Ana Castro & Cosette Castro
Brasília – Quando a gente muda, de casa, cidade, estado ou país, muda muito mais que de lugar.
Embora a perspectiva seja boa, as transformações internas podem ser assustadoras. Mexem em lembranças profundas, bem escondidas.
Algumas memórias possuem provas físicas (livros, roupas, documentos, fotografias ou pratos) de algo que já passou. E nem sempre podemos levar, pois falta espaço no novo lugar. Esse descarte, essa separação nem sempre é fácil.
Uma mudança carrega em si outros aspectos, como o medo do desconhecido. Mudar é uma forma de abrir mão do controle do cotidiano para abrir-se ao mundo, apostando em si mesma e no novo lugar.
A mudança também pode despertar medos profundos, causando insônia, estresse e medo pelo que virá. Mesmo que seja uma mudança dentro do mesmo prédio (de um andar para outro) ou de bairro, rodeada do apoio de familiares e carinho dos amigos e amigas.
Após os 60 anos, o processo de mudança pode ser mais difícil. Não é fácil se encontrar na situação de reduzir, desapegar, abrir mão. Seja de seu cenário ou das fotos e documentos que carregam histórias de uma vida. As vezes, são o que restam de toda família.
O processo de descarte pode ser doloroso, inundando a pessoa de sentimentos contraditórios: perda, saudades, vontade de abraçar de novo, de estar junto. De voltar, ainda que por instantes, em um tempo que não existe mais. Tudo isso pode se transformar em um mar de sentimentos que podem transbordar no decorrer dos dias e das noites. Até que a tranquilidade, que vem após a tempestade, seja possível.
Com o envelhecimento e aposentadorias que reduzem o padrão de vida, muitas pessoas se encontram na situação de ir morar em lugares pequenos ou em bairros longínquos. É preciso reduzir custos.
Este é o caso de uma amiga escritora que atualmente vive em um quarto/sala/cozinha mínimo. Uma mulher que tinha obras de arte, sítio, cozinha industrial. Sua vida cotidiana se resumiu a 35 metros por falta de opção.
Isso vem ocorrendo com tantas outras pessoas nesse novo período da vida. Como muitas relatam, não é questão de posses, mas de sentir que você não está sendo mais você. Do mundo, já reduzido pela pandemia, se reduzir ainda mais. De não ter espaço para hospedar amigos ou simplesmente percorrer a casa porque não há espaço no presente nem para o passado, especialmente fotos, revistas, livros.
E os presentes? Há pessoas que guardam presentes de aniversário, de natal e até de aniversário de casamento. Tem quem guarde os presentes que os filhos (já grisalhos) fizeram para o Dia das Mães quando ainda estavam na escola. Sem contar os bibelôs herdados de mães, avós, tias e até bisavós que representam a última lembrança física daquelas que já se foram.
Há também o pavor do dia da mudança.
Esquecer algo, deixar alguma coisa importante para trás. Não colocar os nomes nas caixas. Perder a lista onde está escrito o que tem dentro das caixas e pacotes. Não lembrar e se perder em meio às caixas.
A contratação de uma equipe pode se transformar em algo ameaçador, principalmente quando começam a perguntar aonde vai isso, onde vai aquilo. O ideal é ter alguém do lado para ajudar, mas nem sempre é possível.
Chegar na nova casa também pode ser assustador até se adaptar ao novo local. Antes de se mudar, é importante ir visitar a nova casa, ir imaginando onde colocará cada coisa. Garantir que a luz e a conexão com a Internet estejam ligadas e, principalmente, que o carregador de celular esteja no bolso. Assim, em meio ao novo e a montanhas de caixas, pelo menos a sensação de conexão com as pessoas conhecidas, familiares ou amigas, estará presente.
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