Ana Castro, Cosette Castro e Convidada
Brasília – Desde o começo do Junho Violeta, mês de conscientização sobre a violência contra pessoas idosas, o Coletivo Filhas da Mãe tem realizado diferentes ações.
Ontem fomos às ruas da Capital Federal para projetar fotos e frases em locais e prédios públicos (veja aqui) sobre as diferentes violências. Esta ação nas ruas ocorre há três anos em parceria com o Fórum Distrital em Defesa da Pessoa Idosa. Hoje convidamos a delegada Cyntia Carvalho e Silva para escrever no Blog. Ela é Mestre em Sociologia e chefe-adjunta da delegacia de crimes contra vulneráveis (DECRIN-DF).
Cyntia Carvalho e Silva – “O Brasil está em um processo de contínuo, acelerado e irreversível de envelhecimento populacional. Em 1940, a população com idade igual ou superior a 60 anos era de 1,7 milhão (4% da população). Em 2000, 14,5milhões (8,6%) e em 2022, 33 milhões (15% da população). Isso ocorre mais entre as pessoas acima de 80 anos.
Não se trata de um grupo homogêneo. A mesma diversidade de trajetórias, biologias e culturas que estão presentes na população em geral também aparecem na população idosa. Temos homens, mulheres, cisgêneros, transgêneros, hetero e homossexuais, negros, brancos, indígenas generosos ou mesquinhos. E pessoas de 60, 90 anos com bom ou mau caráter. Todos unidos pela experiência do envelhecimento e da longevidade.
Essa mudança demográfica e a diversidade dentro da população idosa trazem inúmeras dificuldades, inclusive no âmbito da segurança pública. Multiplicam-se os crimes contra pessoas entre 60 e 100 anos.
Os crimes estão relacionados com a posição da pessoa na estrutura familiar, com a perda gradual da capacidade física e cognitiva e com o preconceito contra pessoas idosas, um etarismo que caracteriza a sociedade brasileira.
Os crimes praticados contra pessoas 60+ podem ser divididos em dois grupos: 1.crimes praticados por desconhecidos e 2.crimes praticados por conhecidos, principalmente familiares e cuidadores.
No primeiro grupo estão os crimes que são praticados por estranhos que se aproveitam da fragilidade física e cognitiva de boa parte deste grupo etário.
Um bom exemplo é a revolução digital. Nas últimas décadas, a sociedade tem passado por intensas mudanças tecnológicas. Entre os crimes que mais se destacam estão os cibernéticos que atingem com frequencia as pessoas mais velhas. Poucos dos que hoje têm 60 anos ou mais tiveram a oportunidade de fazer a transição do mundo analógico para o digital, mesmo nas classes médias e altas.
A maioria das pessoas idosas possui algum grau de exclusão digital, seja por uma questão geracional, seja pela falta de condições econômicas de acesso pleno às tecnologias. A falta de familiaridade com as novidades digitais as tornam mais vulneráveis à ação de estelionatários que atuam no ambiente digital. Para solucionar isso, não basta repressão. São necessárias estratégias de alfabetização digital voltadas especificamente para esse segmento etário.
No segundo grupo está a violência praticada contra a pessoa idosa por pessoas conhecidas, especialmente no ambiente doméstico. Este é um problema complexo e engloba variadas violências que vão dos maus tratos à apropriação indevida da renda por familiares e cuidadores
Conforme a pessoa idosa vai envelhecendo, tende a perder parcial ou totalmente a sua autonomia para realizar tarefas cotidianas, como administrar o dinheiro ou realizar tarefas na rua. E, em casos mais extremos, tem dificuldade para se alimentar e ir ao banheiro. Nesses casos, a pessoa idosa precisa de alguém que a cuide, que auxilie nas suas atividades.
É muito comum que esse cuidador seja um familiar: um filho, neto ou irmão, e não um cuidador profissional. Os cuidados com a pessoa idosa somam-se às demais responsabilidades pessoais e profissionais que a pessoa cuidadora já possui. É uma carga pesada e uma situação cada vez mais comum, na medida em que aumenta a expectativa de vida da população.
Muitos cuidadores e cuidadoras familiares fazem parte da geração sanduíche, pois estão divididos entre várias responsabilidades: cuidar dos pais, dos filhos e cuidar si próprio, da carreira e do planejamento do próprio envelhecimento.
Essas responsabilidades geram estresse, o que facilita a ocorrência de conflitos familiares. Eles podem culminar em atos de violência e mesmo no abandono da pessoa idosa pelo cuidador familiar na própria residência, em hospitais ou em instituições de longa permanência para pessoas idosas (ILPIs).
Muitos desses crimes envolvem questões pessoais, familiares e sociais subjacentes, cujo enfrentamento deve ser objeto de uma intervenção de múltiplas dimensões da máquina pública, ao lado das instituições da segurança pública. Principalmente nos casos de violência doméstica, a resolução do problema passa pela atuação integrada do sistema de justiça com as políticas públicas de saúde coletiva e assistência social. Um trabalho conjunto entre Polícia Civil, Ministério Público, Poder Judiciário, Defensoria Pública, Centros de Atendimento Psicossocial, Centros de Referência em Assistência Social, Sistema Único de Saúde, entre outros.
O enfrentamento da violência contra a pessoa idosa é obrigação de todos os segmentos da máquina pública e não apenas das organizações de segurança pública. Não se pode reduzir uma questão complexa a um problema de polícia. É responsabilidade de todos trabalharmos para dar cada vez mais visibilidade a esse tema tão pouco representado no debate público”.
Nós, do Coletivo Filhas da Mãe, seguiremos atuando para sairmos da Sociedade da Violência, que inclui a omissão e violência do Estado, para uma Sociedade do Cuidado.
PS: Nosso agradecimento ao gabinete do deputado distrital Gabriel Magno, que ajudou a viabilizar as autorizações para as projeções.