Confira entrevista para o À Queima-Roupa, por Ana Maria Campos, publicada em 14 de setembro de 2025 — Com o promotor de Justiça Valmir Soares Santos, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)
Encerrado o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos demais integrantes do núcleo crucial da trama golpista, qual foi a mensagem que o STF deixou?
A principal mensagem extraída do julgamento do processo do núcleo crucial indica que o presidente da República, na condição de chefe das Forças Armadas, não pode convocar os chefes militares para “sentir se tem clima para um golpe”, pois essa ação foi considerada uma grave ameaça contra a democracia brasileira, atenta contra o bem jurídico protegido pelos tipos penais previstos nos artigos 359 L e M, do Código Penal, sendo passível, portanto, de investigação, processo, julgamento e eventual condenação, respeitado o devido processo legal. Além das lições jurídicas que podem ser extraídas da decisão condenatória do núcleo crucial, há uma lição filosófica: nunca siga uma pessoa menos inteligente do que você.
Acredita que os ministros foram contaminados pelo clima político contra e a favor de Bolsonaro ?
A denúncia histórica (a peça descreveu os fatos históricos documentados de forma concatenada desde meados de 2021 até o 8 de Janeiro de 2023). Foi apresentada pelo eminente procurador-geral da República, lastreada em robusto conjunto probatório, colhido na fase policial e confirmado perante a Primeira Turma do STF, incluindo a delação premiada do acusado Mauro Cid, elementos de prova que nortearam os debates realizados, em votos longos e fundamentados, incluindo o voto divergente, amparados em sólida doutrina jurídica, estudos sociológicos e históricos, que foram determinantes para o resultado condenatório do julgamento. Eventual uso político da decisão pela direita/esquerda — situação/oposição faz parte do jogo político, mas não contaminou a decisão proferida.
Os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino deixaram claro que não cabe anistia para os condenados. Mas os políticos ligados a Bolsonaro insistem que o projeto será votado. O Supremo vai derrubar a anistia, caso seja aprovada?
A análise dos pronunciamentos dos eminentes ministros do STF indica o não cabimento da anistia em crimes contra a democracia, não sendo passíveis, ainda, de indulto, graça ou perdão judicial, pois atentam contra as bases de sustentação do sistema democrático, encontrando barreira intransponível nos incisos XLIII e XLIV, do artigo 5º, da Constituição Federal. Na hipótese de aprovação de uma lei de anistia e eventual apreciação pelo STF, há o indicativo de que poderá ser aplicado o mesmo entendimento do precedente envolvendo o julgamento proferido no caso Daniel Silveira, no qual o STF, por maioria, declarou inconstitucional a “graça presidencial” (ADPF 967/DF).
É a primeira vez que a Justiça julga um presidente por atentar contra a democracia. Que precedentes ficam desse julgamento?
(I) A impossibilidade do governante “testar o clima” da possibilidade de golpe, convocando os chefes das Forças Armadas para adesão; (II) o sistema democrático é o sujeito passivo da violência ou grave ameaça nos crimes contra a democracia, ficando caracterizado o crime de tentado quando os atos forem praticados contra as instituições (violência contra as instituições); (III) o governante não pode liderar movimentos populares que estejam pregando a autorização e a convocação das Forças Armadas para declarar a intervenção militar (artigo 142, GLO, Estado de Defesa e Estado de Sítio) para interferir ou limitar a atuação dos outros Poderes, objetivando a tomada/permanência no poder, durante o governo ou após a derrota nas urnas; e (IV) a liberdade de expressão não significa a “impunidade geral e irrestrita da expressão”, pois não se trata de um direito absoluto, os fatos/atos praticados que caracterizam condutas criminosas tipificadas estão sujeitos a investigação, processo e julgamento sob o crivo do devido processo legal.
Encerrado o julgamento, quando os condenados serão presos?
A prisão, em regra, ocorrerá após o trânsito em julgado da condenação.
Que benefícios Bolsonaro pode reivindicar em função de ter sido presidente, pela idade e condições de saúde?
O ex-presidente Jair Bolsonaro, em face da idade e de condição delicada da saúde, poderá ser beneficiado pela concessão de cumprimento da pena em prisão domiciliar, tendo em conta que, em caso semelhante, o STF concedeu o mesmo benefício ao ex-presidente Collor. A progressão penal será avaliada em fase de execução da pena. Levando em consideração o reconhecimento de crimes praticados com violência e grave ameaça, o tempo mínimo seria de 25% da pena fixada, ou seja, aproximadamente seis a sete anos de cumprimento no regime fechado, além da avaliação do comportamento do apenado no momento do pedido de progressão do regime prisional.
Acha que a pena foi alta? É mais do que muitos condenados por homicídio.
Devemos ter muito cuidado com esses conceitos subjetivos, pois temos que levar em conta que foi uma condenação pela prática de cinco crimes, sendo três deles graves (associação criminosa armada, atentado contra o Estado Democrático de Direito e golpe de Estado), mais os crimes de dano contra a patrimônio público e contra o patrimônio público tombado. Assim, as penas somadas, contando o agravamento pela liderança da organização criminosa, temos um intervalo aproximado de pena mínima e máxima: 16 anos e 40 anos. Portanto, a pena fixada em 27 anos, pode-se dizer que se trata de uma pena média, não sendo razoável comparar fatos criminosos absolutamente diferentes.

