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Ministério Público Federal denuncia secretário de Saúde por não fornecer medicamentos a hemofílicos

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OTÁVIO AUGUSTO

O Ministério Público Federal (MPF) cobra providências no fornecimento da medicação profilática e emergencial a coagulopatas e hemofílicos na capital federal.

A comercialização de sangue e de hemoderivados é proibida em todo país e somente o poder público pode adquirir o insumo. Com o lapso no fornecimento, os pacientes não conseguem se tratar.

Após seis meses de investigação, o procurador regional da República Ronaldo Albo denunciou o secretário de Saúde, Humberto Fonseca, o ex-titular da pasta Fábio Gondim, a presidente da Fundação Hemocentro, Miriam Daisy Calmon, e o coordenador geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, João Paulo Baccara pelas falhas. Eles vão responder pelo crime de desobediência e exposição de paciente a risco de morte.

A ação penal vai tramitar no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, sob a relatoria da desembargadora Neuza Maria Alves.

Segundo a investigação, o cenário se agravou a partir de janeiro deste ano.

A distribuição de medicamentos destinados aos portadores de hemofilia e a aquisição de novos estoques estaria vivendo “situação caótica”, inclusive com a suspensão e a diminuição do tratamento.

Para o MPF, houve drástica redução na entrega dos medicamentos. A falta da medicação causa sofrimento físico a quem tem hemofilia, além de acarretar um quadro de debilitação que pode deixar sequelas irreversíveis, como a amputação de membros, e causar morte prematura.

Durante a investigação, Ronaldo Albo colheu o depoimento de hemofílicos que contaram o drama no dia a dia. Como a Constituição veda a comercialização de medicamentos derivados do sangue, o paciente precisa receber do Estado. “Se o Estado veda a comercialização e não fornece, qual é a opção? Isso é muito grave”, disse Albo.

O procurador regional da República afirma que a partir de agora vai monitorar todos os 244 pacientes. “Se algum hemofílico sofrer amputação, sequela ou vier a óbito, vou buscar a responsabilização criminal dos gestores da saúde”, afirmou.

O Hemocentro disse que não comentaria o caso. O ex-secretário de Saúde Fábio Gondim garantiu que não houve negligência na distribuição do medicamento durante a sua gestão. “Há um problema histórico que não se encontrou solução. Há uma regulamentação que obriga a distribuição de fatores coagulantes no DF e que em lugar nenhum do mundo se usa essa quantidade como aqui. Chegou um momento que o Ministério da Saúde questionou. Fizemos uma reunião e a pasta voltou a disponibilizar a quantidade necessária”, explicou Gondim. “Houve uma falha de fluxo, mas não por causa do DF porque o governo local não é o responsável pela compra”, acrescentou.

A Secretaria de Saúde do DF divulgou a seguinte nota:

A Secretaria de Saúde informa que, até o momento, não foi notificada a respeito de Ação Penal relacionada à investigação sobre o fornecimento de Fator 8 e Fator 9 recombinante para pacientes com hemofilia. Com relação a essa questão, porém, a Secretaria vem atuando para que em nenhum momento os pacientes ficassem desassistidos.

Existem atualmente 412 pacientes cadastrados pela Fundação Hemocentro no Sistema Hemovida Web do Ministério da Saúde, órgão responsável pela aquisição e distribuição dos fatores de coagulação em todo o território nacional. Desse total de pacientes cadastrados, 235 são hemofílicos (185 portadores de Hemofilia A e 50 portadores de Hemofilia B).

É importante ressaltar que a responsabilidade pela aquisição dos fatores coagulantes é do Ministério da Saúde, cabendo o cadastramento dos pacientes e a dispensação à Secretaria de Saúde. O protocolo do Ministério da Saúde prevê a distribuição de determinada quantidade de fator coagulante para cada paciente. E diversas ações judiciais determinaram a distribuição em quantidades maiores.

Até abril de 2015, o Ministério da Saúde vinha distribuindo os fármacos coagulantes no quantitativo solicitado. Naquele momento, porém, houve uma súbita diminuição do quantitativo de entregas, o que fez a Secretaria procurar a Coordenação Geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde. A coordenação informou que devido ao fato de o Distrito Federal estar utilizando doses muito acima do estabelecido pelo Ministério, passaria a receber como quantitativa 3 UI per capita do Fator 8 e 0,6 UI per capita do Fator 9.

No ano passado, o então secretário de Saúde do Distrito Federal, João Batista de Souza, pactuou com a Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde que as entregas continuassem no quantitativo solicitado até dezembro de 2015.

Entretanto, desde o início do ano, as entregas dos fatores de coagulação pelo Ministério da Saúde diminuíram, o que fez com que a Secretaria de Saúde fizesse um fracionamento da quantidade enviada a cada paciente, de modo a evitar que eles ficassem sem medicação.

O secretário de Saúde, Humberto Fonseca, expediu documentos e esteve várias vezes pessoalmente no Ministério da Saúde para tratar da questão, tanto na gestão do ministro Marcelo Castro quanto na gestão do ministro Ricardo Barros, acompanhado do governador Rodrigo Rollemberg e do vice-governador Renato Santana, diligenciando para garantir o fornecimento.

Ao mesmo tempo, a Secretaria de Saúde realizou um pregão emergencial para a compra do Fator 9. Mas o laboratório fornecedor informou que só poderia entregar os produtos, na quantidade solicitada, a partir de setembro. Negociou-se com o laboratório uma doação à Secretaria do estoque que possuía para que fosse usado até a regularização do fornecimento, a partir de setembro.

Desta forma, fica claro que a Secretaria de Saúde agiu com diligência, apesar de todas as dificuldades, e tratou o caso com total prioridade. Finalmente, vale reforçar que em nenhum momento nenhum paciente ficou sem receber os fatores coagulantes de que necessita.

O Ministério da Saúde divulgou a seguinte nota:

O Ministério da Saúde informa que não há desabastecimento de hemoderivados para os pacientes atendidos pela rede pública de saúde no Distrito Federal e nos demais estados do país. O Ministério acompanha os estoques nos estados e o envio das remessas por meio do sistema Hemovida Web Coagulopatias (módulo de controle de estoques), que é atualizado pelo gestor local, responsável por receber e realizar a distribuição dos medicamentos.

O Ministério da Saúde vem atendendo integralmente as solicitações mensais de medicamentos do Hemocentro de Brasília. Entre janeiro e maio deste ano, a média mensal de envio do Fator 8 pelo Ministério da Saúde ao DF foi de 3,1 milhões de unidades, o que representa uma proporção (per capta) superior a três vezes a média nacional. Segundo o Relatório Anual da Federação Mundial de Hemofilia (outubro de 2015), países como França, Inglaterra, Alemanha, Japão e Finlândia têm fornecido à população com hemofilia uma proporção entre 5 e 8 unidades per capta. Historicamente, no Distrito Federal, a proporção per capta anual, para o fornecimento do Fator 8, é superior a desses países, alcançando em 2015 mais de 12 unidades per capta.

Desde 2015 vem sendo tratado junto ao governo do Distrito Federal uma solução para o atendimento de demandas judicias e outras situações excepcionais que ocorrem na capital do país, que demandam medicamentos para além da previsão dos manuais de tratamento de hemofilias, implementados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

É importante esclarecer ainda que, além da remessa enviada pelo Ministério da Saúde aos estados, o gestor local pode fazer a aquisição direta junto às empresas fornecedoras, caso necessário.