José Geraldo de Sousa Júnior
José Geraldo de Sousa Júnior Crédito: UnB José Geraldo de Sousa Júnior

Ex-reitor, professor José Geraldo defende debate sobre “golpe” de Dilma na UnB

Publicado em CB.Poder

ANA MARIA CAMPOS

Ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), o professor José Geraldo de Sousa Júnior, da Faculdade de direito, é um dos signatários de representação à Procuradoria Geral da República (PGR) assinada por juristas e parlamentares contra o ministro da Educação, Mendonça Filho, por conta do posicionamento dele em relação à disciplina “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”.

Ministro do presidente Michel Temer, Mendonça, que é deputado e votou a favor do impeachment, reagiu ao tema da disciplina e defendeu uma ação de improbidade administrativa contra o professor Luis Felipe Miguel, do curso de Ciência Política da UnB.

Em entrevista ao Correio, José Geraldo, um dos defensores do “Direito achado na rua”, explica por que considera importante e legítimo o debate na UnB sobre o processo que tirou do Palácio do Planalto a petista Dilma Rousseff.

O professor, que enxerga o impeachment como um golpe, avalia que cabe na universidade qualquer tipo de debate e pensamento, desde que o aluno seja avaliado dentro das regras do plano de curso. José Geraldo acredita que o estudante terá total abertura para discordar. Ele exemplifica: “Em todos esses campos, a bibliografia tem duas estantes: uma com obras e relatórios de disciplinas que sustentam que em 1964 houve um golpe; outra com material que sustenta que em 1964 houve uma revolução.. Em ambas as hipóteses há acervo jurídico para apoiar as opiniões”.

Veja a entrevista:

A ex-presidente Dilma Rousseff deixou o cargo por decisão do Congresso, que foi eleito por voto direto, sob a acusação de irregularidades nas contas públicas. Por isso, é controverso dizer que houve golpe para derrubá-la do poder. O nome da disciplina “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil” direciona a discussão para uma visão ideológica sobre o episódio?

Certamente é controverso. Daí a importância de organizar reflexão fundamentada para estabelecer um protocolo epistemológico de inteligibilidade entre quetões controversas. No tema específico, essa é uma tensão secular para o conhecimento da história política. Até hoje, acumulam-se disciplinas, teses e estudos acadêmicos (disciplinas, cadeiras) para orientar a compreensão sobre o evento de 1964 no Brasil. Em todos esses campos, a bibliografia tem duas estantes: uma com obras e relatórios de disciplinas que sustentam que em 1964 houve um golpe; outra com material que sustenta que em 1964 houve uma revolução.. Em ambas as hipóteses há acervo jurídico para apoiar as opiniões. E é assim historicamente. A restauração monárquica na Franca instalada com Luis Bonaparte em 1851 é conhecida como o Golpe de Luis Bonaparte, sob os auspícios da legalidade que segundo Odilon Barrot, Ministro da Justiça e Presidente do Conselho de Ministros se fez contra uma “legalidade que sufoca”. Não obstante, Victor Hugo a descreveu como “A História de Um Crime”. Desvendar essas contradições é a função dos estudos universitários, incluindo as leituras que fazem os políticos e os juristas.

Qual deve ser o critério de avaliação dos alunos que optarem pela disciplina do curso de Ciência Política?

No sistema universitário, especialmente o da UnB, toda atividade acadêmica é conduzida à base de Programas e de Planos de Cursos nos quais devem figurar conteúdos, metodologias, atividades pedagógicas, formas e critérios de avaliação para garantir previsibilidade no desenvolvimento de seus elementos constitutivos e, eventualmente, padrões que sustentem as avaliações e, quando for o caso, na forma regulamentar, revisão dos conceitos atribuídos. Todo esse conjunto, formulado pelos docentes respectivos passa pelas instâncias colegiadas de aprovação e registro para fins de integração curricular e certificação. Prevalecem nesses critérios, variados quanto aos elementos característicos de cada atividade, matéria ou disciplina, a afirmação fundamentada com os paradigmas (no sentido atribuído por Thomas Kuhn, ou seja, maturidade e normalidade do campo, seus consensos e dissensos) de cada atividade, matéria ou disciplina.

Quem tiver uma posição totalmente contrária ao entendimento de que houve golpe conseguirá aprovação e notas máximas nas provas?

Certamente. Salvo situações bizarras todas sujeitas a revisões e recursos. No estiilo de Voltaire, “discordando, mas defendendo o direito legítimo de fazê-lo”. Na minha Faculdade, por exemplo, a de Direito, isso está patente desde 1964 (para os temas de golpe e revolução), e nela conviveram, com diferenças políticas ou epistemológicas alunos e professores que se submeteram a exames, provas, concursos nos quais interpretes com diferentes visões teóricas e de mundo, arguiram, reprovaram, aprovaram (em número infinitamente maior) os estudantes e pesquisadores. Livres para estudar e formular cursos de “direito achado na lei” e também de “direito achado na rua”, com igual reconhecimento acadêmico. Apenas para ficar entre professores (alguns dos quais foram estudantes, posso relacionar sem catalogar, pensadores muitas vezes antagônicos: Hermes Lima, Victor Nunes Leal, Machado Neto, Roberto Lyra Filho, Josaphat Marinho, Waldir Pires, Franco Montoro, Alfredo Buzaid, José Carlos Moreira Alves, Inocêncio Mártires Coelho, Gilmar Mendes, Ronaldo Polletti, Marcelo Neves etc, etc.

O senhor poderia dar exemplo de outras disciplinas da UnB com tema controverso como o desta disciplina?

Acabei de citar uma, “O Direito Achado na Rua”, que eu próprio ministro, na graduação e na pós-graduação, que é base de linha de pesquisa registrada no CNPq, com o acervo de enorme reconhecimento nacional e internacionalmente, acumulando prêmios de monografias, dissertações e teses, mas com a objeção legítima em sentido epistemológico, de colegas professores, alguns com lugar funcional de relevo na administração pública e no Judiciário. Mas há outras, basta ver o catálogo de cursos da UnB que não quero citar para não criar expectativas. Farei apenas uma referência até porque sei que não causará mossa ao Professor. Refiro-me ao professor, ex-Reitor, ex-Governador, ex-Minsitro da Educação, atual Senador Cristovam Buarque, que criou disciplinas extremamente controversas no fundo e nos temas, trazendo para estudo na universidade assuntos altamente controversos como interdisciplinaridade, numa universidade ainda muito disciplinar, questões filosóficas para a economia como estudos de inversão de prioridades éticas para o desenvolvimento e essa questão visceral da medida compensatória com o estudos que levaram à formulação de categorias como “bolsa-escola”, em sua disciplina de “Estudos do Brasil Contemporâneo”.

O senhor é um dos signatários da representação contra o ministro da Educação, Mendonça Filho, que criticou a disciplina e defende uma ação de improbidade administrativa contra o professor Luís Felipe Miguel. Acha que essa posição é uma censura à UnB?

À luz da lição da História tem esse caráter e semelhança com o que já foi feito, inclusive com forma de legalidade contra a própria UnB. Vejam o livro de Roberto Salmeron “A Universidade Interrompida” e o livro que eu próprio organizei “Da Universidade Necessária à Universidade Emancipatória”. À luz do procedimento anunciado, em que pese ter sido expresso mais sob a forma de uma manifestação de agente partidário pois em postagem de teses sociais, é uma interferência imprópria que afronta os fundamentos da Convenção Americana de Direitos Humanos, a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, externando juízos pessoais e substituindo fundamentos de competência técnico-racionais por uma subjetividade que cabe ao agente político mas não ao agente administrativo. Por isso, mesmo nas duas representações (que assinei com colegas juristas e parlamentares), trazemos a conhecimento a tese premiada pela CAPES/MEC), como Grande Prêmio Capes, cujo fundamento é a liberdade de ensinar, desde que oferecidas as salvaguardas que foram adotadas no caso tal como ouvi hoje (23/02) nas manifestações trazidas à reunião do Conselho Universitário da UnB.

O senador Cristovam Buarque (PPS/DF), também ex-reitor da UnB, avalia que a universidade tem a liberdade de nomear disciplinas tanto como “golpe” no caso de Dilma Rousseff, quanto como “revolução de 1964”. O senhor concorda?

Perfeitamente. Por isso, na UnB estuda-se Marx e Max Weber, Aristóteles e Platão, Freud e Skinner, Kant e Hegel, Cristo e Buda, Miguel Reale e Roberto Lyra Filho, Kelsen e Dworkin, Newton e Einstein, Fermat e Kline, Saussure e Schleicher, Vamireh Chacon e Rui Mauro Marini, Fernando Henrique Cardoso e Boaventura de Sousa Santos. Aqui, já tivemos os estudos jusnaturalistas da dissertação de Mestrado do hoje ministro, presidente do TST até ontem (22/02) Ives Gandra Martins Filho (um dos formuladores da Reforma Trabalhista), os estudos de jurisdição constitucional do Professor Gilmar Mendes (uma referência da cena política contemporânea, com posicionamento altamente difundido). O importante é que em todos esses casos, programas, ementas, planos, critérios de avaliação e procedimentos de revisão sigam os parâmetros acadêmicos estatutariamente e autonomamente como manda a Constituição, patra serem cadastrados e permitirem certificação.

Na sua opinião, o impeachment de Dilma Rousseff foi golpe?
Categoricamente, sim. Tenho sustentado essa opinião publlicamente em seminários, mesas-redondas, entrevistas, conferências, salas de aula e em mutos escritos. Por todos, remeto ao meu artigo “Estado Democrático da Direita”, publicado no livro organizado por Roberto Bueno, Democracia: da Crise à Ruptura, São Paulo: Editora Max Limonad, 2017, págs, 407-412. Ali explico meu posicionamento para demonstrar que a existência formal de uma legalidade e de uma institucionalidade procedimental por si, não afirma a legitimidade do que realiza. E lembro que, no Brasil, com sua herança colonial que opera com favores mas não com direitos (lembre-se da afirmação de Getúlio: “para os amigos tudo; para os inimigos, a lei”), prevalece o alcance retórico de institucionalização pelo jurídico, pondo em relevo o fato de que todas as experiências autoritárias de nossa formação social, inclusive a mais recente pós-1964, tomaram uma forma de legalidade, procurando dar expressão “constituinte” aos seus arranjos “revolucionários”, com todas as aspas possíveis.