O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo Costa, defende que a magistratura e o serviço público não sejam atingidos pelos cortes do ajuste fiscal que o presidente Michel Temer precisa implementar para reduzir o rombo nas contas públicas. Para o juiz, os empresários devem pagar essa conta. “É a classe empresarial que sonega impostos, frauda licitações, usa caixa dois; são os banqueiros que sonegam impostos e usaram seus lobbies para políticas de exclusão; esses devem arcar com o custo dessa crise. E não a magistratura, e não o serviço público”, afirma em entrevista ao Correio.
João Ricardo aponta que a magistratura tem se destacado com posições importantes. Ele cita o exemplo do juiz Sérgio Moro, que lidera a Operação Lava-Jato, uma referência no combate à corrupção. Mas ressalta que há muitos outros bravos magistrados que tomam decisões duras e enfrentam ameaças. Atualmente, segundo o presidente da AMB, 130 juízes vivem sob algum tipo de proteção, em função dos casos graves que julgam. “A magistratura brasileira tem se destacado pela força e coragem diante dessas situações. Justamente por isso que precisam ser garantidas as prerrogativas da magistratura”, diz.
Na avaliação do juiz João Ricardo Costa, na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma importante decisão, ao manter a execução de penas de prisão em casos de condenação em segundo grau. “(A decisão) se apresentou como necessária diante da esquizofrenia que é o sistema recursal brasileiro, que tem patrocinado a impunidade no Brasil. Essa decisão acaba por trazer mais agilidade, garantindo a ampla defesa e devido processo legal e fortalece a decisão do juiz de primeiro grau”, analisa.
Qual é a sua opinião sobre o entendimento que prevaleceu no STF de que a pena de prisão deve ser executada imediatamente quando houver condenação em segunda instância?
A decisão do Supremo que possibilita a execução da pena privativa de liberdade no julgamento do segundo grau se apresentou como necessária diante da esquizofrenia que é o sistema recursal brasileiro, que tem patrocinado a impunidade no Brasil. Essa decisão acaba por trazer mais agilidade, garantindo a ampla defesa e devido processo legal e fortalece a decisão do juiz de primeiro grau, no momento em que faz uma nova interpretação em relação ao princípio da presunção da inocência – que vinha sendo usado como forma protelatória, a partir de uma infinidade de recursos, obrigando aos tribunais a apreciarem vários pedidos para decidir a mesma coisa, o que é totalmente contraproducente. Ainda mais urgente seria a reforma do sistema recursal brasileiro para que a Justiça possa ter a efetiva celeridade de apuração desses processos, levar essas ações a termo o mais rápido possível, atendendo a todas as garantias constitucionais.
Acha que esse entendimento pode reduzir a quantidade enorme que existe hoje de recursos meramente protelatórios nos tribunais superiores?
Essa medida tende a evitar os recursos protelatórios, porque uma vez que a pena começa a ser cumprida não há mais tanto interesse na procrastinação do processo. Além disso, os prazos prescricionais deixam de correr e há essa tendência de redução dos recursos como resultado do novo entendimento do STF. De qualquer forma, isso é algo que temos que observar e acompanhar o andar da cena jurídica para ver como vão se comportar os agentes que atuam nos processos penais.
O ministro Gilmar Mendes se referiu a uma melhora das condições dos presídios. Acha que as penitenciárias brasileiras oferecem condições dignas para a ressocialização dos presos?
As prisões brasileiras realmente nos envergonham perante o mundo. O Brasil tem que tomar medidas urgentes parar resolver esse problema. O sistema prisional não ressocializa, é gerador de grande violência, pois estão tomados pelo crime organizado. Muitos dos comandos para a realização de crimes partem de dentro dos presídios e tornam a sociedade vítima da crescente violência.
O primeiro passo é o Estado assumir o sistema prisional e acabar com o crime organizado. Ao mesmo tempo, é preciso criar condições humanas para o cumprimento das penas de forma que essas condenações tenham o efeito ressocializador.
Nos últimos anos, o país tem visto prisões e condenações que eram raras há pouco tempo de políticos e empresários bilionários. O que mudou?
Realmente as investigações da Lava-Jato alteram uma lógica de que a lei penal só atingia o pobre. Claro que isso não se iniciou somente nessa operação, a Justiça tem muitas condenações anteriores de pessoas de alto poder aquisitivo e também de poder político, mas a Lava-Jato deu visibilidade ao problema e chegou aonde jamais se tinha chegado, que é atingir as grandes empreiteiras brasileiras, ligadas a estrutura do país, e também atingindo a classe política de uma forma bastante abrangente. Isso realmente é um fato inédito na história republicana brasileira.
O juiz Sergio Moro virou um símbolo de defesa da ética e de combate à corrupção. Há muitos magistrados corajosos como ele no anonimato?
Sem dúvida o juiz Sérgio Moro é uma referência hoje no Brasil no combate à corrupção. Nós temos sim muitos juízes que tem atuado no anonimato e, também, se submetido a pressões muito grandes por estarem presidindo processos que envolvem poder econômico e poder político. Isso faz parte da história do Poder Judiciário brasileiro. Nós temos, inclusive, juízes sob escolta em função da atuação em processos desse tipo. Hoje, no Brasil, há mais de 130 juízes sob algum tipo de proteção em função de graves ameaças. A magistratura brasileira tem se destacado pela força e coragem diante dessas situações. Justamente por isso que precisam ser garantidas as prerrogativas da magistratura.
Acha que a Lava-Jato teria chegado onde chegou sem o juiz Sergio Moro?
A operação alcançou tamanha dimensão muito em função das qualidades e do preparo técnico do juiz Sérgio Moro, que aplicou entendimentos mais modernos no combate ao crime organizado. Isso não há dúvida nenhuma. Em muitos momentos, ele foi pressionado e teve ao seu lado o apoio de importantes entidades para cobrar do Poder Público a autonomia necessária para que não houvesse intervenções na condução das ações. Em diversas situações, a AMB precisou intervir e cobrar que as prerrogativas da magistratura fossem respeitadas para garantir a independência do Judiciário – quando Moro foi denunciado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por advogados de acusados e, também, quando a defesa do ex-presidente entrou com uma representação contra ele na ONU. Foi preciso nos posicionar publicamente e com veemência para evitar essas pressões e continuaremos atentos em defesa de qualquer magistrado no exercício jurisdicional. Esses méritos são reconhecidos pelos meios jurídicos e pela sociedade brasileira.
O que o senhor acha de críticas feitas por setores da sociedade sobre supostos excessos de prisões determinadas na Lava-Jato?
Todo processo que envolve o poder econômico, o poder político e, principalmente, em meio à polarização que o Brasil vive, gera elogios e críticas. Aliás, isso é da natureza da decisão judicial. Pelo menos uma das partes não sai contente de uma decisão judicial. Não há como haver empate. E quanto mais polemizado é o processo, mais sensível é também. Quanto maior o impacto desse processo no seio da sociedade, mais debates e críticas terão. Essa polêmica em relação às decisões e o processamento dos casos que envolvem a Lava-Jato estão dentro desse contexto ao qual nós, juízes, estamos acostumados.
Na sua opinião, qual impacto haveria com a eventual determinação de prisão contra Lula por se tratar de um presidente da República?
Não se pode prever como a sociedade brasileira reagiria em relação a uma possível prisão de um ex-presidente da República. Mas é claro que seria um fato político relevante no país, um fato jornalístico de dimensão internacional, disso não resta dúvida.
Pelo número de votos brancos, nulos e abstenções, as eleições municipais indicaram um desinteresse grande do eleitor em relação à política. Qual é o motivo no seu entendimento?
Não sei se podemos afirmar que esse comportamento é de fato um sinal de desinteresse. O país atravessa um momento muito difícil, onde não há confiança da sociedade na classe política. O fato é que isso precisa ser muito debatido pela sociedade, é preciso resgatar a credibilidade da política. As eleições municipais mostraram isso, e temos que nos preocupar com esse fenômeno, pois a superação da crise que vivemos também passa pela necessidade de participação da população na discussão das soluções.
O auxílio-moradia para juízes e integrantes do Ministério Público é controverso por se tratar de um acréscimo ao subsídio que deveria ser único. Acha justo o benefício para quem tem imóvel e trabalha perto de casa?
O auxílio-moradia foi uma forma de resolver um problema diante do descumprimento de um princípio constitucional sobre a política de subsídio – que prevê a recomposição a cada ano, o que não ocorre, gerando grande defasagem na remuneração da magistratura. A AMB tem se posicionado em defesa de uma política de estabilidade para a carreira, para que não seja necessário depender desses mecanismos, que são legais por estarem previstos em lei, mas que abrem espaço para questionamentos. A carreira precisa ser estável e estruturada, atraindo os melhores quadros. Constitucionalmente, a remuneração da magistratura precisa ser recomposta através dos subsídios, mas a cada ano abre-se uma discussão em torno desse tema, um fato grave em relação à carreira de estado como a dos juízes. A sociedade brasileira precisa estar atenta a isso. É importante que haja uma remuneração estável, definida e uma carreira estruturada.
Num momento em que se discute cortes no orçamento e ajuste fiscal, o senhor acredita ser possível a recomposição dos subsídios dos ministros do STF?
Não há qualquer incompatibilidade em relação à recomposição dos subsídios. No momento de crise, o discurso de cortes no orçamento é sempre direcionado ao serviço público e à classe trabalhadora, e tem sido objeto de recrudescimento da crise em vários modelos no mundo. Esse discurso sempre vem à tona e esses cortes são sempre o caminho apontado como forma de superação das crises. No entanto, aqueles que acarretaram as crises em função de desvios de recursos públicos, que de fato conduziram o país por meio do financiamento de campanhas, acabaram fazendo valer os seus projetos legislativos ou no âmbito da economia. Esses foram os verdadeiros causadores dessa crise, e são eles que devem pagar para que o Estado supere essa crise. É a classe empresarial que sonega impostos, frauda licitações, usa caixa dois; são os banqueiros que sonegam impostos e usaram seus lobbies para políticas de exclusão; esses devem arcar com o custo dessa crise. E não a magistratura, e não o serviço público.
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