Ana Castro & Cosette Castro
Brasília – Contratar cuidadoras ou equipes técnicas para pessoas com demências é um tema difícil para a maioria das cuidadoras familiares. Envolve orçamento para contratar, seleção de pessoal, regras claras de trabalho, contrato. E, principalmente, geração de vínculo e confiança entre as duas partes.
Hoje quem escreve sobre o tema é Ana Castro, uma das editoras do Blog e Co-Coordenadora do Coletivo Filhas da Mãe.
Ana Castro – “Em 15 anos de contratação de enfermeiras, técnicas e cuidadoras aprendi muito e errei muito também. Gostaria de compartilhar com vocês um pouco desses anos de experiência.
1. Bom profissional não tem preço. É um equívoco acreditar que pagar muito acima do mercado garante a excelência. Há as questões culturais, econômicas, emocionais e familiares envolvidas no cotidiano e no trabalho das cuidadoras.
Sempre acreditei em uma política de remuneração justa e com regras claras de reajuste e recompensa. A renda da minha mãe permitia, o que facilitou manter a política de remuneração justa. Nunca tive uma questão trabalhista.
Contribuí para a formação profissional de uma parte das cuidadoras ofertando cursos. Fortaleci laços de amizade com várias cuidadoras. Alguns desses laços duram até hoje.
2. É um risco ficar dependente apenas de uma cuidadora.
Além dela sentir nossa fragilidade, há as questões familiares da própria pessoa que cuida que podem mudar o cenário e as possibilidades de cuidar: doença, dependência de um familiar da cuidadora, relacionamentos amorosos que exigem mudança de horário, mudança de endereço, festas familiares, feriados. Sem contar o cansaço e as duplas jornadas, atendendo outros pacientes.
Na hora de contratar deve ser levada em conta também a imprevisibilidade da prestadora de serviço. E ter um plano B e C, caso a cuidadora não possa comparecer.
3. Por mais bem paga, respeitada e reconhecida que seja, a cuidadora (o) ou técnica (o) está enquadrada como trabalhadora doméstica. Isso ocorre em um país cujo presidente não assinou a lei das cuidadoras e não reconhece a importância dessa atividade.
Qualquer oportunidade de um trabalho em hospital, por exemplo, ainda que mais exaustivo e com menor remuneração, será preferível pela maioria. Além do status diferenciado, há mais oportunidades de atividades temporárias como cuidadora de pacientes em recuperação.
4. Seja legal. Mantenha a legalidade dos contratos.
Depois de quebrar muito a cabeça, procurei um contador e o serviço Doméstica Legal para tirar dúvidas e dar apoio na questão de contrato, demissão, licença gestante, férias, 13o salário, MEI, etc.
Fica mais fácil para quem cobra qualidade, eficiência e cumprimento de horário, manter algum distanciamento da questão financeira respeitando as regras trabalhistas e direitos.
5. Cometi muitos equívocos por recompensar o bom trabalho com dinheiro. Chega uma hora que não há orçamento suficiente para tantos gastos.
Quem tem curatela, por exemplo, se compromete com a boa gestão dos recursos da pessoa idosa. Considero um desafio administrar equipes de cuidadoras. Em algum momento vamos desagradar alguém. Para mim, a questão financeira foi o mais desgastante durante esses 15 anos de cuidado e coordenação de equipes técnicas.
6. O mercado está mudando, com maior taxa de desemprego do que havia quando minha mãe estava viva . Até 2015, valia tudo para manter uma boa profissional.
O sistema de transporte público do Distrito Federal segue péssimo e as cuidadoras moram em locais longe do Plano Piloto, do Lago Sul e Norte, do Jardim Botânico ou do Noroeste. Para uma cuidadora chegar em segurança e mais descansada, eu pagava táxi.
Preferia as que tinham carro. Quando não tinham, levava na rodoviária. Ajudei muitas a tirar carteira de motorista e a financiar carro . Minha mãe sempre fez isso com todos os profissionais que a ajudavam.
Procurei manter a boa relação que ela tinha com diaristas, empregadas e jardineiros, entre outros. Lembro que aos 06 anos, íamos, com meu pai levar a empregada da SQS 308 até a casa dela em Taguatinga. Há 60 anos ! Um passeio.
Meus pais davam aula de Matemática e Português depois do jantar para empregadas, porteiros, peões. (Ele era engenheiro e tinha o maior orgulho de um pedreiro que foi seu aluno e depois se formou em Engenharia na UnB. Ela era professora de Literatura).
Tenho o maior orgulho das domésticas que viraram cuidadoras, das que fizeram curso de técnicas de enfermagem e das duas que se formaram em Enfermagem e montaram Home Care e instituições de longa permanência para idosos (ILPIs).
Estimular o crescimento do profissional pode significar perder o bom serviço. Mas também representa um reconhecimento às pessoas que cuidam ou cuidaram de nossos entes queridos, contribuindo para a qualidade de vida de cada um.