Cuidadora, mas pode chamar de gerente ou malabarista

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Ana Castro & Cosette Castro

Brasília – Uma executiva eficiente sem remuneração: é o perfil exigido para cuidar de um familiar com demência, resolvendo demandas de toda ordem, bem mais complexas em tempos de Covid-19.

Ser malabarista ajuda a equilibrar o orçamento doméstico, as atividades de casa, cuidar dos filhos e ainda levar cachorro para passear, caso tenha animais de estimação e more em apartamento. Se trabalha fora, acaba assumindo o plantão noturno, com prejuízo para o sono e para a própria saúde. Algumas ainda se dividem para cuidar de outros familiares, sejam filhos com síndrome de Down ou no espectro autista.

O cuidado vai muito além de estabelecer uma rotina diária para o familiar com demência, garantir a alimentação, medicação, que tome banho, escove os dentes e durma bem. É preciso atenção redobrada à higiene da casa e de quem nela circula para manter a saúde do paciente e evitar infecções. Trabalho  de gerente para pesquisar, negociar, adquirir e fazer controle de estoque de produtos de uso hospitalar, máscaras, luvas e álcool. Haja busca por promoções, pois a casa vai se transformando em  uma empresa!

Outro desafio: encontrar formas de comunicação entre cuidadores familiares, cuidadores profissionais – quando existem – e demais familiares. As paredes passam então a exibir quadros de aviso, recados, telefones úteis e de urgência. Agendas e aplicativos podem ajudar a não esquecer tantas tarefas.

A cuidadora  familiar assume o papel de gerente sem treinamento prévio.

Vai descobrindo que a rotina é necessária para organizar a casa e a vida da pessoa  com  Alzheimer, a mais frequente entre as demências. Mas quando resolve um problema, surge outro. Porque as perdas físicas e cognitivas seguem ocorrendo, reduzindo as condições físicas, mentais e emocionais de quem tem uma enfermidade neurodegenerativa.

Demências não têm cura ou reversão do quadro. Apenas tratamento, que exige  da cuidadora a capacidade de coordenar as atividades dos profissionais na agenda de consultas, exames, autorizações de procedimentos e pedido de receitas controladas. Tendo  que explicar às atendentes as limitações de horário ou de locomoção da pessoa com demência.

Longa Maratona

Pesquisar preços de medicamentos exige outra maratona, já que a oferta de remédios na rede pública vem sendo reduzida devido ao drástico corte de orçamento da Saúde. Adquirir fraldas geriátricas, por exemplo, demanda tempo e paciência, pois o reajuste de preços das fraldas  é permanente. E deixam bastante a desejar em qualidade.

Para obter fraldas  gratuitamente, o primeiro passo é conseguir a receita na Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima da residência. Depois, ver quais postos de saúde têm farmácias com fraldas geriátricas. Para não perder horas no deslocamento, nem gastar com transporte adicional.

Outra possibilidade é recorrer às farmácias populares com a receita médica do SUS, o que garante um desconto significativo na compra. A receita dá direito a 40 fraldas por um período de 10 dias, devendo ser renovada a cada seis meses. Será necessário complementar a quantidade, pois é insuficiente para um adulto. Outra maratona:  as farmácias populares foram drasticamente reduzidas desde o governo Temer e o programa social corre o risco de acabar no governo Bolsonaro sob a alegação de falta de verbas.

Lidar com essa realidade desgasta física e emocionalmente a cuidadora familiar, que não é tratada como cidadã digna de respeito. Nem como uma cliente  por empresas que alegam vender saúde.

A burocracia e o tempo de espera para ser atendido on-line ou presencialmente nos planos de saúde dificultam o acesso aos serviços, sem contar os valores proibitivos para a maioria dos idosos. Quem  consegue serviço domiciliar (home care) acaba por transformar a residencia  em mini-hospital, convivendo com a rotatividade das equipes que não criam vínculo com pacientes nem com a família.

As empresas de cuidadoras profissionais – também intermediários de mão de obra – e os prestadores de serviços de cuidado como os planos de saúde deixam a desejar no zelo pela saúde dos  seus colaboradores e dos clientes. Seja no transporte das técnicas ou cuidadoras ou na oferta de Equipamentos de Proteção Individual.  Ainda expõe o paciente, a equipe e toda a família à contaminação pelo Covid-19.

Frente a tantas exigências e urgências, a cuidadora familiar  mal encontra tempo e energia  para reclamar ou se unir a outras que enfrentam o mesmo desafio: manter a dignidade e a qualidade de vida de quem está sem condições de se cuidar. É obrigação do Estado, da sociedade e da família, mas acaba sendo colocada como algo individualizada,  sob responsabilidade de uma mulher.

No mundo do cuidado, falta muito cuidado.

Cosette Castro

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