Interditar: um Ato de Amor

Publicado em Alzheimer

Ana Castro, Cosette Castro & Convidada

Brasília – Estamos contentes em comemorar os três anos de existência com tantas convidadas e parcerias.

O projeto do Coletivo Filhas da Mãe se amplia e cria novas raizes a cada voz que ouvimos e lemos no Blog. Vozes que se multiplicam em outros lugares, em outros grupos, ressoando e dialogando com outros projetos.

Hoje nossa convidada é a advogada da área da saúde Patrícia Morais, que se tornou advogada da mãe quando ela adoeceu. Patrícia é uma filha da mãe que sabe que interditar uma paciente dependente é um (corajoso) ato de amor.

Patrícia Morais – “Receber o diagnóstico de que um familiar ou um amigo próximo está com demência é um momento extremamente difícil, visto que vem permeado por inúmeras incertezas e medos relacionados ao futuro.

Pensamentos como “Quem irá cuidar?”, “Se for eu (normalmente é uma das filhas da mãe), como irei manter minha própria vida de forma saudável?”, “Como conseguirei viver com esta perda diária e dolorosa de uma pessoa tão amada?”, passam a fazer parte do cotidiano.

Ocorre que o tempo, que anda junto com a progressão da demência, não espera a solução das inseguranças e dúvidas dos familiares e amigos. Em meio a um turbilhão de sentimentos já complicados de lidar, surgem ainda as dificuldades práticas.

No início, esses desafios podem parecer complexos e até mesmo cansativos para cuidadoras, em sua maioria naturalmente desgastadas.

A boa notícia é que o Direito prevê mecanismos e possui jurisprudência favorável, que facilitam, auxiliam e garantem alternativas para as situações que vão paulatinamente aparecendo. Esse é o caso da interdição judicial.

Em determinado ponto, de acordo com a evolução da doença, a pessoa enferma perde a capacidade de suprir as suas necessidades de subsistência, bem como a possibilidade de gerir o patrimônio.

A Lei permite que, por meio de uma ação de jurisdição voluntária (na qual não há conflito entre duas partes adversárias) munida de laudo médico, requeira-se a interdição da pessoa doente.

Após constatação de incapacidade civil, nomeia-se uma curadora que ficará responsável pela administração dos direitos de natureza patrimonial e negocial da pessoa curatelada.

Conforme disposto no Código Civil, o cônjuge ou companheira, seguidos pelos ascendentes e descendentes, formam a lista em ordem de prioridade para nomeação como curadora. Ademais, a curatela poderá ser compartilhada.

Durante o trâmite processual, haverá perícia médica, visita da assistência social e inspeção do juiz em entrevista, que poderá ser dispensada a depender da gravidade do doente e das provas adicionadas aos autos.

É importante também atentar para a possibilidade de pleitear a ação com tutela de urgência. Nestes casos, busca-se o deferimento da curatela provisória, enquanto não é feita a nomeação definitiva.

Todos estes passos, à primeira vista, podem causar sofrimento. Afinal, ninguém deseja interditar um parente ou um amigo amado, pois a sensação que se tem é de que, ao tomar esta decisão, se está decretando o fim de uma parte muito importante da pessoa doente: sua autonomia e independência.

Por mais difícil que pareça, é preciso levar em conta que a demência, com destaque para o Alzheimer, ainda não possui cura, mas possui tratamento. E para que o ente familiar adoecido possa ser bem cuidado, é necessário que quem cuida esteja bem.

Uma das formas de auxiliar as cuidadoras se dá por meio da interdição. Isto ocorre porque a demência traz gradualmente entraves difíceis de se contornar. Um dos primeiros problemas que se faz presente é em relação à assinatura.

No início, a pessoa enferma consegue fazer assinatura a rogo, mas depois de um tempo, com a perda da habilidade de demonstrar a sua vontade, até mesmo esta via se torna impraticável.

Com a interdição, a pessoa que se torna curadora poderá realizar atividades bancárias e administrar as necessidades básicas da pessoa doente. Também poderá ajuizar ação para isenção do imposto de renda e representá-lo em ação de inventário, para citar alguns exemplos.

Isso facilitará o cotidiano da pessoa enferma e também da pessoa que cuida e administra a vida de seu ente querido.”

Nós, do Coletivo Filhas da Mãe, escrevemos no feminino porque 96% da atividade de cuidado no Brasil é realizada por mulheres.

Acreditamos que, embora não haja cura para as demências, é preciso facilitar a vida das pessoas enfermas. E também proteger e preservar a saúde física e mental das cuidadoras.

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