Ana Castro & Cosette Castro
Brasília – Outro dia recebemos o questionamento de um cuidador familiar preocupado porque falamos apenas no feminino e nos referimos às cuidadoras.
Depois de 41 publicações e do aumento de leitoras e leitores para uma média de mil pessoas, acreditamos que é preciso lembrar porque escrevemos no feminino, enquanto o restante do Brasil escreve no masculino.
Escrevemos no feminino para chamar atenção sobre a atividade de cuidado no Brasil. Segundo o IBGE, é uma atividade essencialmente desempenhada por mulheres. 96% dos casos. Como se fosse pouco, desse percentual, 82% são mulheres cuidadoras familiares, que trabalham de forma invisível e sem remuneração.
Algumas pessoas poderiam pensar que faz parte de um “dom”, que nascemos para cuidar. Isso não é verdade.
Como comentamos no texto Nascemos Para Cuidar?, fomos historicamente educadas para cuidar, desde um tempo em que mulheres eram proibidas de ir à escola, de sentar em bancos universitários ou mesmo trabalhar. Eram obrigadas a ficar em casa, relegadas ao mundo doméstico, cuidando dos filhos e parentes, com poucas possibilidades de educação e formação.
Até a década de 60 do século XX, ou seja, 60 anos atrás, as mulheres precisavam de autorização do marido ou do pai para estudar e trabalhar. Precisavam de autorização para viajar (para ir e também para voltar). Com isso, a possibilidade de conhecer o mundo e se sustentar dependia da boa vontade masculina.
O mundo público estava e ainda é reservado aos homens. E era um escândalo cada vez que as mulheres tentavam romper essa bolha masculina. Ainda hoje, atuando no mercado e com a mesma formação, as mulheres brancas ganham 20 a 30% menos que os homens. Entre as mulheres negras, essa diferença chega a 42%.
Os livros de ciência ou ficção e a academia eram espaços masculinos. Homens escreviam para homens e falavam sobre homens e sobre as mulheres. Foram eles que tornaram a palavra homem universal como forma de identificar o ser humano. E, mais uma vez, as mulheres se tornaram um apêndice do homem.
Não é por acaso que até hoje, 2021, muitas mulheres escrevam obras de ficção com pseudônimos masculinos. Os originais – avaliados majoritariamente por editores homens – têm mais chance de rejeição quando assinados por mulheres.
O caso conhecido mais recente foi o da escritora J. K .Rowlling, autora de Harry Potter, com mais de 500 milhões de cópias vendidas. Ela, que é a autora de um dos 15 livros de ficção mais vendidos do mundo, só conseguiu ser publicada com seu nome escondido, abreviado.
Por outro lado, há apenas 4% de homens cuidadores no Brasil.
Isso não é uma mera coincidência. Eles não foram educados para o cuidado. Não foram educados para cuidar de uma casa, para cozinhar ou cuidar de familiares idosos ou doentes. Foram educados a receber. A serem cuidados.
Os pais, com o aval das mães, desdenhavam – e muitas vezes ainda desdenham – de meninos, adolescentes e homens que demonstram interesse em cuidar. Como se atividades domésticas relacionadas ao feminino fossem algo feio. Como se eles corressem o risco de se “afeminar”, por aprender a sobreviver, a cuidar de si e a cuidar dos outros desde cedo.
Um bom exemplo de como o preconceito pode vir inclusive de mulheres é o relato do psicólogo Bruno Camargo, cuidador familiar, ao site ter.a.pia. Bruno contou que algumas mulheres quando viam ele cuidando da mãe perguntavam se ele não estava cansado e se não havia nenhuma mulher para ajudá-lo.
Se Bruno fosse Bruna, a maior parte das pessoas pensariam que é “normal” e até obrigação cuidar. Essas mesmas pessoas ainda se surpreendem ao verem homens cuidando.
Precisamos, sim, de mais homens cuidando. E sem terceirizar o cuidado para esposa e filhas.
E precisamos de mais pais, mães, avôs e avós estimulando os meninos ao cuidado. Meninos que brincam de bonecas e de casinha não vão se tornar homossexuais. Vão aprender desde cedo a cuidarem de bebês e a serem bons pais. A cuidar da casa e da alimentação sem considerar isso uma ajuda, um favor. E, principalmente, vão aprender a serem solidários com suas companheiras e demais familiares.
Enquanto isso não acontece, convidamos os filhos cuidadores a participarem desta ampla campanha de reconhecimento do trabalho invisível e sem remuneração das mulheres cuidadoras familiares. E a aceitarem amorosamente, pela primeira vez na vida, a serem incluídos no feminino. Uma singela homenagem a aquela que lhe deu a vida.
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