ANA MARIA CAMPOS
A Justiça do DF arquivou um processo criminal de furto por insignificância do caso. O detalhe é que a manifestação do Ministério Público do DF foi feita por meio de versos.
A história já começa curiosa. Um homem entrou na Livraria Cultura do Iguatemi Shopping se interessou por uma bíblia de capa dura que vale aproximadamente R$ 150, colocou debaixo da calça e tentou sair sem pagar. Flagrado pelos seguranças, ele prestou depoimento na delegacia e se disse arrependido. Foi indiciado pela Polícia Civil do DF, mas poupado de uma condenação.
O promotor de Justiça Valmir Soares Santos (foto), que é ateu, conta que não se impressionou por se tratar de um livro religioso. Disse que agiria assim qualquer que fosse a publicação. Mesmo se fosse o Kama Sutra? Sim, ele respondeu. É que Valmir defende o que considera “processos judiciais mais humanitários”.
Para ele, a prisão é uma punição que não traz nenhum benefício. “Castigo não educa”, acredita. Veja a manifestação do promotor, considerada “brilhante e poética” pelo juiz Osvaldo Tovani, da Oitava Vara Criminal de Brasília, que a acatou:
O indiciado Willas queria orar
Na livraria Cultura decidiu entrar
Sem dinheiro para pagar
Uma bíblia decidiu furtar
O segurança desconfiado passou a monitorar
E viu Willas uma bíblia nas calças guardar
Depois de passar pelos caixas sem pagar
O segurança resolveu abordar
Preso com a bíblia nas calças decidiu confessar
E a bíblia entregar
Pedindo a Deus para perdoar
Já que com a bíblia não poderia louvar
Assim, não me parece razoável também denunciar
Pois, se cabe a Deus perdoar
O que podemos fazer é arquivar
E para isso, senhor juiz, o artigo 395, CPP peço para aplicar
Outros poemas
Não é a primeira vez que o promotor Valmir Soares Santos, da 15ª Promotoria Criminal de Brasília, se manifesta nos autos por meio de versos.
Quando atuou no Tribunal do Júri do Gama, costumava fazer poemas de despedidas para réus que morriam durante o processo judicial. Antes de encerrar o caso, caprichava nas palavras para dar adeus ao falecido que obviamente não poderia mais pagar na Terra pelo homicídio que passaria pelo crivo dos jurados.
Ele também adotou o estilo teológico num caso em que um morador de rua passou dois meses preso por furtar 10 maçãs. “O fruto é o mal da humanidade. Não podemos fazer nada por Adão e Eva, mas José Ferreira eu pude salvar”, diz.
Numa audiência, ele também se comoveu pelo pedido de uma noiva que estava para perder o casamento porque seu parceiro estava preso por portar uma elevada quantidade de maconha. Valmir pediu a condenação, mas que ele cumprisse a pena em regime aberto. E assim foi feito.
Coração mole? “Não. Minhas manifestações são baseadas no direito penal”, garante. Há 20 anos no MPDFT, ele foi agente da PF por 10 anos e começou a vida como sargento do Exército. A chave para o fim da criminalidade, aos olhos do promotor, não é a prisão.