Quem Cuida de Quem Cuida?

Publicado em Política Nacional de Cuidado

Ana Castro, Cosette Castro & Convidada

Brasília – A pergunta do título foi uma das primeiras que fizemos quando criamos o Coletivo Filhas da Mãe há 03 anos. No dia dedicado às pessoas que cuidam pessoas idosas (20/03),  a resposta se torna cada vez mais urgente.

Para refletir sobre o tema convidamos a Doutora em Política Social da UnB, Gisele Aragão que participa do Coletivo Filhas da Mãe. Servidora pública, há alguns anos trocou o Distrito Federal pelo Ceará para participar de perto do cuidado de sua mãe.

Gisele Aragão – “O Estado brasileiro, ao longo da sua história, tem mostrado que a questão da mulher não é uma de suas prioridades. Quero aproveitar o mês do Dia Internacional da Mulher para fazer uma reflexão sobre o tema ‘cuidado’ que, no Brasil, está ligado à mulher.

As mulheres de todas as faixas etárias — sobretudo aquelas mais fragilizadas e desvalorizadas pelo contexto socioeconômico e cultural — são compelidas a assumir o cuidado de um familiar, independente da idade.

O cuidado é realizado no âmbito domiciliar e abrange o trabalho doméstico. Ele é realizado majoritariamente por mulheres, sem remuneração.

Segundo  pesquisa da  McKinsey, publicada em 2018, esposas, mães, irmãs, filhas, ou seja, as mulheres, fazem cerca de 75% do trabalho doméstico não-remunerado no mundo. Isso representa 13% do PIB mundial. O sistema capitalista funciona porque existem mulheres trabalhando de forma não-remunerada.

A falta de creches públicas e com preços acessíveis, por exemplo, obriga as mulheres a cuidarem dos bebês e também das crianças em idade escolar. Ao cuidado dos filhos e enteados, agrega-se o da casa com realização das atividades domésticas, inclusive a alimentação.

Com o envelhecimento no núcleo familiar aumenta a necessidade de cuidado. Além de crianças e adolescentes, pais ou sogros idosos também demandam atenção.

O Estado, por sua vez, até hoje não proporcionou a estrutura necessária para oferecer a atenção e os cuidados da população envelhecida. Isto é, se desresponsabiliza, tratando o cuidado como algo restrito às famílias.

As famílias, por sua vez. empurram para as mulheres a responsabilidade pelo cuidado também das pessoas 60 anos ou +.

O envelhecimento progressivo das pessoas idosas exige que as cuidadoras familiares desenvolvam diferentes habilidades. Elas incluem o preparo para lidar com situações inesperadas e perdas. Requerem equilíbrio emocional, condicionamento físico e recursos financeiros. Sem contar o estímulo de vínculos afetivos nem sempre existentes na família.

Além do cuidado direto, é necessário considerar o desgaste gerado pelos aspectos legais que a situação impõe às pessoas idosas com algum tipo de demência. E os custos financeiros para quem é responsável pelo cuidado familiar.

Ao contrário do bebê, a pessoa idosa com demência gradativamente perde sua autonomia e independência. Este é um processo difícil para o familiar quando ainda tem noção das suas perdas cognitivas. E também para quem se responsabiliza pelo ente querido.

A sobrecarga física e emocional de quem assume os cuidados é muito maior do que para o restante da família. Isso ocorre porque quem cuida está diretamente envolvido no cotidiano do cuidado.

No Brasil, as iniciativas públicas de cuidado direcionadas às cuidadoras familiares são pontuais, pulverizadas e insuficientes.

Por outro lado, os países da União Europeia tratam o envelhecimento da população com diversas medidas: benefícios em dinheiro, isenções tributárias e oferecem proteção para trabalhadoras e trabalhadores que são responsáveis por um familiar. Entre elas, a flexibilização de horário no trabalho.

No Brasil, a política nacional de cuidados está apenas engatinhando. Um grupo de trabalho Interministerial foi anunciado pelo governo federal para estudar o tema no dia 08 de março. Precisamos urgente de políticas públicas de cuidado que reconheçam o tempo gratuito dedicado pela cuidadora familiar à pessoa idosa. Essas mulheres precisam de ajuda e atenção.

Cabe ao Estado — nas esferas federal, estadual e municipal — assim como à sociedade civil organizada discutir e apresentar políticas públicas para cuidar de quem cuida.

Isso significa: 1.reconhecer como trabalho o cuidado familiar, 2. regulamentar licenças para a pessoa responsável pelo cuidado familiar e 3. reconhecer o tempo de trabalho dedicado ao cuidado familiar como tempo para aposentadoria.

Além disso, é importante 4. incentivar a guarda parental compartilhada da pessoa idosa entre homens e mulheres. Tais atitudes poderão minimizar o impacto do envelhecimento da população brasileira nos próximos anos.”

No Coletivo Filhas da Mãe acreditamos na urgência das 04 propostas acima.

E também na necessidade de: 5. criação da função de cuidadoras comunitárias/sociais que vivam nos territórios para realizar semalmente visitas às pessoas idosas, diminuindo a carga das cuidadoras familiares.

Tais medidas poderão reduzir a desigualdade de gênero existente no cuidado familiar no Brasil e contribuir para a saúde física e mental das cuidadoras.

PS: Terça, dia 21, o programa TERCEIRAS INTENÇÕES está de volta das 19h às 20h Convidada de março: Guacira Oliveira, da Ong CFEMEA. Presencial (Colabora, na 507 da Asa Sul) e on line ( canal do YouTube Filhas da Mãe Coletivo).

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