Ana Castro & Cosette Castro
Brasília – O envelhecimento costuma escamotear os primeiros sinais de demência. O familiar pode estar esquecendo atividades básicas que dominava ou mudando de comportamento e a primeira reação da família é colocar a responsabilidade na idade. Isso faz com que, mesmo os indícios mais gritantes – aqueles que acendem a luz interior de alerta – sejam colocados de lado porque parte da família se nega a aceitar que há algo errado.
São sinais diferentes para cada caso. Há pessoas que, depois de desenvolverem algum tipo de demência, ficam mais ansiosas. Outras, mais agitadas e até violentas. Ou ainda podem ficar alheias.
Em caso de morar em outra cidade, o familiar pode ligar mais de dez vezes ao dia perguntando repetidamente sobre os mesmos temas, sem se dar conta que já ligou anteriormente. Ou fazer ligações para reclamar das mesmas situações ou pessoas.
No caso de familiares independentes, como profissionais que viajavam muito, é possível que comecem a arrumar a mala com uma semana de antecedência, mas esqueçam metade dos itens básicos, como calcinhas, escova e pasta de dentes. Ou levem vestimentas inadequadas ao clima. Ou muitas blusas e nenhuma calça. Há quem se negue a levar o celular na viagem para “não ser controlada” ou desligue o telefone na viagem, causando preocupação à família e às pessoas que viajam juntas.
Há quem chegue ao aeroporto de madrugada para uma viagem na hora do almoço, com receio de perder o voo. Ou quem se esqueça da viagem.
Aliás, os esquecimentos podem levar a atos repetitivos: compra de várias passagens aéreas sem utilizar (mãe da Ana). Ou ir a consultas médicas e repetir os exames sem buscar resultado. Foram mais de 20 exames, entre eles de sangue, em dois anos solicitados por médicos diferentes sem necessariamente entregar o resultado (mãe da Cosette). Ou ultrassonografias e holters a cada dois meses ( mãe da Ana).
Inteligentes, pacientes com demência em estágio inicial desenvolvem várias estratégias para disfarçar suas fragilidades. O que se tornou difícil, passa a ser contornado, considerado chato até ser deixado de lado. Almoço, só fora de casa (mãe da Ana e da Cosette). Café da manhã, também (mãe da Ana).
Há quem se perca dirigindo. Esqueça para onde estava indo ou como voltar. Outros se perdem no trajeto do ônibus que fizeram a vida toda, principalmente no caso de idosos que moram por décadas no mesmo bairro. Não é incomum se perder na rua ou até mesmo dentro de casa, sem reconhecer móveis ou objetos que muitas vezes elas e eles mesmos compraram. A casa de que se lembram é a casa da infância.
Por isso, dirigir é uma das primeiras atividades a ser observada. O carro é uma das primeiras restrições após as mudanças de comportamento, de linguagem, de memória ou do diagnóstico final. Para distrair pessoas com demência, é possível alegar que o carro está na oficina ou, como medida extrema, que foi roubado. Esconder as chaves deixando o carro à mostra é uma tática que funciona pouco, porque causa ansiedade e agitação.
Nas nossas famílias já houve e há casos de demências com diferentes tipos de histórias. Entre as mais desafiadoras estão os casos de demência precoce.
É doloroso quando ocorre com menos de 50 anos ou por volta dos 50, pois a família e até os próprios médicos desconsideram a possibilidade de um diagnóstico como Alzheimer. As pessoas enfermas ainda não diagnosticadas podem ser acusadas de diferentes coisas. De inventar, tentar chamar atenção e até ser acusados de uso de drogas, algo que magoa os doentes e retarda o diagnóstico, expondo a pessoa enferma a riscos de toda ordem.
Um exemplo: uma mulher com cerca de 50 anos começou a adotar atitudes inusitadas, mas os parentes só acreditaram que realmente havia algo errado quando ela desapareceu por quase 24 h e reapareceu às 3h da manhã. Ligou de um orelhão para as duas irmãs avisando que a igreja ainda estava fechada. Queria saber quanto tempo elas iam demorar para chegar para o batismo de seu único filho (que tinha 30 anos na época).
No mundo, a cada três segundos, uma pessoa é diagnosticada com Alzheimer ou outras demências. Os projetos e pesquisas estão voltados majoritariamente para as pessoas acima de 65 anos, mas os casos de demência precoce já fazem parte da literatura especializada.
No Brasil, um grupo de mulheres diagnosticadas com Alzheimer precoce mantém um grupo no Whats App, o Migas Zheimer. Elas se encontram virtualmente quase todos os dias para ofertar apoio e promover o cuidado e o autocuidado entre elas.
Segundo Celia Maria de Oliveira, a guru das mulheres e idealizadora do Migas Zheimer, o pior de tudo é a desconfiança das pessoas, amigos e parentes. Mesmo após o diagnóstico confirmado com quatro, cinco médicos diferentes e os exames terem sido realizados repetidamente, eles seguem não acreditando.
Quando vamos passar a acreditar que, sim, é Alzheimer, e que pode ocorrer de forma precoce com nossas amigas, amigos ou parentes?
2 thoughts on “Quando vamos acreditar que é Alzheimer?”
Adorei o texto. Me identifico com tudo que vcs falam. Passei por muitas coisas antes do diagnóstico dos meus pais. Não é fácil!
Oi Maria Angélica
Sim, é um aprendizado e um desafio.