Existe Vida Depois do Diagnóstico

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Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Chega um dia que não é apenas o familiar que tem algum tipo de demência, entre elas o Alzheimer, e que apresenta comportamento diferenciado.

Tudo pode começar com pequenos esquecimentos.

A  panela  no fogo. Buscas simples  na internet que se tornam complicadas e, dependo do caso, indecifráveis. Contas para pagar deixadas em um canto. Várias agendas,  anotações nas paredes, portas e espelhos que nem sempre surtem resultado. Ou  trajetos  de carro antes corriqueiros que se transformam em locais inacessíveis, um labirinto sem fim. Sem falar nas senhas de banco, refeitas várias vezes.

Chega um dia que o diagnóstico de que algo diferente está acontecendo  vai se delineando. E está acontecendo com você também. A segunda geração com demência.

No primeiro momento, dá medo. Vontade de sair correndo. De desaparecer. Mas há vida pela frente. Acreditamos que é muito melhor saber o que está acontecendo, do que viver na escuridão. Saber  permite buscar  qualidade de vida para o momento atual e para os próximos anos.

Nós, do Coletivo Filhas da Mãe, acreditamos que há vida, SIM, depois do diagnóstico. Principalmente,   quando o  diagnóstico é feito na fase inicial da demência,  tem acompanhamento médico e de uma equipe multidisciplinar. E, se possível, carinho familiar e das amigas.

Vejamos o caso das Irmãs Galvão, de São Paulo.

Mary e Marilene foram as duas primeiras vozes da música caipira brasileira e, em junho deste ano, anunciaram o fim das atividades públicas. Elas estiveram juntas cantando e se apresentando durante 74 anos, até que o Alzheimer foi apagando a memória de Marilene.

As Irmãs Galvão atuaram como embaixadoras da doença de Alzheimer, participando de programas de TV, congressos médicos, inclusive os congressos da Associação Brasileira de Alzheimer – ABRAz. Durante anos, elas ajudaram a reduzir  o preconceito sobre as demências e mostraram que é possível viver com dignidade durante a doença.

O diagnóstico de demência é avassalador para  quem recebe, esteja sozinha ou acompanhada de um familiar quando a doença é confirmada. Mas também pode ser  visto uma nova chance para quem está com os primeiros sinais. Chance para  aproveitar o hoje, desenvolver projetos engavetados, sonhos não  realizados ou mesmo recuperar relações difíceis com os filhos e família.

Em meio a tudo isso, a família precisa se reorganizar para atender as novas demandas, o que inclui  cuidadoras  comprometidas com o respeito à pessoa doente.

Outro exemplo inspirador é o da baiana Célia Maria Oliveira,  que foi diagnosticada aos 58 anos com demência precoce por quatro médicos diferentes. Cellikka, como é conhecida no Instagram, criou um grupo de Whats App chamado Migazhimer, já deu entrevistas em todo o país,  como  o programa Fantástico, da Rede Globo, e chega informando que tem Alzheimer. Ela lembra que a vida continua e que podemos aproveitar tudo que for possível.

Como lidar com a nova realidade é um desafio para  as pessoas envolvidas.

Algumas  dicas podem contribuir para o bem-estar. Ter um projeto de vida (talvez até mais de um) ou participar de projetos sociais  podem ajudar a tirar o foco da doença e a reduzir os momentos de autopiedade. Fazer terapia e participar de grupos de apoio é importante.  São espaços de cuidado e autocuidado essenciais para essa etapa.

Nos grupos de apoio também encontramos vários exemplos inspiradores. Em Brasília, há o exemplo de um conhecido artista plástico, ilustrador e jornalista, cuja companheira continua proporcionando materiais,  contato com obras de arte e informações sobre o tema. Algo que claramente faz bem ao paciente e ativa suas memórias.

Exemplos de pessoas que seguem em frente, não faltam. Como o da senhora que mora na fazenda e até hoje, ainda separa café. Ou da mãe que todos os dias faz  bicos de crochê para panos de prato, doados para amigos, familiares e vizinhas.

São exemplos de pessoas que são  integradas e  se sentem respeitadas  fazendo o que gostam, de acordo com suas possibilidades.

Há quem desenvolva todo o tipo de estratégia para manter as atividades  que a pessoa enferma gostava e ainda gosta de fazer. Sejam  leituras, caminhadas, comidas, cantorias ou dança. A imaginação é livre.

Vitor Borisow, apoiador do Coletivo Filhas da Mãe,  realiza lives reunindo  ex-alunos e com a  professora de teatro, que hoje tem Alzheimer. Durante o encontro online conversam sobre espetáculos teatrais ou contam causos sobre as aulas e ensaios com a ex-professora.

Outras  atividades  também são importantes, como as que se referem à espiritualidade. Idas a igreja (ou o similar à  religião de cada pessoa) e   encontros com pessoas queridas. Mas amigas e amigos precisam ser informados antecipadamente sobre as mudanças que estão ocorrendo para respeitarem o ritmo e rotinas da pessoa enferma.

Estamos falando de uma rede de cuidado em que a família, caso more na mesma cidade, ou o grupo de amigas são  parte essencial, contribuindo para que o quadro demencial evolua de forma lenta, beeeeem lenta.

Uma rede amorosa, que é construída no dia-a-dia e que pode incluir, inclusive, fazer em conjunto atividades físicas  para incentivar a pessoa doente.

Cosette Castro

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