Brasília – Não somos especialistas em gerontologia. Mas estamos aqui para palpitar sobre velhice, sobre demências como Alzheimer, cuidado e autocuidado. E compartilhar nossos tropeços e aprendizados no desafio de cuidar de nossas mães. Ambas faleceram com Alzheimer.
Por que falar sobre um tabu – a demência – e a economia do cuidado em um Brasil que faz de conta que é jovem? Campeão mundial, desde 2019, em cirurgias estéticas? Que teima em ignorar o impacto do envelhecimento do país, um dos mais acelerados do mundo?
Existem mais de 31,2 milhões de homens e mulheres acima de 60 anos, 14,7% por cento da população brasileira. Segundo projeções do IBGE, esse percentual deverá dobrar nas próximas décadas, chegando a um quarto da população em 2043.
Nossa geração vem descobrindo que o aumento da longevidade não garante uma vida melhor. Além do preconceito (conhecido como ageismo, idadismo, etarismo), há o encolhimento da renda com a aposentadoria frente ao constante aumento de preços dos medicamentos e dos planos de saúde. A cada mudança de faixa etária, aumenta a evasão do sistema de saúde complementar, sobrecarregando o SUS, cujo orçamento vem diminuindo anualmente.
Em 2019, apenas 28,5% da população brasileira (59,7 milhões de pessoas) possuíam plano de saúde privado. Desses 59,7 milhões, 37% vivem no DF. Em termos nacionais, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar, em 2019 houve uma evasão de 60, 4 mil clientes. E em 2020, com a pandemia e a crise econômica, a evasão atingiu 283 mil pessoas.
Quando os indicadores do envelhecimento cruzam com as estatísticas de doenças pouco conhecidas e atualmente sem cura, como as demências, o cenário brasileiro assusta. Não existem números precisos, mas estima-se que sejam quase dois milhões de pessoas vivendo com doenças cerebrais que causam a diminuição progressiva da capacidade cognitiva. E novos casos exigem reorganização familiar todos os dias.
As alterações de comportamento e perda de funções exigem acompanhamento médico e de uma equipe integrada por fonoaudióloga, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicóloga, nutricionista e cuidadores. Ufa! Além disso, tem a lista mensal de medicamentos, fraldas, luvas, máscaras e equipamentos como cadeira de rodas e de banho e cama hospitalar que vão obrigando a adaptação da residência para cuidar o paciente 24 horas por dia, sete dias na semana.
Quanto às instituições de longa permanência para idosos (ILPIs), ainda são escassas no Brasil. Sequer atendem 1% da população acima de 60 anos, seja pela quantidade existente, seja pelos preços das mensalidades.
O trabalho de cuidar recai mesmo sobre as mulheres, na maioria, filhas. Mulheres dão conta de 96% do cuidado (IBGE, 2019). Um trabalho invisível e gratuito em 82% dos casos. Desgastante. Solitário. E que afeta a saúde física e mental das cuidadoras.
Vivemos por mais de dez anos tais experiências. E em dezembro de 2019, para apoiar outras cuidadoras, criamos com outras mulheres o Coletivo Filhas da Mãe. Sem medo de escolher um nome com conotação preconceituosa. Afinal, ser Filha da Mãe não é demérito. Nem palavrão.
Somos Filhas da Mãe, sim, com muito orgulho. Estamos aqui graças a elas. Convidamos outras mulheres e homens para participar dessa rede de apoio. Elas toparam imediatamente. E eles estão topando. De diferentes gerações: filhos, netos, sobrinhos, afilhados, cunhados, genros, sogros, companheiros, namorados, amigos e vizinhos. Como diria Arnaldo Antunes em “A Casa É Sua”, a porta está aberta. Por que você não chega logo?
PS: Não somos irmãs, apesar do sobrenome. Mas nos descobrimos manas no cuidar bem de nossas mães. E dispostas a ajudar outras pessoas a se cuidarem bem também.
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