Délio Lins e Silva Júnior
Délio Lins e Silva Júnior Crédito: Valerio Ayres/CB/D.A.Press. Brasil. Brasilia - DF Délio Lins e Silva Júnior

Presidente da OAB/DF fala sobre pacote anticorrupção e relação com governo Ibaneis

Publicado em CB.Poder

À Queima Roupa
Délio Lins e Silva Júnior
Presidente da OAB/DF

Qual é a sua avaliação sobre o pacote anticorrupção elaborado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro?
A corrupção é um problema grave que deve ser combatido de forma veemente e intransigente. O pacote encaminhado ao Congresso pelo Ministério da Justiça traz, obviamente, muitos pontos positivos para modernizar a legislação criminal arcaica hoje vigente em nosso país, mas tenho muito medo dessas legislações de ocasião, geradas em gabinetes fechados, sem que seja debatido com os demais personagens do sistema jurídico. Ademais, existem alguns pontos muito sensíveis à advocacia, sendo inaceitável a pretensão de gravar as conversas entre advogado e cliente, sob pena de acabar com a garantia básica atinente a cada pessoa de exercer de forma ampla sua defesa. Espero que o Congresso convoque a advocacia, a magistratura, o Ministério Público, entidades representativas e a academia para opinarem e contribuírem com outros pontos de vista. Nós, da OAB/DF, já criamos uma comissão especial para estudar as modificações e apresentar eventuais sugestões de emendas, formada por colegas de várias comissões da Casa.

 

Avaliando ponto a ponto, qual é a sua opinião sobre a possibilidade de execução da pena a partir da condenação em segunda instância?
Minha opinião é antiga. Há textos legais que não guardam espaço para interpretação por parte do Poder Judiciário, sendo certo que nesse ponto a Constituição Federal é de clareza inigualável ao dispor que ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ou seja, para prender antes de chegar a esse final impõe-se que se altere o texto constitucional, o que só pode, eventualmente, ser feito por meio de um processo legislativo adequado.

 

E da prisão logo após a condenação pelo Tribunal do Júri?
Da mesma forma vejo com muita preocupação. Embora o STF esteja entendendo que, em atenção à soberania do júri, a decisão colegiada nele proferida possua o condão de já encaminhar o início de cumprimento da pena, existem outras garantias com mesmo patamar constitucional como o devido processo legal, a presunção de inocência e o duplo grau de jurisdição, que devem da mesma forma ser observadas, ressaltando-se sempre que o Tribunal do Júri é formado por pessoas leigas, o que torna a decisão mais suscetível a equívocos e, portanto, deve ser analisada pelo Poder Judiciário, ao menos em um segundo grau de jurisdição.

 

Acha justo o excludente de ilicitude para que policiais sejam isentos de pena em casos de legítima defesa?
Respeito muito os policias e penso que merecem muito mais reconhecimento do que hoje possuem, porém vejo com grande preocupação essa carta branca de atuação em que se consubstancia essa medida. A excludente de ilicitude já existe na nossa legislação e deve ser apreciada em cada caso concreto, sendo inconcebível que seja generalizada, sob pena de incentivar ainda mais abusos do que os hoje existentes, especialmente nas regiões mais pobres, com criminalidade mais problemática.

 

E a chamada plea bargain?
Trata-se, para mim, da mais polêmica das alterações. Importada da legislação americana de forma incompleta e em outro contexto social, ela deveria ser debatida de forma ampla e democrática, pois altera toda a base do sistema, mas só para crimes de potencial ofensivo pequeno, ou seja, não terá o efeito pretendido de punição de poderosos e servirá, isso sim, para aumentar ainda mais a quantidade de presos no país (só os pobres, já clientes do sistema). Para além disso, concentrar tanto poder nas mãos de uma mesma instituição – Ministério Público – faz pender perigosamente a balança da justiça para um mesmo lado, pois o mesmo órgão investigar, acusar e depois negociar e firmar o acordo a ser imposto à parte não me parece o caminho adequado.

 

Criminalistas perderão recursos de defesa de seus clientes com o pacote anticrime do Moro?
Penso que a discussão seja muito maior que isso. Quem sofre não é a advocacia, que se adaptará sempre ao que for previsto em lei, mas o jurisdicionado, que na ponta é quem efetivamente sofre com a supressão de direitos.

 

Em um mês de trabalho à frente da OAB/DF, o que já foi possível fazer?
O primeiro mês foi dedicado especialmente a questões administrativas essenciais e visitas institucionais. Promovemos a análise e revisão de contratos e adequação de procedimentos. Cito, por emblemático que é, a revisão do contrato de comunicação que existia entre duas empresas e a OAB, pois com a nova contratação (após ouvir 12 empresas interessadas na prestação dos serviços), reduzimos os custos de aproximados um milhão e duzentos mil reais para quatrocentos e cinquenta mil reais anuais, sendo mantido o mesmo objeto da prestação de serviços, ou seja, mais ou menos 60% de economia do dinheiro dos advogados. Com isso, já demos o exemplo do cuidado que tomaremos com o dinheiro da OAB. Para além disso, fizemos várias visitas a órgãos de todos os poderes, com pleitos especialmente voltados à defesa das nossas prerrogativas; reduzimos a anuidade do jovem advogado, que hoje é a mais baixa do país; criamos comitês para tocar propostas de modernização informática de serviços, aproximação da OAB com as subseções e implementação de transparência para que a advocacia saiba como é gasto seu dinheiro; criamos um sistema de controle e interação das comissões da OAB, para que os grandes temas da sociedade sejam debatidos dentro da Ordem e nós voltemos a ser protagonistas da sociedade civil. Enfim, estamos trabalhando muito para fazer o melhor pela advocacia e sociedade.

 

E a relação com o governo Ibaneis, como está?
Tive uma reunião de cortesia com o Governador e a relação institucional será sempre cordial. Tenho a impressão que ele, assim como nós na OAB, está em fase de adaptação. Percebo muita vontade de fazer e estaremos prontos para ajudar no que for possível. Em relação a dois pontos específicos, a Ordem já foi levada a se manifestar em defesa da sociedade: a questão da saúde, quando entendemos que a forma como a questão foi encaminhada, sem apresentar estudos de impacto, custos e gastos, atropelou a forma que temos como apropriada para mostrar transparência à população; e o suposto fim do passe estudantil, uma conquista histórica que caso o governo não voltasse atrás ainda antes do encaminhamento ao Poder Legislativo, prejudicaria milhares de estudantes que necessitam do benefício. Tanto em uma quanto na outra questão, a Ordem se manifestou e, mais que isso, além de criar a discussão interna se ofereceu ao GDF para ajudar no que puder. Assim será sempre, sem omissões, sendo parceira nos bons projetos, mas crítica quando necessário for.

 

A OAB colaborará com o governo?
A Ordem deve ser, e assim será na nossa gestão, apartidária, fazendo sempre tudo que possível em defesa da advocacia e da sociedade. Nossa Casa possui assentos em vários conselhos do GDF e de outras instituições para que possamos participar, de forma voluntária e sem remuneração, das discussões, propor políticas públicas de qualidade e sobretudo fiscalizar os atos públicos. Além disso, criamos uma comissão de controle dos gastos públicos, a fim de contribuir com a necessária transparência das contas do governo e do legislativo. A maior “colaboração” da Ordem com o Estado, portanto, é atuar de forma isenta e independente em favor da sociedade.