Ana Castro & Cosette Castro
Brasília – Hoje vamos comentar o filme “Nosso Amigo Extraordinário”. Como falar de demência e solidão entre pessoas acima de 60 anos sem cair no drama, na tristeza do esquecimento ou na caricatura de uma comédia?
Este é o desafio acolhido por Marc Turtletaub, diretor do filme “Nosso Amigo Extraordinário” (2023). A história reúne três pessoas acima de 60 anos que vivem sozinhas. Elas se encontram em torno de um amigo comum: um pequeno alienígena.
Marc Turtletaub consegue mostrar equilíbrio em uma obra que passou praticamente despercebida quando entrou em cartaz há poucos meses na Capital Federal.
O filme de 1h30, atualmente disponível no Netflix, mostra a sensibilidade do diretor ao tratar de temas difíceis. (Assista o trailer aqui)
Não é fácil lidar com a solidão no envelhecimento. Nem falar sobre ela. Muito menos com o adoecimento na velhice. Ainda mais se a enfermidade vai aos poucos sequestrando a memória e a autonomia.
A obra nos apresenta o ativismo social de três pessoas idosas em uma pequena cidade na região oeste da Pensilvânia (EUA). Assim como apresenta aos poucos a história dos personagens.
É através da participação nas reuniões da Câmara Municipal que os vizinhos Milton Robinson (Ben Kingsley), Sandy (Harriet Sansom Harris) e Joice (Jane Curtin) se conhecem e compartilham a preocupação com o bem-viver na cidade. E também se interessam pela vida uns dos outros.
No filme o personagem de Ben Kingsley apresenta os primeiros sinais de demência. Um deles é guardar objetos em locais inadequados, como uma lata de feijão no armário do banheiro. Ou o jornal no congelador. Ele também começa a repetir as mesmas petições nas sessões da Câmara.
Milton Robinson é um bom homem. Tem a companhia da sua solidão e das suas flores. E, eventualmente, da filha. Ele equilibra o cotidiano e uma rígida rotina entre o jardim, os programas de televisão e as atividades cidadãs.
Ele sabe que está se perdendo. Mas não quer admitir nem para si mesmo nem para a filha. Não quer ter sua liberdade cerceada, nem causar problemas.
Sua vizinha Sandy (Harriet Sansom Harris) é uma viúva que reconhece os sintomas da demência. Ela resolve visitar o Sr. Robson. Já a terceira vizinha, Joice (Jane Curtin) quer saber o que os outros dois estão fazendo.
Há uma metáfora na visita do alienígena no filme. Ele não fala, não chama atenção e tem metade do tamanho dos adultos. É quase como uma criança que ainda não aprendeu a falar, mas se comunica pelos olhos.
A relação que se estabelece é quase filial. Jules (nome dado ao visitante) é “adotado” e protegido por Milton, Sandy e Joyce. Cada um a sua maneira. Ele é o filho que não faz contato, a filha que não visita e os filhos que não nasceram.
Apesar da presença funcional da filha de Milton, não há famílias no filme. A família vai se constituindo no decorrer da história. E comprova, através da ficção que as relações de amizade podem ser mais amorosas e presentes que os laços sanguíneos. Principalmente em tempos de novos arranjos familiares e longevidade.
Não dá pra comparar o roteiro de ” Nosso Amigo Extraordinário” com a história de “ET”, embora algumas pessoas tenham caído nessa tentação fácil.
E nem o diretor tem essa pretensão. O filme “ET ” de Steven Spielberg completou 40 anos em 2022 e a relação se estabelecia com crianças cujo pai havia ido embora.
Em 2023 o alienígena de “Nosso Amigo Extraordinário” ganha uma família humana de pessoas idosas que passam a se ajudar e cuidar mutuamente.
A leveza do filme reside em contar delicadamente pequenos momentos da história de cada personagem, a relação de cada um com o novo amigo e a rede de proteção mútua que estabelecem.
A leveza é uma constante, apesar da fragilidade que perpassa todo o filme. É como um dente cariado esperando para ser levado ao dentista.
O filme mostra a importância de cultivar amigas e amigos presenciais. Sem preconceito. Eles nos possibilitam o convívio diário com a diversidade e o diferente.
Em tempos de tantas horas dedicadas ao mundo virtual e à Internet, todos deveríamos ter um amigo extraordinário. E lembrar que, em geral, o essencial está nas coisas e situações mais simples.
PS: No domingo, 26/11, realizamos a Caminhada Solidária pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres em parceria com grupos de trilhas do DF. (Veja aqui as fotos e vídeos). Foi um momento de prevenção da saúde física e emocional, de encontros e reencontros, convivência com a natureza e prática de cuidado coletivo em defesa das mulheres. Nos queremos vivas, seguras, saudáveis, ativas e livres.
PS 2: Parabéns à UnB pela iniciativa de realizar, a partir de 2024, processo seletivo exclusivo para pessoas idosas voltarem a estudar em cursos de graduação.
PS 3: Reserve a agenda! No dia 16/12, sábado, 12h, no 2o. andar do Ed. Providência, na 601 Sul em Brasília realizaremos a confraternização de 04 anos e também a assembleia de formalização do Coletivo Filhas da Mãe.