DA COLUNA EIXO CAPITAL
Com a experiência de quem está há quase 23 anos no Ministério Público Federal, o procurador regional da República Alexandre Camanho de Assis, em entrevista ao Correio, defende a atuação do juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava-Jato e diz que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, vai absorver críticas do ex-presidente Lula com serenidade. Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) entre 2011 e 2015, Camanho e analisa a relação da instituição com o recém empossado ministro da Justiça, Eugênio Aragão, integrante da carreira do Ministério Público Federal.
Um dia depois da rumorosa entrevista de Aragão, Camanho afirma que a relação do colega com o Ministério Público agora será de “respeito e distância”. Aragão disse ao repórter Leandro Colon, da Folha de S.Paulo, que não admitirá vazamentos da Operação Lava-Jato, referindo-se à Polícia Federal (PF). No que atinge o próprio MP, Aragão condenou a forma como vem sendo realizadas as delações premiadas.
Nesta entrevista ao Correio, Camanho rebate: “Nenhum membro do Ministério Público deste país aceita ser intimidado; ainda mais quando está cumprindo com seu dever de combater a criminalidade. Esta é uma carreira decente e patriota, que escolheu servir apenas ao país”. Sobre a campanha da Polícia Federal pela autonomia administrativa, financeira e orçamentária, Camanho expõe sua total discordância: “Repugna à democracia a ideia de uma instituição que ambicione, no fundo, ser uma espécie de magistratura armada”.
A decisão do juiz Sergio Moro de levantar o sigilo das investigações sobre o ex-presidente Lula provocou controvérsias. Acha que ele agiu dentro do que prevê a Constituição?
A Constituição protege o sigilo das comunicações telefônicas, salvo por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Essa disposição, lida com outras duas – a da proteção da intimidade e a da publicidade dos atos processuais -, aponta para a licitude do levantamento do sigilo, porque uma interceptação telefônica judicialmente autorizada só deveria permanecer sigilosa se expusesse uma intimidade ou prejudicasse a própria investigação, o que não é o caso.
O fato de a presidente da República, Dilma Rousseff, ter uma conversa interceptada e divulgada sem autorização do STF configura ilegalidade?
Não é raro que, em uma diligência judicialmente ordenada, a polícia encontre provas de outro crime fora da diretriz da investigação. Este encontro fortuito não é ilegal, se o alvo da diligência estava sendo investigado pelo juiz natural.
Da Suíça, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse que o Ministério Público tem “couro duro”. O que acha que ele quis dizer?
O procurador-geral tem três décadas de atuação no Ministério Público e viveu inúmeros momentos de tensão, enfrentamento e pressão de investigados. Essa vivência – que é comum a todo membro do Ministério Público – desenvolve uma resistência a essas trepidações, a ponto de elas serem absorvidas com inteira serenidade.
Num dos diálogos interceptados, o ex-presidente Lula diz que, quando precisa de Janot, ele é formal. Essa frase dá a entender que Lula queria exercer mais influência na PGR?
A escolha do procurador-geral da República começa com sua inclusão na lista tríplice, passa pela indicação do presidente da República e culmina na aprovação pelo Senado. A partir de então, a investidura no cargo impõe uma atuação invariavelmente austera, e portanto imune a influências. Assim tem sido. Não deveria ocorrer a ninguém que o primeiro promotor do país devesse receber investigados em inteira abstração das formalidades que são imprescindíveis às magistraturas; especialmente a de ver pedidos apresentados formalmente e pelo patrocínio constituído.
Acha que o ex-presidente Lula realmente conseguirá foro no STF?
Se ele é ministro de Estado, ele tem foro no Supremo Tribunal. É o que diz a Constituição. Mas não há foro privilegiado quando se tratam de ações populares.
O STF deve julgar se o ex-presidente tem mesmo foro?
O Supremo julgará tudo quanto lhe for apresentado em relação, inclusive, à sanidade legal da nomeação.
Na sua opinião, a posse vale?
Estando essa questão no Supremo, fala pelo Ministério Público o procurador-geral da República e mais ninguém. Ele também não opina nos meus processos. Essa regra de ouro das magistraturas é inafastável entre nós.
Para onde vamos, num país tão conflagrado?
Vamos, em meio às turbulências, rumo à consolidação da Democracia e ao amadurecimento da sociedade, das instituições e da imprensa. Não há outro destino.
Eugênio Aragão no Ministério da Justiça. Vai representar o Ministério Público?
É inegável que ele levará sua experiência de Ministério Público, e certamente vai fruir dessa indiscutível vantagem. Mas Eugênio sabe muito bem que daqui para frente, para nós, ele é o ministro da Justiça e isso não se confunde com o Ministério Público, não propicia interações nem facilidades. Ele agora está no Poder Executivo e será tratado assim – com respeito e distância. Somente assim será tratado. E é justamente por ser da carreira que ele sabe – e deve se lembrar sempre – que nenhum membro do Ministério Público deste país aceita ser intimidado; ainda mais quando está cumprindo com seu dever de combater a criminalidade. Esta é uma carreira decente e patriota, que escolheu servir apenas ao país.
A Policia Federal deve ter autonomia?
A Polícia Federal já é autônoma nas investigações e isso basta. Nenhum país do mundo tem uma polícia independente como se tem reivindicado simplesmente porque segurança pública é uma pauta inalienável dos governantes eleitos pelo povo. Repugna à democracia a ideia de uma instituição que ambicione, no fundo, ser uma espécie de magistratura armada.
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