre a importância de tratar bem as fêmeas. Nada de agressividade, de violência verbal nem psicológica. Muito menos ameaças, rosnados ou latidos. Nem de jogar sua irritação em cima delas. Mas às vezes, Pipo parece mudo, cego e surdo. Só enxerga a si mesmo.
Apesar de seu desejo de se relacionar com as fêmeas, Pipo tem estabelecido contatos tóxicos fazendo com que as cachorras fujam dele. Se eu fosse uma fêmea de quatro patas, também fugiria.
Tenho dito para o Pipo que, se existisse Lei Maria da Penha canina, ele seria enquadrado e eu não pagaria advogado de defesa. Mas parece que ele ainda não entendeu do que se trata. Ou acredita que sairá impune, como ocorre com muitos homens de Norte a Sul do Brasil.
Pipo tampouco respeita as cachorras mais velhas. Outro dia encontramos a Lili, uma simpática Yorkshire de 15 anos. Ela teria em torno de 105 anos, se fosse humana. Lili abanou o rabinho e estava pronta para brincar. Pipo abanou o rabo, mas ele não quis conversa. Era só o que faltava. Pipo preconceituoso, cometendo etarismo. Logo ele que tem 09 anos. Ou seja, 63 anos, na correspondência com a idade humana.
Até pensei que Pipo pudesse preferir relações com cachorros machos. Mero engano. Ele é territorialista e gosta de pensar que é um macho alfa, apesar de seu 1,8 quilos.
Se ele encontra cachorros machos pela frente, não importa o tamanho, já começa a rosnar e latir. E aí volto rapidamente a conversar com ele. Na rua mesmo.
Pipo não se importa se o cachorro que está se aproximando é um Pastor Alemão ou um Pitbull. Ontem mesmo encontramos dois machos levados na coleira por uma pessoa. Tento mostrar ao Pipo que há uma diferença entre a intenção de proteger a humana que está ao seu lado e colocar a sua vida canina em risco. Pipo segue latindo e eu saio depressa da rota dos cachorros grandes. Vá saber…
Converso com Pipo dentro de casa também. Principalmente em relação à comida. Nessas ocasiões, ele realmente acredita que pode comer como um Pastor Belga, apesar do seu tamanho. Não dá, mas ele faz todo tipo de chantagem possível para ganhar um pouco mais de comida além da ração diária.
Como os seres humanos, Pipo também tem qualidades.
É um cão carinhoso. Em geral gosta de ficar junto comigo quando atendo pacientes on line. Como sabe que a sessão de 50 minutos consiste em uma escuta atenta e especializada, fica quieto no colo. É a sua versão Cãoterapeuta que as/os pacientes adoram.
Além disso, Pipo é um cão de guarda. Escuta quando estaciono o carro embaixo do prédio e já começa a latir. E late para todas as pessoas que passam no corredor. Eu tento agradecer pela sua preocupação e cuidado, mas no fundo, bem no fundo, às vezes tenho vontade de atirá-lo pela janela.
Depois lembro estamos juntos há sete anos e não existem relações perfeitas. De nenhum nível, humanas ou caninas.
Pipo chegou aqui em casa com quase dois anos depois de sofrer maltratos por uns dois meses. Ele tremia e tinha medo quando tentei me aproximar pela primeira vez. Dei alguns dias para ele se acostumar comigo e aprender a confiar. Nem sempre é fácil, pois alguns vínculos são estabelecidos de forma violenta e dolorosa. E tem quem acredite que isso pode ser chamado de amor. Não é.
Confiança e cuidado são elementos básicos para estabelecer o vínculo afetivo, independente se os seres tem duas ou quatro patas.
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