Ana Castro & Cosette Castro
Brasília – Para muitas mães, cuidar de um bebê significa uma sucessão de rotinas extenuantes e invisíveis. Entre elas alimentar, vestir, fazer adormecer, manter limpo, seguro e com saúde.
Acrescente a isso todas as repetitivas atividades que envolvem o cuidado: lavar, passar, cozinhar, manter a casa limpa, fazer compras ou cuidar do orçamento doméstico. Ufa!
Nem todas mães conseguem incluir brincadeiras, leituras , música, dançar e dar risadas nesse turbilhão cotidiano.
Adultos com demência não podem (e não devem) ser tratados como crianças, mas demandam igual atenção e exaurem quem cuida pela sobrecarga física e emocional diária.
Diferente das crianças que aprendem, as cuidadoras familiares se deparam com um cotidiano de perdas e frustrações por não poderem “curar/salvar” o seu familiar.
Em meio às tarefas de acalmar e confortar, muitas cuidadoras engolem a tristeza de ver as perdas cognitivas do familiar enfermo. O ato de “engolir a dor” pode se transformar em sintoma e, mais tarde, produzir doenças em quem cuida.
Tudo isso ocorre em meio ao árduo trabalho de convencer a pessoa com demência a fazer alguma atividade, como tomar banho, tomar remédio, fazer fisioterapia ou mesmo comer.
O Sistema Límbico e o processo degenerativo das demências trazem várias alterações e modificações nos pacientes. Na escala de perdas, esta é uma das áreas que se mantém acessa permitindo uma nova vivência às pessoas enfermas. A área sensorial fica mais evidente para o toque, o tato, as cores, a expressão facial e a emoção.
Não é fácil encontrar um espaço para o belo, para o lúdico no dia a dia do cuidar. É um desafio para quem cuida e para quem recebe os cuidados. Mas permite momentos de leveza e encantamento que aliviam a dureza da rotina desgastante, como mostram os relatos abaixo.
A cuidadora familiar Toshiko Araki, por exemplo, descobriu com ajuda da médica que o vermelho faz bem à mãe, Dona Yaeko, de 83 anos. Traz energia e alegria. Um caminho que a cromoterapia já vem apontando há anos para melhorar a qualidade de vida das pessoas, saudáveis ou não.
Ana Castro percorreu o mesmo caminho com sua mãe, Normita. Lembrando que restaurantes abusam do vermelho para despertar o apetite, ela ousou ao forrar um sofá e poltronas nessa cor.
A mãe da Ana se sentia num trono de rainha e acariciava os braços da poltrona com alegria. Depois vieram a pia vermelha, vestidos estampados e jogos americanos com detalhes nesta cor. E as fitas de lead no quarto para mudar as cores antes do sono.
A Ana aprendeu a ofertar todo tipo de textura para estimular o tato. Macias, ásperas, rijas. Caprichar na oferta de novidades, como enrolar biscoitos ou por doces nas forminhas, entraram na rotina.
A música passou a ser uma linguagem cotidiana. Além das sessões de musicoterapia, fazia rimas para se comunicar com a mãe.
Na cozinha, recorreu aos sabores e aromas que mais agradavam Normita, como as comidas de infância na Bahia. Pipoca e picolé deixaram de ser apenas alimentos. Despertavam memórias e emoções.
Dendê , cravo, canela, frutos do mar e as frutas tropicais. Quando conseguiu comprar sapotis , provocou uma satisfação tão intensa que Normita beijava as frutas. Perguntava se era mesmo para ela e se podia comer.
A mãe da Cosette Castro, enquanto podia se locomover, caminhava muito durante o dia. Sair a passear com ela (várias vezes dia dia) mostrando flores e árvores, explorando cheiros, cores e texturas era uma forma de manter a conexão de Carmencita com o mundo. Com o avanço da doença e o uso da cadeira de rodas, os passeios ficaram mais curtos, mas ainda assim ajudaram a trazer luz e cor ao cotidiano.
No turbilhão das demandas do cuidado, parece utópico falar em fruição, estética, sensações. Mas despertar os sentidos, cheiros, cores, sabores e tato, como mostram os estudos sobre demência, pode ser terapêutico para doentes e também para suas cuidadoras.
Cafuné, apertos de mãos ou massagens podem ajudar muito. Assim como compartilhar uma boa música e rir com uma chanchada dos anos 50 (ou outro estilo de filme) podem tornar o dia mais leve. Para quem cuida e também para quem recebe cuidados.