Coluna Eixo Capital, publicada em 27 de dezembro de 2024, por Pablo Giovanni (interino)
O nome da tenente-coronel da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Kelly de Freitas Souza Cezário entrou no radar das investigações. Uma gravação, divulgada pela Folha de S. Paulo e obtida pela coluna, mostra a oficial tentando alinhar a defesa do major Flávio Silvestre de Alencar com a do ex-comandante-geral Fábio Augusto Vieira e do capitão Josiel Pereira César. A divulgação do áudio surpreendeu até os investigadores da Polícia Federal, conforme apurado pelo Correio com fontes ligadas ao inquérito que apura a atuação de policiais militares.
Os áudios indicam que Kelly tentava alinhar a defesa dos três — Fábio Augusto e Alencar são réus no processo que tramita no STF, enquanto Josiel não. A tenente-coronel procurou a esposa do major com a proposta, chegando, inclusive, a “conseguir todos os telefones dos advogados” para não causar ruído e seguir uma “história só”.
“Era muito importante porque a história de vocês converge, né? Pra depois não ter ruído, entendeu? Na hora de dar as declarações, de fazer a linha de defesa”, disse a tenente-coronel para a esposa do major, em ligação telefônica. “Eu posso conseguir todos os telefones dos advogados e passo pra você. E aí você, se houver interesse dela em uma situação só, ela entender como é que está a defesa dos outros, né, para também seguir na mesma linha. Porque é a mesma história”, concluiu Kelly, sugerindo uma reunião com a advogada de Alencar, que estava detido à época, após ser alvo de operação da PF inicialmente em fevereiro de 2023 e, novamente, em maio do mesmo ano.
A suspeita de possível interferência para omitir informações já era levantada pelos investigadores, com base em mensagens apreendidas no celular de Alencar, mas não havia sido confirmada até então. Na época, os policiais federais transcreveram um áudio do major, datado de 19 de abril de 2023, no qual ele relatava que a tenente-coronel Kelly estava procurando “qualquer furo que eu tivesse quando eu estava no comando do exercício do 6° (batalhão) pra botar no ‘meu rabo'”. Na época do 8/1, Kelly, que era comandante titular do batalhão que cuida dos Três Poderes, estava de férias.
“Inclusive, velho, a coronel Kelly, enquanto eu tava preso, ela tava assediando a Carol (esposa de Alencar), fazendo pressão, pressionando a Carol aqui pra que ela convencesse minha advogada para acertar depoimento, tu acredita velho. Pelo amor, aquela mulher é uma filha da p*, velho. Aquela mulher, meu irmão, meu irmão, como diz a Carol, velho, é bicho, ela é uma pessoa ruim. Ela é uma pessoa horrível. Essa é a definição da coronel Kelly, entendeu? Então assim, eu sei que o coronel Casimiro tava botando no meu rabo, dizendo que eu era o comandante, entendeu? A coronel Kelly foi ouvida, ela falou mesmo, ‘é, o Flavio mesmo, era comandante em exercício, ele tinha poder pra tomar as decisões’, olha só, velho. Quando é que um major, vamo lá, você conhece o coronel Casimiro, quando é que eu, um major, vou conseguir debater alguma coisa no coronel Casimiro? E outra, né, velho, p*, meu irmão, não sei só falei pra você, velho, eu fui escalado de boca, velho, de noite, de boca, cara. Não tinha plano de operação, não tinha nada. Aí eu sou jogado na fogueira, e aí, meu irmão, p*, neguinho quer botar no meu rabo?”, disse Alencar.
O major prossegue: “Então assim, é por isso que eu falei pra você, eu quero muito acreditar que o coronel Fábio Augusto também não esteja fazendo isso, querendo colocar no meu rabo, porque eu falo pra você, se essas declarações que, nesse jornal tá escrito, realmente ele deu, eu vou falar pra você, ele é um grande de um filho da p*, entendeu? Porque o coronel Fábio Augusto, em nenhum momento, ele me pediu efetivo, em nenhum momento ele, cara, ele não me cobrou nada, até porque ele sabe, velho, que eu não tenho poder pra isso, ele tinha que cobrar a era do DOP (Departamento de Operações) exercício ou do coronel Casimiro, né? Então, velho, é f*, velho, é f*”, afirmou o major em diálogo com um colega de farda, conforme transcrição recuperada pela PF.
O material divulgado deverá ser usado nas alegações finais de parte das defesas no processo. A coluna não conseguiu localizar a tenente-coronel.
MP quer inquérito para apurar o caso
Após a divulgação do caso, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) solicitou a abertura de um Inquérito Policial Militar (IPM) para investigar a conduta de Kelly. No pedido, o promotor Flávio Milhomem, da 3ª Promotoria de Justiça Militar, determinou que o corregedor da corporação explique o suposto alinhamento proposto pela tenente-coronel. A PMDF terá um prazo de cinco dias para responder ao requerimento (veja a gravação abaixo).