Ana Castro, Cosette Castro & Convidada
Brasília – Em setembro um laboratório brasileiro anunciou a chegada de um exame de sangue que pode detectar o Alzheimer, o tipo de demência mais frequente.
Para refletir sobre o tema convidamos Elaine Mateus, professora aposentada da Universidade Estadual de Londrina que é a presidente da Federação Brasileira das Associações de Alzheimer (Febraz).
Elaine Mateus – “Em um mundo onde a ciência médica avança a passos largos, a notícia de que o diagnóstico de demência por doença de Alzheimer pode ser possível graças a um simples exame de sangue é, sem dúvida, um marco impressionante.
Em 2023 chegou ao Brasil o PrecivityAD2, um procedimento menos caro do que o exame de imagem PET Scan. E menos invasivo do que a coleta de líquor por punção na medula espinhal.
O exame promete ser capaz de detectar proteínas que indicam a presença de placas amiloides no cérebro. E, com isso, oferecer o diagnóstico em estágios iniciais da doença.
O assunto mobilizou a comunidade interessada no tema. Existe, por um lado, uma certa euforia e otimismo em relação à possibilidade de diagnósticos cada vez mais precisos.
Diagnósticos feitos nos estágios iniciais da doença aumentam as chances de intervenções precoces e de implementação de estratégias para redução dos riscos que podem desacelerar o desenvolvimento do Alzheimer.
Ainda não existe cura para demência, mas alguns medicamentos têm sido usados de forma experimental em outros países. Por outro lado, há cautela, uma vez que o exame tem limitações e carece ainda de validação em amostras multinacionais, para além da população branca estadunidense.
A despeito da perspectiva biomédica, essa inovação traz à tona uma série de desafios sociais que merecem uma reflexão. Eles convidam a um debate sério e profundo. Destaco dois.
O primeiro deles diz respeito ao acesso à saúde. Estima-se que o procedimento deverá custar 3,6 mil reais e, até o momento, não está disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Tampouco pelo Sistema de Saúde Suplementar (planos ou seguros de saúde).
Não é difícil supor que esse é um elemento que se soma à distribuição desigual de recursos em saúde entre os diferentes grupos sociais, a depender da condição educacional, situação de emprego, etnia, gênero e nível de renda em que se encontram. Isso amplia o abismo e as iniquidades já experimentadas por esses grupos, cotidianamente.
O segundo desafio está na ausência da capacidade do Brasil em lidar, atualmente, com as possíveis implicações do aumento no número de diagnósticos em tempo oportuno. Isso requer um sistema integrado de apoio e suporte àqueles que vivem com Alzheimer, tanto quanto aos familiares que acompanham a jornada de cuidado.
Para muito além de remédios, as terapias de estimulação cognitiva e outras abordagens terapêuticas complementares aos tratamentos convencionais são o fiel da balança.
Não é de hoje o apelo por políticas públicas, de caráter universal e integral, paras as pessoas com demência.
O Brasil é signatário do Plano de Ação Global em Saúde Pública em Resposta à Demência, firmado em 2017, para ser cumprido até 2025. Caminhamos em passos lentos.
O Projeto de Lei 4.364/2020, aprovado no final de 2021 no Senado Federal, está parado na Câmara dos Deputados desde então.
Fora isso, há poucas experiências locais bem-sucedidas na direção de se construir coletivamente e aprovar leis que deem conta dessa crescente e preocupante demanda. Temos como exemplos a cidade de São Paulo (Lei no. 17.547, de 12 de janeiro de 2021), o Distrito Federal (Lei no. 6.926, de 3 de agosto de 2021) e o estado do Rio Grande do Sul (Lei no. 15.820, de 29 de março de 2022).
Resta ainda, nesses casos, a implementação; luta incansável de lideranças como o GRAz – Grupo de Referência em Alzheimer, (SP), e o Coletivo Filhas da Mãe (DF).
No sentido contrário, a experiência em Londrina nos ensina como o engajamento da sociedade civil organizada, somado à vontade de gestores públicos, pode, efetivamente, colocar em curso políticas de intervenção pós-diagnóstico para pessoas com demência, de baixo para cima.
Embora não exista no município uma legislação específica para o cuidado integral de pessoas com demência, desde março de 2022, o Instituto Não Me Esqueças, uma entidade do terceiro setor que trabalha pelos direitos dessas pessoas e seus familiares, disponibiliza um serviço gratuito de Cuidado e Apoio a Pessoas com Alzheimer, conhecido pela sigla CAPAz.
A iniciativa conta com recursos do Fundo Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa e da Secretaria Municipal do Idoso, e serve de exemplo da Parceria Público-Privada como estratégia de enfrentamento dos desafios.
Atualmente são atendidas mais de 80 famílias por mês. Os serviços incluem oficinas diárias de estimulação cognitiva, motora e social, grupos de apoio e palestras educativas mensais, além de atividades extra sede, voltadas à inclusão das pessoas que vivem com demência e seus familiares.
Não há triagem da condição econômico-financeira dos participantes. Com o diagnóstico em mãos, elas podem se cadastrar para acessar os serviços.
A condição, além de ter o diagnóstico de demência em estágios iniciais ou intermediários e ser residente em Londrina, é que essa pessoa esteja sempre acompanhada de um familiar ou de um(a) cuidador(a) formal.
O serviço tem como objetivo também o acolhimento dessas parceiras e parceiros na jornada de cuidado, além do fortalecimento de vínculos entre esses indivíduos.
Não existem soluções mágicas para questões complexas. Saber das experiências bem-sucedidas como as que aqui foram apresentadas, serve de bússola para indicar caminhos possíveis.
Elas nos convidam a compreender que, sem esforços integrados, com engajamento de diferentes agentes, incluindo as pessoas que vivem com demência e quem cuida, os avanços na ciência podem tornar ainda mais complexos os aspectos práticos do cotidiano. E colocar em evidência questões éticas fundamentais.
Afinal, o que faremos quando os mais de 2 milhões de pessoas que vivem com demência no Brasil e os cerca de 2,3 milhões de pessoas que vivem com algum tipo de declínio cognitivo receberem o diagnóstico? “
No Coletivo Filhas da Mãe acreditamos na urgência de políticas públicas de longo prazo que envolvam a participação de toda sociedade.
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