Ana Castro & Cosette Castro
Brasília- Lidar com perdas e com a morte não é algo fácil. O Brasil vem comprovando isso, de forma individual e coletiva, há dois anos.
Na edição de hoje, Cosette Castro conta com foi “enterrar” sua mãe duas vezes em 2021.
Cosette Castro – Em meio às nuvens no avião, me pego pensando no calor do sol e na impermanência da vida. Em menos de um ano “enterrei” duas vezes minha mãe.
É verdade que “enterrar” neste caso é apenas uma forma de se expressar, mas desvela o sentimento de luto duplicado e estendido. O primeiro “enterro” ocorreu de forma dolorosa. Ocorreu em janeiro de 2021, depois de passar 20 dias dentro do hospital com minha mãe, em pleno surto de Covid-19.
Em meio às mortes da pandemia, do medo de entrar e sair do hospital, havia um medo maior que precisava enfrentar: a finitude de Carmencita. Apesar do desejo infantil de que algo mágico ocorresse para ” salvar” minha mãe, a dura realidade me trouxe de volta.
O Alzheimer já estava em sua última fase e ela precisava descansar. Depois de nove anos e meio, eu também precisava.
Dentro do hospital, encontrei uma sequência de técnicos, enfermeiros e médicos despreparados para atender pacientes com Alzheimer. Encontrei um hospital também despreparado, sem protocolo de atendimento para atender pessoas com demências. O que causou uma sequencia interminável de erros.
No Hospital, bati pé e garanti que minha mãe recebesse cuidados paliativos. E isso precisava ser lembrado e garantido a cada plantão. O cuidado paliativo incluiu a difícil decisão de desligar o oxigênio da minha mãe.
Nessa hora, ser filha única não é fácil.
Fui a única pessoa a decidir sobre o desligamento, apesar de conversar e informar cada passo aos familiares via WhatsApp.
Eu estava sozinha em Brasília, até então em isolamento, apenas com um primo distante na Capital. Ele se fez presente na cremação representando a família biológica que estava no Sul.
Mas eu não estava realmente só. Estava com a família adotiva. Aquelas pessoas que, por afinidade e/ou projetos de vida em comum, escolhi amar. Amigos que enfrentaram temporal e engarrafamento para estar ao meu lado na cerimônia de cremação da minha mãe. O único crematório fica longe de Brasília.
Naquela tarde de amigas e vizinhas, o sol voltou a se abrir. Depois de um café e histórias compartilhadas sobre a Carmencita, voltei pra casa com uma urna cheia de cinzas nos braços.
Os meses se seguiram em meio a pandemia, ao luto individual e coletivo, à dor e a reorganização da vida pessoal. E a urna seguia lá em casa, guardada. Esperava o momento da minha filha tomar a segunda dose e de eu poder viajar ao Sul.
Por questões pessoais e agenda de trabalho, a viagem só foi possível em dezembro de 2021. Ou seja, 11 meses depois. Mas desde novembro parentes e amigos perguntavam que dia eu (e a urna) chegaria.
O segundo “enterro” foi previamente combinado com a família biológica. Com direito a lista de presença na cerimônia de despedida e tudo mais. Finalmente Carmencita estava voltando ao Sul para a despedida afetiva junto aos seus.
Desta vez, suas cinzas seriam entregues ao Guaíba. Rio que ela cruzou pela primeira vez de barco, indo a Porto Alegre, em lua de mel, anos antes que a ponte que liga a Capital às cidades do interior fosse construída.
Minha mãe adorava passear de barco no Rio Guaíba. Como boa anfitriã, levava os amigos que visitavam Porto Alegre a um passeio pra ver o pôr-do-sol. “O mais bonito do mundo”, segundo ela. Além dos amigos, se possível, acompanhada de uma cerveja gelada.
No dia 19 de dezembro de 2021 fomos em grupo render a última despedida, com direito a pôr-do-sol, cerveja gelada e flores atiradas ao Rio em meio às cinzas. Muitas cinzas.
Teve música, poema, discurso e reza pra quem era de reza. Teve filha, neta, sobrinhos, afilhados, primas, netos do coração, ex-cunhada, agregados e amigas da “tia Carmem”.
Mas principalmente teve encontro e presença com a certeza de que a finitude não diminui o amor nem a importância de estar juntos na despedida. Celebrando com alegria, como Carmencita sabia ser antes da demência.
6 thoughts on “As Diferentes Formas de Se Despedir”
Emocionada, muito. Obrigada Cosette, por compartilhar mais este ato de amor. Viva Carnencita!
Oi Brígida. Fico feliz em saber que você gostou. Viva a Carmencita! Bjo
Cosette, agradeço muito por nos relatar como foi a despedida de sua mamãe. É tão importante que você descreve tudo , penso que não seja fácil, com tanta clareza. Sigo aqui com a minha em cuidados paliativos em casa, já por mais de 6 anos. Em tempo de pandemia, se torna muito mais desafiador lidar com cuidadoras , ajudantes, mas sigo confiante no provimento Divino, aceitando e fazendo tudo que posso para o conforto dela, assim como você e a Ana também fizeram. Foi maravilhoso conhecer voces! Espero que em breve possamos nos reunir para matarmos a saudade!
Oi Mariane, sim, é muito importante. Precisamos falar sobre finitude. Faz parte da vida. Bjo
Muito bom seu artigo Parabéns pelas informação
Valeu!