Se, em 2022, Lula era o candidato com mais condições de vitória, em 2026 ele é o candidato com mais chances de derrota. Além de estar em seu terceiro mandato, com muitos desgastes, pela posição de incumbente ele sabe que as eleições nacionais serão muito difíceis
À Queima Roupa, por Ana Maria Campos |
Enrevista com Melillo Dinis do Nascimento, advogado e analista político em Brasília, é doutor em direito e pós-doutor em garantias constitucionais
O ex-presidente Jair Bolsonaro está em situação crítica na UTI, mas tem recebido visitas e gravado na unidade. Nesse quadro, como avalia a intimação judicial dentro do hospital?
Em 35 anos como advogado de defesa ainda não havia visto algo nesse formato. As regras do processo penal exigem a citação pessoal. Se pensarmos a partir das regras do processo civil, por analogia, não se fará a citação de doente, enquanto grave o seu estado. Parece-me, diante da decisão do relator, o ministro Alexandre de Moraes, que ele entendeu, após a “live” de Jair Bolsonaro e as visitas de políticos na UTI, que esse já estaria apto a receber a citação, que foi efetivamente realizada por oficiala de Justiça. Mas há um aspecto, mais amplo, que me preocupa. Em casos rumorosos, com muito debate e polêmicas, é necessário que as garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório sejam a maior caraterística, para que se evitem críticas desnecessárias e riscos de nulidades. É um caso tão histórico que merece todos os cuidados para não permitir que erros estejam presentes tanto na sua condução quanto na sua conclusão.
Ao acompanhar os julgamentos do recebimento da denúncia da PGR pela trama golpista, há um sentimento de que os ministros da Primeira Turma do STF não têm dúvidas quanto à responsabilidade dos acusados que se tornaram réus até agora. Acredita que a condenação de Bolsonaro
e da maioria dos réus é certa?
Tenho acompanhado, como quase todos, o debate da Primeira Turma do STF sobre os dois primeiros núcleos dos denunciados, agora réus. Há ainda muitos temas a serem debatidos, na fase da instrução das ações penais, e não se pode prever um resultado no atacado. Todavia, é evidente que os fatos, além de muito graves, exigem uma apuração precisa, dentro das regras jurídicas, e com a necessária distinção entre aqueles que realizaram as condutas apontadas pela PGR dos que são inocentes. Ainda vai correr muita água por debaixo da ponte processual. E creio que a pressa é inimiga da perfeição, como diz o ditado popular.
Independentemente da condenação, Bolsonaro está inelegível, embora insista em dizer que vai disputar a eleição de 2026. Qual papel ele terá na disputa presidencial?
Bolsonaro está inelegível por conta da decisão do Tribunal Superior Eleitoral e da aplicação da Lei da Ficha Limpa no caso concreto. Mas ele é a maior liderança de um campo político que disputará as eleições de 2026. Ele, presente na chapa ou não, tende a aglutinar a unidade da oposição mais competitiva. Em certa medida, tudo passará por ele, mesmo que seja para que os dissidentes lancem candidaturas próprias. Além disso, ele estará presente no discurso da chapa da situação, com Lula no comando (muito provavel) ou no apoio (mais improvável), que o atacará com todas as suas forças e narrativas.
E se Bolsonaro for preso? Ajuda ou atrapalha a oposição e o bolsonarismo?
Se ele for preso, e se for consolidada a imagem de um “mártir” da direita, ele ajuda muito mais que atrapalha o seu campo. No Brasil, o fato de uma liderança ter problemas na Justiça, mesmo em caso de prisão, não impede, quase sempre, que os seus adeptos mantenham o seu compromisso e a sua dedicação em reeleger. Essa, aliás, foi a maior consequência da Lei da Ficha Limpa, que conseguiu, nas últimas eleições, evitar que houvesse mais condenados nas disputas eleitorais.
Acredita que haverá uma candidatura forte da centro-direita contra Lula?
Se, em 2022, Lula era o candidato com mais condições de vitória, em 2026 ele é o candidato com mais chances de derrota. Além de estar em seu terceiro mandato, com muitos desgastes, pela posição de incumbente ele sabe que as eleições nacionais serão muito difíceis. A falta de palanques estaduais competitivos, a inexistência de muitos quadros no seu campo que o ajudem nas disputas para o parlamento, a crise de confiança que marca o país, o crescimento dos “rejeitores” ao invés de eleitores são fatores que complicam a disputa. Nessa conjuntura, acredito que a oposição terá uma chapa forte, provavelmente, com alguém da família Bolsonaro na sua composição, e que vai dar muito trabalho. Os nomes circulam e são testados, invariavelmente, mas sabem também que o patrimônio eleitoral de Lula, mesmo com alguns abalos, ainda é muito grande.
Pesquisas indicam a popularidade baixa do presidente Lula. Onde ele tem errado?
Eu não sou um “pesquisista”. Só os candidatos sofrem com elas. Aprendi que pesquisas eleitorais e de popularidade tão distantes das eleições são retratos que podem mudar. Lula teve uma queda de popularidade na virada do ano e uma provável estabilização a partir de março de 2025. Mas Lula tem problemas: um governo disfuncional que quase toda a semana dá um tiro no pé, muitas propostas de governo sem nenhuma identidade e que possam ser apresentadas como a bandeira do seu terceiro mandato, um ministério de frente ampla que, ao se tornar uma frente amplíssima, não ajuda na governabilidade, uma oposição renhida que sabe lidar com as redes sociais e pouco tempo para reverter esse quadro. Tem, ao mesmo tempo, uma habilidade política ímpar, muita experiência, uma boa imagem no campo das relações internacionais que pode ajudar em casa, e uma base eleitoral que é muito consistente. Ele já parte com um terço do eleitorado em qualquer disputa. Assim, não dá para apostar apenas nas pesquisas como forma de leitura da realidade. Elas são importantes. Mas o que vale é o voto na urna.