Entre Quatro Paredes

Publicado em políticas públicas de cuidado, Sem categoria

Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Quando o tema é  violência doméstica, em geral  pensamos em violência contra a mulher jovem, adulta ou contra crianças. Ou contra os três grupos ao mesmo tempo. Poucos pensam na violência contra idosos.

Durante a pandemia a violência contra pessoas com +60 aumentou 81%. Em 2020, segundo dados do Disque 100,  canal de atendimento do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos,  foram registrados 87.907 casos de maus- tratos. A maioria,  impetrados por homens,  filhos, netos ou genros.

Pode parecer algo raro e longe de nossa realidade o fato de que algumas pessoas cometam violência contra uma pessoa fragilizada.  Não é.  O abuso por ocorrer de forma individual. Ou coletiva,  de forma indireta, com a silenciosa anuência da família. E de forma direta,  cometido por mais de um familiar.

Como comentamos em texto anterior, há várias violências. A mais conhecida é a violência física, que passa pelos beliscões, tapas e empurrões sem marcas,  até a agressão. Esta pode deixar marcas de todos os tipos e até ossos quebrados.

Há também a violência  psicológica, que inclui ameaças,  humilhações e gritos. Ela assusta, impõe medo e silêncio, prejudicando a saúde mental dos maiores.

Existem outros tipos que quase não falamos. Entre elas a patrimonial,  que atinge os bens, móveis e imóveis. E a violência  financeira, que lesa a  pensão e as contas bancárias do idoso. Não é por acaso que a representação por curatela exige tantos documentos e comprovação de gastos anuais perante o juiz.

E existe a violência sexual contra mulheres idosas. Muitas vezes, contra pessoas acamadas, enfermas e com dificuldade para entender,  expressar e denunciar o abuso.

Outros tipos de maus-tratos incluem a negligência  e o abandono. A negligência com a alimentação, a higiene,  a vestimenta, assim como com a  aquisição e uso de medicamentos. E  o  abandono do cuidado do idoso, que não recebe o mínimo para o conforto físico-emocional.

Embora assustador,  é muito mais frequente do que imaginamos. Trata-se de uma violência silenciosa. Quem sofre, sofre calada, porque depende física ou emocionalmente de seus abusadores. Além disso, é vergonhoso para uma pessoa idosa reconhecer que aquela pessoa que criou e cuidou durante a sua vida passou a ser o seu abusador.

Os casos de violência não param por aí. O que ocorre dentro de algumas famílias é o exemplo do desrespeito em nível estrutural que existe no país. No Brasil, existe uma violência institucional e social contra os idosos.

A violência institucional ocorre porque o Estado não promove leis que realmente protejam os idosos. Ou quando as leis são criadas,  não saem do papel. Ou  quando as leis são executadas,  são tão irrisórias que se tornam quase uma piada. Um exemplo é  desse desrespeito é o  valor, pouco mais de 400 reais, destinado ao auxílio-funeral de pessoas de baixa renda  no Distrito Federal.

Paradoxalmente, no legislativo a maior parte das  leis são elaboradas por políticos, majoritariamente homens,  com mais de 60 anos. Isso não impede que exista  preconceito por idade, também conhecido por idadismo, ageísmo ou etarismo, dentro do  legislativo.

A violência social ocorre  cada vez que uma pessoa mais jovem  (adolescente ou adulta) desrespeita um idoso. Quando não cede lugar no ônibus. Quando olha a pessoa como se fosse inútil, apesar de ter trabalhado e produzido toda sua vida. Quando ignora seus desejos e necessidades, como se isso não tivesse mais valor. Quando não tem paciência para escutar as histórias dos +60.

Essa violência social está presente no mercado, quando trabalhadoras e trabalhadores escondem a idade para poder serem contratados e seguir sustentando a família. Aparece  cada vez que um currículo é descartado baseado na idade.  Ou a cada desaforo no trânsito, sugerindo que o idoso vá para casa e deixe de dirigir.

Ela também  está muito naturalizada no seio familiar,  sendo reforçada diariamente pelos meios de comunicação que teimam em alardear o Brasil como um país jovem. Não é. Estamos envelhecendo e não nascem crianças na mesma proporção.

Caminhamos,  como lembrou recentemente o gerontólogo Alexandre Kalache, para uma transição demográfica tão grande que obrigará as sociedades a se reorganizarem. Inclusive o Brasil.

Isso pode ocorrer com a implantação de políticas públicas de cuidado, com políticas para os idosos, com políticas públicas direcionadas às demências. Com grandes campanhas nacionais de  educação, convivência e  inclusão que garanta a valorização e dignidade dos idosos.

Hoje, somos 29,9 milhões de idosos no Brasil (IBGE). Em 30 anos, com a redução da taxa de natalidade, haverá cerca de 67 milhões de pessoas +60 no país. A maioria sem direitos sociais, sem políticas de prevenção e proteção que garantam a qualidade de vida.

Enquanto isso, os diferentes tipos de violência contra os idosos seguem ocorrendo. Por isso, ainda é preciso de um dia internacional  para conscientizar sobre a violência contra os idosos: 15 de junho. Até quando?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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