Quantos Natais Você Já Viveu?

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Cosette Castro

Brasília – Aos 62 anos já vivi muitos Natais.

Gostava dos Natais da infância, adolescência e até o início da vida adulta. Eles foram rodeados de família, troca de presentes, árvores de Natal, enfeites e luzes. Não faltava a visita de Papai Noel e brincadeiras que me encantaram ao longo dos anos.

É bem verdade que, depois da morte do meu pai, em março de 1998, os Natais mudaram de cor. O vermelho perdeu um pouco do brilho. Ele era o nosso Papai Noel e também o de outras famílias no prédio onde meus pais moravam em Porto Alegre.

Meu pai trazia alegria para crianças que não tinham avós ou que as famílias moravam longe. E, como síndico, acolhia adultos, casais e pessoas idosas solitárias. Estava acostumado a escutar. Até dois meses antes de morrer ele foi voluntário do Centro de Valorização da Vida ( CVV). E sabia o quanto o Natal e o Ano Novo podia ser difícil para algumas pessoas.

Depois de adulta, vivi muitos outros Natais. Adaptei os Natais da infância para as festas com minha filha. E tentei mostrar a ela que, para além dos presentes e das brincadeiras, havia um sentimento de solidariedade que valia a pena ser vivido e estimulado.

Nesses muitos outros Natais, aprendi, principalmente, que os meus costumes não eram os únicos que existiam. E aprendi a respeitá-los.

Houve um ano que passei com uma família de origem judaica. E descobri um mundo diferente do meu. Essa parte do mundo não parava suas atividades por causa das festas cristãs. E sou grata por ter sido recebida de portas abertas.

Passei quatro Natais em Barcelona, na Espanha, onde a grande festa e a troca de presentes ocorre no dia de Reis, em 06 de janeiro.

Ao entardecer do dia 05, apesar do inverno rigoroso, as pessoas vão para as ruas assistir a Cavalgada dos Reis.

Crianças, adolescentes e adultos esperam que os Reis Magos cheguem. O cortejo sai do mar e percorre o centro da cidade com direito à balas e doces jogados dos carros alegóricos. Minha filha adorou os novos costumes.

Eram duas festas em poucos dias. Enquanto no Brasil as famílias se preparavam para desmontar a árvore de Natal e tirar as luzes e enfeites, nós seguíamos celebrando a vida.

Já passei Natal com amigos sem religião que gostam da ceia, de estar juntos, conversar, de beber e trocar presentes. Com eles dei muita risada.

Também passei Natais tristes. Um deles ocorreu logo após uma separação amorosa. E foi nesse momento que a família e as amigas deram o melhor presente: estar ao meu lado.

Um dos Natais mais duros aconteceu em Brasília, no auge da pandemia.

Faltavam nove dias para o Natal de 2020 quando minha mãe, que tinha Alzheimer, arrancou a sonda gástrica, conhecida como gastrostomia (GTT). O estômago fecha rápido, em duas horas. Era preciso levá-la pro hospital.

Eu não sei do que tinha mais medo. De entrar no hospital em meio a pandemia ou de não ver minha mãe sair do hospital. Só sabia que tinha medo. Mesmo com medo, me “armei” com duas máscaras e saí de casa.

Teoricamente era um procedimento simples. Mas não foi. Apesar do plano de saúde privado, ela demorou mais de duas horas para ser atendida. E não adiantou explicar à equipe de saúde nem aos médicos que ela era uma paciente com demência. Nem que o buraco do estômago ia fechar.

Foram dias dentro do hospital com erros no procedimento, infecções e com a piora no quadro da minha mãe.

O espirito do Natal ia perdendo o sentido. Ainda assim passei em casa e levei alguns enfeites e luzes. Tinha me mudado para o hospital.

Mais uma vez, amigas e amigos se fizeram presente. E deram presentes. Livros, lanchinhos, frutas, mensagens e telefonemas.

Nesse período, fui ligando para nossa pequena família no Sul e para as amigas mais próximas da minha mãe. Aquelas cuja amizade  existia há mais de 50, 60 anos. Pedia que conversassem com ela, como nos velhos tempos.

Minha mãe não falava mais. Mas escutava. E elas falavam ao telefone com ela. Foram longos dias  de conversas. De cuidados paliativos até a despedida final em 09/01/2021.

Os Natais não tiveram o mesmo brilho desde então. Desbotaram um pouco mais. Fiquei doente no Natal seguinte, como sintoma do luto e das dores ainda não resolvidas. Demorou para cicatrizar.

É difícil caminhar sem pai e mãe, mesmo sendo uma pessoa adulta. No entanto, é preciso seguir caminhando. Por nós mesmas. E também em homenagem aos que já se foram.

E são as famílias de sangue e as novas famílias que construímos, de amores e de amizades, que dão a certeza de que não andamos sós.

Temos nossa ancestralidade. Alguns têm descendência. E temos nossos afetos, projetos e uma longa estrada pela frente. Com brilhos e cores. E isso é um grande presente.

E você, quantos Natais já viveu?

Cosette Castro

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